"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



30/11/2021

Jurisprudência 2021 (88)


Pedido;
qualificação jurídica


1. O sumário de RG 29/4/2021 (374/19.0T8VVD.G1) é o seguinte:

I- O tribunal, em regra, não só não pode conhecer senão das questões que lhe tenham sido colocadas pelas partes, como também não pode decidir ultrapassando os limites do pedido que foi formulado, sob pena da decisão ficar afetada de nulidade.

II- A nulidade da decisão quando o Tribunal condene em objeto diverso do pedido colhe o seu fundamento no princípio do dispositivo, que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual, e no princípio do contraditório segundo o qual o Tribunal não pode resolver o conflito de interesses, que a demanda pressupõe, sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja chamada para se opor.

III- Contudo é lícito ao tribunal, “através de uma requalificação ou reconfiguração normativa do pedido, atribuir ao A., por uma via jurídica não coincidente com a que estava subjacente à pretensão material deduzida, o bem jurídico que ele pretendia obter”.

IV- A desistência da empreitada pelo dono da obra, prevista no artigo 1229º do Código Civil, é uma faculdade discricionária que não carece de fundamento e nem de qualquer pré-aviso, apresenta-se como insuscetível de apreciação judicial e tem eficácia ex nunc.

V- Em caso de desistência do dono da obra, assiste ao empreiteiro não só o direito a ser indemnizado dos seus gastos e trabalho mas também do proveito que poderia tirar da obra, pretendendo-se permitir que o dono da obra possa obstar à realização da mesma, mas fazendo-o sem prejuízo do empreiteiro.

VI- Destinando-se a cláusula penal a fixar a indemnização pela mora no pagamento (cláusula penal moratória) não pode cumular-se com os juros de mora.

VII- Contudo, uma vez comprovada a validade e exigibilidade da prestação pecuniária em que se consubstancia a cláusula penal, do seu incumprimento (mora) emerge um dano autónomo, não consumido por ela, e, por isso, ressarcível através dos juros de mora.

VIII- O pagamento de juros de mora sobre o montante da cláusula penal não deve ser entendido como “dano excedente” para efeitos do disposto no artigo 811º do Código Civil, devendo a mora no pagamento da cláusula penal conferir ao credor o direito aos juros moratórios.

IX- Contudo, não tendo a Autora formulado na petição inicial pedido de juros de mora sobre a quantia devida a título de cláusula penal mas apenas sobre o capital, não pode o tribunal condenar os Réus no seu pagamento.

2. No relatório e fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"3.2. Da nulidade da sentença

"O Réu e a Autora vêm arguir a nulidade da sentença recorrida com fundamento, respectivamente, nas alíneas d) e e) e nas alíneas c), d) e e) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil; por uma questão de coerência e economia processual iremos tratar desta questão conjuntamente.

O artigo 615º do Código de Processo Civil prevê de forma taxativa as causas de nulidade da sentença.

Assim, dispõe o n.º 1 deste preceito que:

“1- É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”.

Começamos por precisar que as decisões judiciais podem encontrar-se viciadas por causas distintas, sendo a respectiva consequência também diversa: se existe erro no julgamento dos factos e do direito, a respectiva consequência é a revogação, se foram violadas regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou que respeitam ao conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretadas, são nulas nos termos do referido artigo 615º.

As causas de nulidade taxativamente enumeradas no artigo 615º não visam o chamado erro de julgamento e nem a injustiça da decisão, ou tão pouco a não conformidade dela com o direito aplicável, sendo coisas distintas, mas muitas vezes confundidas pelas partes, a nulidade da sentença e o erro de julgamento, traduzindo-se este numa apreciação da questão em desconformidade com a lei.

Não deve por isso confundir-se o erro de julgamento e muito menos o inconformismo quanto ao teor da decisão com os vícios que determinam as nulidades em causa.

Segundo o invocado pelos Recorrentes estão em causa as nulidades previstas nas alíneas c), d) e e) do referido preceito.

