Penhora; proporcionalidade;
habitação própria
1. O sumário de RL 27/4/2021 (1102/07.8JDLSB-AR.L1-7) é o seguinte:
i.– Todos os bens do devedor suscetíveis de penhora respondem pelo cumprimento das suas obrigações, assistindo ao credor o direito executar o património do devedor, mesmo quando tal património é constituído pela habitação própria permanente do executado.
ii.–O direito à habitação, constitucionalmente consagrado, não consiste no direito à propriedade do imóvel habitado pelo executado, nem à subtração desta propriedade à suscetibilidade de ser penhorada para responder pelas dívidas do executado.
iii.–O principio da proporcionalidade constituiu um limite à penhora de bens, assente no respeito pela propriedade privada, direito constitucionalmente consagrado. A afetação da propriedade, deve limitar-se ao necessário para satisfazer a quantia exequenda e as custas do processo.
iv.–A sua aplicação prende-se com a amplitude da penhora face à quantia exequenda e despesas da execução, mas não prescinde da consideração da existência de créditos a serem pagos com anterioridade face ao crédito exequendo, por beneficiarem de privilégio.
v.–O princípio da proporcionalidade e da adequação apenas justificará o levantamento da penhora do imóvel que é habitação própria permanente do executado, quando seja previsível que da venda de tal bem não se alcance qualquer perspectiva de obtenção de pagamento, total ou parcial, da quantia exequenda.
II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"A penhora deve começar pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante do crédito do exequente, devendo o agente de execução respeitar as indicações do exequente sobre os bens que pretende ver prioritariamente penhorados, salvo se elas violarem norma legal imperativa, ofenderem o princípio da proporcionalidade da penhora ou não se referiam aos bens porque deve começar a penhora (artigo 751º, nºs 1 e 2, do CPC).
A observância dos princípios da proporcionalidade e da adequação subjacentes à penhora, acautelam que o executado não seja colocado na posição de ver penhorados bens de valor superior ao necessário para o pagamento da divida exequenda e despesas previsíveis da execução.
A agressão do património do executado não se justifica, na pretensão do recorrente, na medida em que vendido o imóvel, o produto desta venda não chegará para satisfazer o crédito do exequente.
A sua pretensão não se mostra alicerçada no excesso de penhora, mas na insusceptibilidade de, pela venda do bem penhorado, os exequentes verem satisfeita a quantia exequenda.
Ora, o direito do exequente à satisfação do seu crédito não pode ser paralisado, sem mais, pela circunstância de existirem outros credores, com preferência na satisfação do crédito, como alega o recorrente, por referência ao credor hipotecário.
De facto, o principio da proporcionalidade (artigo 751º, nº 2, do CPC) constituiu um limite à penhora de bens, assente no respeito pela propriedade privada, direito constitucionalmente consagrado (artigo 62º da CRP). A afetação da propriedade, deve limitar-se ao necessário para satisfazer a quantia exequenda e as custas do processo.
Refere o recorrente que a quantia exequenda é de 28.344,23€, o imóvel tem o valor patrimonial de 49.962,26€, impendendo sobre o mesmo várias hipotecas no valor total de 145.994,00€, pelo que «o bem vendido não chegará para satisfazer o credor hipotecário», não sendo a penhora adequada à satisfação da quantia exequenda.
Relativamente aos créditos que o recorrente refere estarem garantidos por hipoteca, considerando os documentos apresentados extraídos através do serviço Caixadirecta e juntos com o requerimento de oposição à penhora, com data de 30.09.2019, pode constatar-se a menção ali efetuada a créditos, cuja soma ascende à quantia referida pelo recorrente, de 145.994,00€ (100.894,00€ + 35,100,00€ + 10.000,00€).
Em virtude dos pagamentos efetuados, o valor em dívida mencionado nos referidos documentos é inferior ao indicado pelo recorrente, subsistindo em dívida à referida instituição bancária, naquela data, as quantias de 79.550,24€ + 27.674,74€ + 8.670,22€, num total de 115.895,20€.
Mais resulta em cada um dos 3 documentos, no último dos quadros, frente a «Garantia» estar exarado «Tipo HABITAÇÃO PROPRIA».
Refere ainda o recorrente que a sua situação económica é «precária», que «não se recusou a liquidar as quantias exequendas, mas devido ao processo judicial que deu origem a estas quantias encontra-se sem acesso ao crédito e tendo esgotado todas as suas reservas financeiras.» e que os «exequentes indicam como bem único à penhora o imóvel.», bem como que «Esta penhora não beneficia os Exequentes, sendo este o fim da acção executiva, ressarcir os Exequentes, e não apenas prejudicar o Executado;».
O recorrente não invocou a existência de outros bens que pudessem responder pela quantia exequenda, cabendo-lhe fazê-lo, uma vez que sobre si impendia o ónus de alegar os factos concretos de que resultasse a impenhorabilidade do bem ou da inadmissibilidade da extensão da penhora, a subsidiariedade do bem penhorado para responder pela dívida exequenda ou que o bem penhorado não respondia pela dívida exequenda.
Invocando a violação do princípio da proporcionalidade da penhora e da adequação, cabia-lhe o ónus de alegar a existência de outros bens penhoráveis que pudessem satisfazer integralmente o crédito exequendo no lapso de tempo previsto no artigo 751º, nº 4 alíneas a) e b), do CPC.
