"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



30/06/2021

Jurisprudência 2020 (241)


Caso julgado;
requisitos


1. O sumário de STJ 16/12/2020 (141/15.0T8PST.L1.S1) é o seguinte:

I. Não sendo apreciada, na oposição à execução, a questão da existência ou inexistência da obrigação da ré de pagamento à autora da quantia inscrita em certos cheques, mas apenas a falta de um dos requisitos de que depende a exequibilidade dos cheques enquanto título executivo, a decisão aí proferida não forma caso julgado para efeitos de posterior acção declarativa visando a condenação da ré naquela obrigação.

II. O Supremo Tribunal de Justiça não tem o poder de sindicar a convicção atingida pelo Tribunal da Relação através de meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador, mas apenas o poder de avaliar se, na reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, este Tribunal incorreu em violação de alguma norma de Direito probatório material aplicável [cfr. artigos 674.º, n.º 1, al. b), e n.º 3, e 682.º, n.º 3, do CPC].


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"A 1.ª questão de que cumpre conhecer prende-se com a alegada ofensa de caso julgado (cfr. conclusões 4 e s.).

Segundo a recorrente, a sentença proferida na acção executiva que correu termos no Juízo de Competência Genérica de … sob o processo n.º 181/10.5…. e apenso A (oposição à execução), transitada em julgado, impediria o Tribunal recorrido de decidir como decidiu.

Compulsada a certidão junta aos autos (fls. 147 verso / 193), verifica-se que, no referido processo, a autora e aqui recorrida instaurou contra a ré e aqui recorrente uma acção executiva para pagamento de quantia certa no valor de € 30.000,00, sendo apresentados como títulos executivos os dois cheques em apreço na presente acção, alegando que, antes de falecer, a Sra. CC emitira os referidos cheques em seu nome, como reconhecimento e para pagamento dos seus serviços domésticos e cuidados de saúde, nunca tendo conseguido sacar os mencionados cheques junto da sucursal do Banco …, por a assinatura da falecida ter de ser reconhecida presencialmente. A ré deduziu oposição à execução, alegando desconhecer os motivos que a Sra. CC tinha para passar os referidos cheques a favor da autora, desconhecendo se as assinaturas daqueles cheques eram ou não verdadeiras.

Foi proferida sentença naqueles autos, a qual concluiu pela inexistência ou inexequibilidade dos títulos executivos, por a autora ali exequente e aqui recorrida não ter conseguido demonstrar a veracidade das assinaturas apostas nos mencionados cheques, encontrando-se os mesmos privados da respectiva exequibilidade. A autora recorreu e o Tribunal da Relação … confirmou a sentença, por a autora não ter título executivo exequível para o prosseguimento da execução.

Aprecie-se. [...]

Ora, pese embora poder entender-se que são as mesmas as partes naquele processo e nos presentes autos, já existem sérias reservas quanto a haver identidade do pedido e da causa de pedir. Se não veja-se.

No processo executivo, a autora tinha como fim único a obtenção do pagamento de certa quantia. Diversamente, nos presentes autos, não obstante reconhecer-se que, na prática, este será o seu fim último, o que a autora rigorosamente peticiona é que o tribunal declare que a ré tem o dever de lhe pagar determinada quantia. Não é visado, assim, rigorosamente, o mesmo efeito jurídico. Por isso é que, como bem se assinala no despacho saneador proferido em … .01.2019, “a Autora vem carrear diversos fundamentos de facto que não foram produzidos ou sequer alegados no processo anterior, nomeadamente, todos os circunstancialismos que antecederam e sucederam à data que se encontra aposta nos referidos cheques bancários”. Quer dizer: tão-pouco é exactamente a mesma a causa de pedir (a pretensão deduzida nas duas acções não procede do mesmo facto jurídico).

Mas, para além da excepção de caso julgado, há que considerar aquela “vertente positiva” do caso julgado – a autoridade de caso julgado –, que tem o efeito positivo de impor a decisão. Diversamente da excepção de caso julgado, a autoridade de caso julgado pode funcionar independentemente da verificação daquela tríplice identidade. No entanto, não pode impedir que se volte a discutir e dirimir aquilo que ela mesma não definiu (cfr. artigos 91.º e 581.º do CPC).

Ora, é visível que a decisão proferida não aprecia nem decide a questão da existência ou inexistência da obrigação da ré no pagamento à autora da quantia inscrita nos cheques, mas apenas a falta de um dos requisitos de que depende a exequibilidade dos cheques enquanto título executivo e, consequentemente, a impossibilidade de prosseguimento da execução.

De tudo isto resulta, em suma, que a decisão proferida naquele processo não forma caso julgado com efeito nos presentes autos, não estando, pois, o Tribunal impedido de apreciar o mérito da causa (não há excepção de caso julgado) nem tão-pouco obrigado a decidir em sentido determinado (não há autoridade de caso julgado)."

[MTS]