Vejamos então se lhes assiste razão analisando a decisão recorrida e a argumentação dos Recorrentes.

Começando por apreciar a nulidade prevista na alínea c) cumpre referir que a mesma pressupõe que os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Esta nulidade está também relacionada com a obrigação imposta pelos artigos 154º e 607º, n.ºs 3 e 4, ambos do Código de Processo Civil, do juiz fundamentar as suas decisões e com o facto de se exigir que a decisão judicial constitua um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão final seja a consequência ou conclusão lógica da aplicação da norma legal aos factos.

Por outras palavras, “os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, funcionam na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a sentença, como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário”. Logo, “constituirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença que os fundamentos da mesma conduzam logicamente a conclusão diferente da que na mesma resulta enunciada” (Acórdão da Relação de Guimarães, de 14/05/2015, Processo nº 414/13.6TBVVD.G, disponível em www.dgsi.pt).

Como se escreve no sumário do Acórdão da Relação de Évora de 03/11/2016 (Relator Desembargador Tomé Ramião, também disponível em www.dgsi.pt) “(…) 2. A nulidade da sentença a que se refere a 1.ª parte da alínea c), do n.º1, do art.º 615.º do C. P. Civil, remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos. 3. A ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, e a obscuridade traduz os casos de ininteligibilidade. A estes vícios se refere a 2.ª parte do n.º1, do art.º 615.º do C. P. Civil”.

A Autora entende verificar-se tal nulidade por existir contradição entre o ponto N) dos factos provados e o ponto 1) dos factos não provados, sustentando ainda que este deve ser alterado e merecer resposta positiva nos termos do artigo 662º n.ºs 1 e 2 alínea c) do Código de Processo Civil.

É pois patente a confusão da Recorrente entre a nulidade da sentença e o erro de julgamento da matéria de facto; este deverá ser apreciado em sede de reapreciação da matéria de facto em conformidade com o disposto no artigo 662º do Código de Processo Civil, tal como também reconhece a própria Recorrente, mas nada tem a ver com a nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615º.

E, analisada a decisão recorrida não vemos que a mesma padeça de ambiguidade ou obscuridade, que a torne ininteligível, e nem que os fundamentos estejam em oposição com a decisão.

No que se refere à alínea d), prende-se a nulidade aí prevista com a omissão de pronúncia (quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar) ou com o excesso de pronúncia (quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento).

A nulidade da sentença (por omissão ou excesso de pronuncia) há-de assim resultar da violação do dever prescrito no n.º 2 do referido artigo 608º do Código de Processo Civil do qual resulta que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Mas, a resolução das questões suscitadas pelas partes não pode confundir-se com os factos alegados, os argumentos suscitados ou as considerações tecidas, e nem tão pouco com meios de prova, não se confundindo, mais uma vez, com o designado erro de julgamento.

Quanto à nulidade prevista na alínea e), isto é, quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, relaciona-se com o previsto no artigo 609º n.º 1 do Código de Processo Civil onde se estabelece que: “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”.

O tribunal, por regra, não só não pode conhecer senão das questões que lhe tenham sido colocadas pelas partes, como também não pode decidir ultrapassando os limites do pedido que foi formulado, sob pena da decisão ficar afectada de nulidade.

A nulidade da decisão quando o Tribunal condene em objecto diverso do pedido colhe o seu fundamento no princípio do dispositivo, que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual, e no princípio do contraditório segundo o qual o Tribunal não pode resolver o conflito de interesses, que a demanda pressupõe, sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja chamada para se opor (v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/03/2019, Relator Conselheiro Oliveira Abreu, também disponível em www.dgsi.pt).

Como sustenta Teixeira de Sousa (Estudos sobre o Novo Processo Civil, página 362, apud o citado Acórdão de 21/03/2019) “um limite máximo ao conhecimento do tribunal é estabelecido pela proibição de apreciação de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se forem de conhecimento oficioso (art. 660°, n° 2, 2.ª parte), e pela impossibilidade de condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (art. 661°, n.° 1). A violação deste limite determina a nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art. 668°, n° 1, al. d) 2.ª parte) ou por conhecimento de um pedido diferente do formulado [art. 668°, n° 1, al. e)]”.