A invocação do executado alicerça-se na sua precaridade financeira e na insusceptibilidade de o imóvel responder pela divida exequenda, considerando os créditos hipotecários que o oneram e a insusceptibilidade de o valor que vier a ser obtido com a venda do bem, satisfazer mais do que o pagamento do credor hipotecário.
Para além da alegação do recorrente relativa à existência de credor hipotecário e da menção constante dos documentos juntos a «Garantia» estar exarado «Tipo HABITAÇÃO PROPRIA», a instituição bancária Caixa Geral de Depósitos, à luz do que os autos permitem aferir, não reclamou ou por qualquer outra forma interveio nos autos.
A penhora do imóvel seria violadora dos princípios da adequação e da proporcionalidade, caso resultasse dos autos que o valor dos créditos hipotecários, fundados na garantia real de hipoteca e, assim, com privilégio, uma vez reclamados e determinado o seu pagamento pelo valor da venda do imóvel, pagos estes, nada viesse a sobrar para o pagamento do crédito exequendo.
Dos autos não resulta que os créditos hipotecários tenham sido reclamados – não resulta sequer que não estejam a ser satisfeitos – nem que o valor patrimonial do imóvel venha a ser o seu valor de venda, não podendo afirmar-se fundamentadamente que a penhora promovida pelos exequentes venha a revelar-se desadequada e desproporcional, por não resultar dela qualquer insusceptibilidade de os exequentes virem a ser ressarcidos do seu crédito.
A aplicação do principio da proporcionalidade, que se prende com a amplitude da penhora face à quantia exequenda e despesas da execução, não prescinde da consideração da existência de créditos que serão pagos com anterioridade face ao crédito exequendo, por beneficiarem de privilégio.
«Ocorrendo reclamação de créditos (art. 788º, nº 1), o juízo de prognose da proporcionalidade da penhora não pode deixar de ponderar também as regras relacionadas com a preferência atribuída aos credores privilegiados. Neste contexto, alguma jurisprudência vem entendendo que nos casos em que resulte dos autos, de forma clara e segura que, consumada a venda dos bens penhorados e realizado o pagamento aos credores reclamantes, nada sobrará para satisfazer o crédito exequendo, deverá obstar-se á penhora desses bens, em virtude de a diligência se revelar desproporcionada e inadequada (RL 27-6-17, 6331/08 e RL 6-4-17, 3449/09). Isto poderá ser especialmente pertinente quando esteja em causa a penhora de imóvel que constitua a habitação permanente do executado, mas que esteja onerado com hipoteca a favor de terceiro (v.g. instituição de crédito que financiou a aquisição), sem que exista uma situação de incumprimento da dívida. Num caso assim, em que, apesar da dívida exequenda, o executado mantém em dia os pagamentos referentes ao crédito hipotecário, sendo de prever que o produto da venda executiva se esgotará na satisfação do próprio crédito hipotecário, essa venda, além de não apresentar qualquer utilidade para o exequente, é suscetível de conduzir a um desfecho desproporcionado, à luz de uma equilibrada composição dos interesses em presença, na medida em que se perspetive que o executado perderá o imóvel onde habitava, sem vantagem alguma para o exequente ou para o credor hipotecário. Neste cenário, não estará afastada a possibilidade de encontrar no ordenamento jurídico uma solução diferente da que resulte da aplicação automática das simples regras sobre a garantia patrimonial dos créditos através da penhora e venda de bens do executado.» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, pág. 133).
Considerando a factualidade apurada relativa ao valor do crédito exequendo e ao valor patrimonial do imóvel, bem como que se desconhece o valor de venda do imóvel, temos que concluir não resultar dos autos, que realizada a venda do bem penhorado e satisfeito o pagamento de credor hipotecário que exista, nada venha a sobrar para pagar a quantia exequenda.
Não é possível antever com segurança - nem o recorrente fez qualquer esforço argumentativo factualmente sedimentado - que da venda do bem penhorado não resulte qualquer quantia para satisfazer o crédito exequendo.
O princípio da proporcionalidade e da adequação apenas obviará à penhora de imóvel do executado, em claro desvio à regra de que estão sujeitos à execução todos os bens do executado, na circunstância excecional de se apurar que da venda daquele bem não resultarão proventos que permitam satisfazer o crédito exequendo. Tal constituiu um desvio ao regime geral dos artigos 601º e 735º do CPC, apenas justificado quando seja previsível que da venda do imóvel do executado - que dele se verá privado com o grave prejuízo de ser sua casa de habitação-, não se alcance qualquer perspetiva de obter o pagamento, total ou parcial, da quantia exequenda.
À luz destes preceitos e do equilíbrio de valores em confronto - por um lado o direito do executado a não ver afetada desproporcionalmente a sua propriedade e, por outro, o direito do exequente a ver ressarcido o seu crédito - e em face dos elementos constantes dos autos, não é possível concluir, com segurança, que a venda do imóvel penhorado não permita satisfazer, ainda que parcialmente, o crédito exequendo e, assim, a penhora do mesmo revela-se adequada e proporcional."
[MTS]