Relativamente às regras da sucessão, esta “abre-se no momento da morte do seu autor”, sendo então “chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis, desde que tenham a necessária capacidade” – cf. artigos 2031º e 2032º, nº. 1, ambos do Cód. Civil.
Pelo acto de aceitação da herança adquire-se “o domínio e posse dos bens (…), independentemente da sua apreensão material”, retroagindo-se os efeitos daquela “ao momento da abertura da sucessão” – cf. artº. 2050º do Cód. Civil.
Todavia, só com a partilha “cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, sem prejuízo do disposto quanto a frutos” – cf. artº. 2119º do mesmo diploma -, no que se traduz a retroactividade do acto de partilha.
Verifica-se, assim, que a herança ilíquida e indivisa, como consta do auto de penhora, e bens imóveis á mesma pertencente, constitui um património autónomo, sendo que com o acto de aceitação os herdeiros apenas assumem uma quota ideal e abstrata do todo hereditário, pois só com a partilha, ainda que com efeitos retrativos à abertura da herança, é que cada um dos herdeiros fica a conhecer e obtém a qualidade de sucessor dos concretos bens que lhe foram atribuídos (cfr. Acórdão do STJ de 02/06/1993, Relator: Calixto Pires, Processo nº. 003587, in www.dgsi.pt, bem como o Ac. do mesmo Tribunal (STJ) de 21-04-2009 (relatado por Azevedo Ramos), em cujo sumário se destaca: “IV – A comunhão hereditária, geralmente entendida como universalidade jurídica não se confunde com a compropriedade, uma vez que os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa. V- Da aceitação sucessória apenas decorre diretamente para cada um dos chamados o direito a uma quota hereditária. VI- Os herdeiros são titulares apenas de um direito à herança, universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais esse direito ficará a pertencer, se só a alguns ou a um, sendo os demais compensados em tornas. VII – Enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão nenhum dos herdeiros tem “direitos sobre bens certos e determinados”, nem “um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota parte em cada um “. VIII – Até à partilha, os herdeiros são titulares, tão somente, do direito a uma fração ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fração seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar. IX – Só depois da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança”.
Ou seja, aceite a herança, como universalidade de direito que é, o património hereditário, apesar de devidamente titulado, continua indiviso até ser feita a partilha. Pelo que até á realização desta cada um dos herdeiros “apenas tem, na sua esfera jurídica individual, no seu património próprio, o direito a uma quota ou fração ideal do conjunto” (cfr. o aresto da RP de 29/01/2015, Relator: José Amaral, Processo nº. 164/03.1TABGC-C.G1.P1), e não o direito a uma parte específica ou concretizada dos bens que constituem o acervo hereditário (cfr. RP de 07/07/2005 – Relator: Fonseca Ramos, Processo nº. 0553551, in www.dgsi.pt -, citando Lebre de Freitas - Código de Processo Civil Anotado, vol.3º, pág. 371 – que “havendo um património autónomo coletivo, como é o caso da herança, cada um dos contitulares tem nele um quinhão, que constitui uma fração do todo, não concretizada sobre as coisas que o integram, e só através da ulterior operação de partilha dos bens do património é que o direito de cada um passa a incidir sobre coisas determinadas, cessando a comunhão”).
Nas palavras do Acórdão do STJ de 26/01/1999, Silva Paixão, Processo nº. 1214/98, BMJ nº. 483, pág. 211 a 214, a “comunhão hereditária, geralmente entendida como uma universalidade jurídica, não se confunde com a compropriedade (cfr. nº. 1 do artigo 1403º do C. Civil), uma vez que os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa”.
Pelo que até á partilha “os herdeiros são titulares tão-somente do direito a uma fração ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fração seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar”, pois enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão “nenhum dos herdeiros tem «direitos sobre bens certos e determinados», nem «um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota-parte em cada um deles»”, sendo certo que “aos herdeiros, individualmente considerados, não pertencem direitos específicos (designadamente uma quota) sobre cada um dos bens que integram o património hereditário”.
Deste modo, “só depois da realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário de determinado bem da herança”, pois, conforme se depreende do artº. 2119º do Cód. Civil, só a partilha “«extingue o património autónomo da herança indivisa», retroagindo os seus efeitos ao momento da abertura da sucessão” (cfr. cfr. Ac. do STJ de 09/02/2012 – Relator: Silva Gonçalves, Processo nº. 2752/07.8TBTVD.L1.S1, in www.dgsi.pt e Pires de Lima e Antunes Varela – Código Civil Anotado, Vol. VI, págs. 195, 196 e 203 -, a partilha “converte os vários direitos a uma simples quota (indeterminada) de um todo (determinado) em direito exclusivo a uma parcela determinada do todo”.