É incontornável que de acordo com o previsto no artigo 609º n.º 1 do Código de Processo Civil a sentença deve inserir-se no âmbito do pedido (e da causa de pedir) não podendo o juiz condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir (v. António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, Código se Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, página 728).

A decisão que ultrapassar o pedido formulado, passando a abranger matéria distinta, está ferida da nulidade prevista na referida alínea e).

Com efeito, o pedido dos autores, conformando o objecto do processo, irá condicionar a decisão de mérito: o juiz não pode, na sentença, extravasar os pedidos formulados pelas partes, encontrando-se limitado por eles; a sentença terá de manter-se dentro dos limites definidos pela pretensão do autor ou da reconvenção, se deduzida pelo réu, não podendo o juiz transpor os limites do pedido, quer no que respeita à quantidade, quer quanto ao seu próprio objecto.

Ou seja, através do pedido (cfr. artigo 3.º n.º 1 do Código de Processo Civil) as partes “circunscrevem o thema decidendum, isto é, indicam a providência requerida, não tendo o juiz que cuidar de saber se perante a real situação conviria, ou não, providência diversa. Trata-se de uma esfera em que domina o princípio do dispositivo, o qual, em termos paralelos, também vigora em sede da sustentação fáctica da pretensão. Em ambos os casos prevalece a estratégia assumida pelo autor, sem que nela se deva imiscuir o juiz. Consequentemente, a sentença deve inserir-se no âmbito do pedido (e da causa de pedir), não podendo o juiz condenar (ou fazer a apreciação que corresponder ao tipo de ação em causa) em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir” (v. Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Filipe Pires de Sousa, ob. cit., página 728).

Contudo, como salientam estes Autores (ob. cit. páginas 728 a 730), a prática judiciária revelou situações cuja resolução implicou alguma atenuação da rigidez desta regra tendo-se admitido, designadamente, a reconfiguração jurídica do específico efeito peticionado pelo autor considerando-se ser lícito ao tribunal atribuir ao autor, por uma via jurídica não coincidente com a que estava subjacente à pretensão material deduzida, o bem jurídico que ele pretendia obter, tendo-se em atenção que essa será por vezes, a única forma de resolver o litígio de forma definitiva.

Conforme se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/04/2016 (Proc. n.º 842/10.9TBPNF.P2.S1, Relator Conselheiro Lopes do Rego, disponível em www.dgsi.pt): “1. O que identifica a pretensão material do autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da acção, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exacta caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, sendo lícito ao tribunal, alterando ou corrigindo tal coloração jurídica, convolar para o decretamento do efeito jurídico adequado à situação litigiosa, sem que tal represente o julgamento de objecto diverso do peticionado. 2. Assim, é lícito ao tribunal, através de uma requalificação ou reconfiguração normativa do pedido, atribuir ao A., por uma via jurídica não coincidente com a que estava subjacente à pretensão material deduzida, o bem jurídico que ele pretendia obter; mas já não será processualmente admissível atribuir-lhe, sob a capa de tal reconfiguração da materialidade do pedido, bens ou direitos substancialmente diversos do que o A. procurava obter através da pretensão que efectivamente, na sua estratégia processual, curou de formular”.

Tem vindo ainda a ser entendido que a interpretação do pedido não deve cingir-se aos estritos dizeres da formulação do petitório, devendo antes ser conjugada com o sentido e alcance resultantes dos fundamentos da pretensão.

De facto, vem sendo defendida a necessidade de interpretar o princípio do dispositivo em moldes mais flexíveis que, sem violação dos limites expressos no artigo 609º, permita de forma definitiva solucionar o litígio entre as partes, quando o decidido se contenha ainda assim no âmbito da pretensão formulada.

Como se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/02/2015 (Proc. n.º 607/06.2TBCNT.C1.S1 Relator Conselheiro Abrantes Geraldes disponível em www.dgsi.pt“(…) também o art. 609º, nº 1, carece de um esforço interpretativo, contando, além do mais, com os contributos de diversos Assentos e Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência do STJ.

Entre tais arestos, destaca-se o Assento nº 4/95, in D.R. de 17-5, ao admitir que numa acção em que seja deduzida uma pretensão fundada num contrato cuja nulidade seja oficiosamente decretada o réu seja condenado a restituir o que tenha recebido no âmbito desse contrato, por aplicação do art. 289º do CC, desde que do processo constem os factos suficientes.

A conjugação entre o princípio do dispositivo e os limites do pedido encontra também largo desenvolvimento na fundamentação do ACUJ nº 13/96, in D.R., I Série, de 26-11, ainda que no caso se tenha vedado ao tribunal a actualização oficiosa da quantia peticionada.

Outro importante elemento auxiliar da interpretação emerge do ACUJ nº 3/01, in D.R., I Série-A, de 9-2, que firmou a jurisprudência segundo a qual numa acção de impugnação pauliana em que tenha sido erradamente formulado o pedido de declaração de nulidade ou de anulação do acto jurídico impugnado o juiz deve corrigir oficiosamente esse erro e declarar a ineficácia que emerge do direito substantivo. (…)

Na integração do caso não podem ainda descurar-se os objectivos apontados pelas sucessivas reformas processuais, designadamente quando delas emerge a sobreposição de aspectos de ordem material a outros de ordem formal, ou a necessidade de atribuir ao processo a necessária eficácia que permita alcançar uma efectiva e célere resolução de litígios.

Importa ponderar também o que emana da doutrina que, fazendo coro com os referidos objectivos, aponta para a flexibilização do princípio do pedido, como é defendido por Miguel Mesquita, em anotação a um aresto sobre direitos reais, na RLJ, ano 143º, págs. 134 e segs. intitulada precisamente “A flexibilização do princípio do pedido à luz do moderno CPC”.

Assim, se é verdade que a sentença deve inserir-se no âmbito do pedido, não podendo o juiz condenar (rectius apreciar) nem em quantidade superior, nem em objecto diverso do que se pedir, tal não dispensa um esforço suplementar que permita apreender realmente o âmbito objectivo do pedido que foi formulado na presente acção (…) Tomando de empréstimo as palavras de Miguel Mesquita na mencionada anotação em torno da necessidade de compreender o princípio do dispositivo de um modo mais flexível, ajustado à realidade social e aos avanços que se têm sentido também no processo civil, se acaso a Relação tivesse adoptado a mesma “postura rígida e inflexível relativamente ao pedido, bem ao estilo oitocentista”, acabaria por absolver os RR. do pedido, “decisão que seria, sem dúvida alguma, do imediato agrado dos RR., mas que redundaria numa vitória de Pirro” (pág. 147).

Ora, como refere o mesmo autor, “o interesse público da boa administração da justiça nem sempre coincide com os interesses egoístas das partes, fazendo, pois, todo o sentido, num processo moderno, a intervenção do juiz destinada a alcançar a efectividade das sentenças” (pág. 150). Desiderato que, com muita razoabilidade e bom senso, foi conseguido pela Relação quando, reconhecendo para o muro uma situação de compropriedade, concluiu que se deveria pôr um esclarecedor ponto final no conflito”.

No caso dos autos, a Autora veio pedir, a título principal, que seja judicialmente qualificado o comportamento do Réu marido como de desistência da empreitada e sejam os Réus solidariamente condenados a pagar à Autora a quantia relativa à sua execução no cômputo global de €9.052,94 (nove mil cinquenta e dois euros e noventa e quatro cêntimos); e a título subsidiário que seja judicialmente qualificado o comportamento do Ré marido como mora do credor, seja declarado que assiste justa causa à Autora para a resolução contratual, e sejam os Réus solidariamente condenados a pagar à Autora a referida quantia a título de restituição, ex vi do disposto nos artigos 433º e 289º n.º 1, ambos do Código Civil, por ser impossível a restituição em espécie no caso sub judice.