A respeito refere Remédio Marques (CPex, p. 242) que “se o objecto do direito numa compropriedade ou num património autónomo for um imóvel, não se segue o regime da penhora de imóveis (…). Esta penhora não é, por conseguinte registável, «… uma coisa é a penhora de parte em património autónomo ou universalidade – bens comuns, herança – onde caibam bens imóveis, outra coisa é a penhora de bens imóveis em compropriedade. Na verdade, é só no primeiro caso que não há lugar a registo, porquanto o que é penhorado é a parte no direito à universalidade, e não as quotas-partes nos direito que a compõe, não se conhecendo se virão a calhar ao executado imóveis ou móveis sujeito a registo – assim, neste sentido e só para esta hipótese, Alberto dos Reis, PEx II, cit, 224-225 e RP 16-1-1974, BMJ 233-243; já no segundo caso deve ser levado a cabo o registo».
Ora, no caso em apreço não subsistem dúvidas de que a penhora incidiu, não sob uma quota-parte de imóveis detidos em compropriedade, mas sobre o quinhão hereditário da executada, do qual fazem parte a quota dos ditos imóveis, pelo que, pelas razões acima apontadas, se entende que a penhora se efetua por notificação, nos termos previstos no artigo 781º do Código de Processo Civil, não estando sujeita a registo.
Neste sentido veja-se, entre outros, o recente acórdão da Relação de Lisboa de 11/04/2019, proc. n.º 171/17.7T8MFR.L1-6, relatado por Cristina Neves, onde se conclui que: «I - A penhora do direito do executado a herança indivisa efetua-se mediante notificação do facto ao cabeça-de-casal e aos demais herdeiros, com a expressa advertência de que o direito do executado fica à ordem do agente de execução, desde a data da primeira notificação.
Esta penhora não está sujeita a registo, ainda que na herança se integrem bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, por não se concretizar em bens certos e determinados, integrando a exceção consagrada na al. c) do nº 2 do artigo 5º do Código de Registo Predial.».
Em sentido idêntico vejam-se ainda os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29/05/12 (Salazar Casanova), proferido no proc. n.º 1718/03.1TBILH.C1.S1, e de 30/03/06 (Pereira da Silva), proferido no Proc. nº 05B3646; da Relação do Porto de 13/05/2003 (Cândido Pelágio Castro Lemos), proc. 0322275, e de 27/04/2004, (Emídio Costa), proc. n.º 0421355); o Ac. do TRC de 28/06/17, proc.º n.º 947/15.0T8CBR-B.C1, relatado por Maria João Areias e o Ac. R. Lisboa de 21 de Março de 2019, proc.º n.º 5863/10.9TBCSC-A.L1-2, relatado por Arlindo Crua, bem como Vaz Serra in Realização Coactiva da Prestação, B.M.J. nº. 73, pág. 297, onde refere “a penhora do direito a herança indivisa não está sujeita a registo, nem pode ser registada, porque o direito à herança não partilhada é um direito a uma parte indeterminada de bens, desconhecendo-se que bens virão a formar a parte do executado. Não há, pois, bens determinados sobre que possa fazer-se o registo. O registo apenas poderá e deverá efetuar-se quando os bens se determinarem, sobre aqueles que, pelo seu caráter de inscrevíveis no registo, sejam suscetíveis de sobre eles se registarem direitos […]. Se, feita a partilha, ao executado couberem bens dessa espécie, sobre eles deve então registar-se a penhora".
Nem o art.º 101.º do CRPredial, aludido na decisão recorrida, impõe essa obrigatoriedade (cfr. Ac. da Rel. de Lisboa supra citado, datado de 11/04/2019, proc. n.º 171/17.7T8MFR.L1-6), onde se refere:
“Não é igualmente, conforme acima se referiu, o registo condição de eficácia ou constitutivo desta penhora, pois que “ainda que do quinhão penhorado façam parte imóveis, móveis ou direitos sujeitos a registo, tal penhora não se encontra sujeita a registo, no sentido em que tal registo não é necessário à sua oponibilidade perante terceiros, por não se concretizar em bens certos e determinados, integrando assim a exceção consagrada na al. c) do nº 2 do artigo 5º do Código de Registo Predial.” (cfr. AC. Rel. de Coimbra, de 28/06/17, relatora Maria João Areias, proferido no Proc. nº 947/15.0T8CBR-B.C1, disponível para consulta in www.dgsi.pt ;
O que não significa, cfr anotação ao Ac. acima referido, que “não seja registável, nada obstando a que, uma vez penhorado o direito do executado a determinada herança indivisa ou a meação em comunhão conjugal dissolvida, se proceda à sua inscrição no registo relativamente a cada um dos bens imóveis que dela fazem parte. Tal registo encontra o seu fundamento no artigo 101º, nº 1, al. e), do Código de Registo Predial. Ao prescrever que é por averbamento à respetiva inscrição que se faz “o registo da penhora que tenha por objeto o direito de algum ou alguns dos titulares da inscrição de bens integrados em herança indivisa”, está-se a contemplar a genérica registabilidade dos factos jurídicos atinentes à quota-parte que cada herdeiro possua na herança – neste sentido o Parecer do IRN, Pº nº R.P. 52/2010 SJC-CT. (cfr. RP 148/2009 SJC/CT, e parecer no RP 21/2013 SJC/CC, todos disponíveis in site do Instituto de Registo e Notariado. Consta deste último parecer que “o acto de registo se fará com base na comprovação da referida notificação, ou, alternativamente, com base na declaração do agente de execução de que tal notificação ocorreu em certa data.”).
Não é condição de eficácia, pois que a penhora de um direito não se confunde com a penhora de uma quota ou quinhão em bem certo e determinável, sendo os contitulares referidos os contitulares do direito e não dos bens que se integrem neste direito (cfr. parece entender a decisão recorrida), uma vez que o titular do direito a herança ilíquida e indivisa, antes de se realizar a partilha não tem qualquer “direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota parte em cada um deles”; o que tem é um “direito de quinhão hereditário, ou seja à respetiva quota parte ideal da herança global em si mesma.” (cfr. R. Capelo de Sousa, in Lições de Direito das Sucessões, Vol. II, 2ª edição, pág. 90.).
Com efeito, “o quinhão hereditário – rectius, os factos ou situações jurídicas que o tomem por objeto (cfr. artigo 2124.º e seguintes do CC), incluindo a primitiva aquisição dele a favor do herdeiro, por aceitação da herança – não é, nem pode ser, “coisa” sujeita a registo, entendida a expressão no sentido de que precisem tais factos da sua publicidade para se tornarem oponíveis diante de terceiros, e é precisamente por isso que não se concretiza, o quinhão, em bens certos e determinados, de acordo com a alínea c) do n.º 2 do artigo 5.º do CRPredial. O quinhão é-o do património autónomo, correspondente à herança na complexa, dinâmica e fluida multiplicidade dos seus elementos.
De acordo com MOTA PINTO: “o caso mais nítido e claro de património autónomo no direito privado português é a herança”. Prevê a alínea e) do n.º 1 do artigo 101.º do CRPredial que é por averbamento à respetiva inscrição de aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito (artigo 49.º do CRPredial), que se faz o registo da penhora que tenha por objeto o direito de algum ou alguns dos titulares da inscrição de bens integrados em herança indivisa, pelo que, está evidentemente, contemplada a genérica registabilidade dos factos jurídicos atinentes à quota-parte que cada herdeiro possua na herança. Ainda de acordo com o citado parecer Pº RP 148/2009 SJC-CT, que apesar desse registo poder ser feito, o mesmo não é condição de eficácia do facto perante terceiros. A publicidade daí resultante é meramente enunciativa: o registo informa, divulga, dá notícia do facto e nada mais.” (cfr. A penhora e os seus Efeitos Registais, mestrado de Ana Luísa Matos Morim da Silva, IPP/2003, págs. 48 e 49).
Neste sentido, os atos de disposição ou oneração dos bens penhorados não são oponíveis ao exequente mas, para além disso “nenhum motivo existe para que se lhes negue eficácia”, constituindo uma consequência meramente adjetiva derivada do registo, que não destrói (apenas condiciona) a essência substantiva do direito”.
Face ao exposto, a pretensão do recorrente é acolhida, desde logo porque o direito à herança não partilhada é um direito a uma parte indeterminada de bens, desconhecendo-se que bens virão a formar a parte do executado.