Peticiona ainda que à quantia que se fixe sejam acrescidos juros de mora vincendos, à taxa legal fixada para as operações de natureza comercial, sobre a quantia de €6.648,15 até à data do efetivo e integral pagamento.

O tribunal a quo veio a julgar a ação parcialmente procedente e condenou os Réus a pagar à Autora a quantia €7.844,82, correspondente à quantia devida pela execução dos trabalhos no montante de €6.648,15 (valor da fatura 2018/94 de 22/10/2018 que a Autora emitiu) acrescida da cláusula penal no montante de €1.196,67, considerando que a Autora cumpriu a sua obrigação e que os Réus, não tendo procedido ao pagamento do preço devido, incorreram em mora.

O Réu sustenta que o pedido de reconhecimento da desistência da empreitada ou, subsidiariamente, que seja judicialmente qualificado o comportamento do Réu marido como mora do credor e que seja declarado que assiste justa causa à Autora para a resolução contratual, definem o objecto da acção e este encerra os limites da sentença, pelo que ao tribunal a quo se impunha apenas conhecer da desistência da empreitada e, sendo tal pedido improcedente, aferir do pedido subsidiário, isto é se existia ou não fundamento para a resolução do contrato.

Entende, por isso, que a sentença recorrida, ao condenar parcialmente na quantia peticionada, não com fundamento na desistência ou na mora do credor, mas no incumprimento do contrato por falta de pagamento do preço, o que não foi pedido pela Autora, conheceu de questão não colocada pela Autora e decidiu em objecto diverso, o que fere a mesma de nulidade.

In casu, o tribunal a quo entendeu que inexistia desistência do Réu e que tendo a Autora cumprido a sua obrigação, realizando a obra a que se propôs, se gerou para os Réus a obrigação de pagamento do preço devido pela execução dos trabalhos, bem como da quantia devida a título de cláusula penal.

Afirma o tribunal a quo que a matéria de facto que apurou é a alegada pelas partes, tendo qualificado juridicamente de forma distinta os factos, condenando os Réus no que havia sido pedido pela Autora: o pagamento da fatura pelo trabalho feito no valor de capital de €6.648,15 e o montante devido a título de cláusula penal.

De facto, a Autora peticionou, seja a título principal, seja subsidiariamente, a condenação dos Réus solidariamente a pagar à Autora a quantia relativa aos trabalhos que efectuou, à sanção pecuniária e ao prejuízo por si invocado; na sequência, aliás, do por si alegado: “Em face da posição assumida pelo R., a A. emitiu e remeteu-lhe a Fatura FA 2018/94, datada de 22/10/2018, vencida na mesma data, na quantia global de 6.648,15 €, correspondente aos trabalhos e bens prestados, e enviou-a para a morada do R., solicitando o respectivo pagamento” (cfr. artigo 30º da petição inicial).

Conforme já referimos importa interpretar o princípio do dispositivo em moldes flexíveis para que, sem violação dos limites expressos no artigo 609º, permita de forma definitiva solucionar o litígio entre as partes, quando o decidido se contenha ainda assim no âmbito da pretensão formulada.

E o que caracteriza a pretensão do autor, enquanto elemento individualizador da acção, não é a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico (veja-se que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – cfr. artigo 5º n.º 3 do Código de Processo Civil), mas o efeito prático-jurídico por ele pretendido.

Entendemos, por isso, ser lícito ao tribunal, partindo dos factos alegados pelas partes e julgados provados, alterar a qualificação jurídica, e convolar para o decretamento do efeito jurídico adequado e, procedendo a “uma requalificação ou reconfiguração normativa do pedido” atribuir ao autor o bem jurídico que ele pretendia obter, ainda que por uma via jurídica distinta da que foi invocada como fundamento da pretensão deduzida, sem que tal constitua o julgamento de objecto diverso do peticionado."

[MTS]