Providência cautelar;
requerente; responsabilidade civil
I. Para que o requerente de providência cautelar injustificada seja constituído em responsabilidade é preciso que tenha agido culposamente ou sem a prudência normal (cfr. artigo 374.º, n.º 1, do CPC).
II. Tendo os requerentes alegado factos que sabiam não ser verdadeiros, considera-se verificado o requisito da culpa exigido para estes efeitos.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"No presente recurso está em causa o pedido de condenação dos autores AA e Grupopie na obrigação de indemnização à ré Sage, que o Tribunal recorrido decidiu julgar procedente com base no seguinte raciocínio:
“Por sua vez, a ré/apelante Sage Portugal Software, S.A., pretende ser indemnizada pelos danos que alegou ter sofrido, em consequência da providência cautelar que a impediu de comercializar o programa informático Sage Restauração, por si desenvolvido a partir do programa Joint Action que, para o efeito tinha adquirido.Resulta da matéria de facto provada que a ré Sage Portugal Software, S.A., sofreu danos, em virtude da providência cautelar que lhe apreendeu o programa Sage Restauração, pois, impedindo-a de o comercializar, com desperdício de parte do investimento já efetuado, privou-a dos resultados correspondentes a tal comercialização.Não se determinou que o programa Joint Action/First POS/SIR ou o Sage Restauração fosse uma cópia do PC-POS II.Estabelece o artigo 209º do Código de Direitos de Autor que, sem prejuízo das providências cautelares previstas na lei de processo, pode o autor requerer das autoridades policiais e administrativas do lugar onde se verifique a violação do seu direito a imediata suspensão de representação, recitação, execução ou qualquer outra forma de exibição de obra protegida que se estejam realizando sem a devida autorização, e cumulativamente requerer a apreensão da totalidade das receitas.Ou seja, a lei processual civil e o Código de Direitos de Autor permitem a instauração de providências cautelares para as pessoas singulares ou coletivas reagirem ao fundado receio de ameaça grave e de difícil reparação dos seus direitos.Nos termos do artigo 374º, nº 1, do C.P.C., se a providência for considerada injustificada ou vier a caducar por facto imputável ao requerente, responde este pelos danos culposamente causados ao requerido, quando não tenha agido com a prudência normal.No caso concreto, a responsabilidade civil dos autores não se enquadra no citado normativo, mas é apreciada nos termos gerais dos artigos 483º e seguintes do C.CComo já se disse, a ré Sage Portugal Software, S.A., sofreu danos e há culpa dos autores pelo que alegaram na petição inicial, evidenciando-se, face ao que resultou provado, a sua falsidade.Nesse sentido, deve ser julgada procedente a reconvenção deduzida pela ré Sage, condenando-se os autores no pagamento de indemnização a título de danos emergentes e por afetação da imagem da mesma ré, na medida em que a ação daqueles não é de todo indiferente para as notícias que vieram a ser publicadas. Se os autores não tivessem alegado factos falsos na providência, a mesma não teria sido decretada e, dada a sua amplitude, era previsível que a mesma viesse a ser do conhecimento público e até noticiada.Sucede, porém, que esta Relação não dispõe de elementos para concretamente fixar a indemnização devida à ré Sage Portugal Software, S.A., e, por conseguinte, deverá proceder-se ao cumprimento do disposto no artigo 609º, nº 2, do C.P.C: «Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.Deste modo, (…) procede o da ré Sage Portugal Software, S.A., nos termos referidos”.
Contrapõem os autores / recorrentes AA e Grupopie, no essencial, que para alguém ser constituído responsabilidade civil é preciso que se demonstrem os respectivos pressupostos, entre os quais avulta a ilicitude e a culpa – o que implicaria, in casu, que se tivesse demonstrado que eles sabiam que os factos que alegaram não eram verdadeiros, o que não aconteceu (cfr. conclusões A, B, C, D e E).
Sublinham ainda os autores / recorrentes que a prova de que não se estabeleceu a ilicitude é que eles não foram condenados como litigantes de má-fé (cfr. conclusões C e F).
Aprecie-se.
Estando em causa a eventual responsabilidade civil dos autores / recorrentes por danos relacionados com o requerimento e a decretação de certa providência cautelar (cfr. os factos provados 40 a 48 e 68), deve equacionar-se a aplicação do artigo 374.º, n.º 1, do CPC. Veja-se se se confirma a sua aplicabilidade.
Dispõe-se no artigo 374.º, n.º 1, do CPC o seguinte:
“Se a providência for considerada injustificada ou vier a caducar por facto imputável ao requerente, responde este pelos danos culposamente causados ao requerido, quando não tenha agido com a prudência normal”.
Comentando o preceito, dizem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa que “se exige a conjugação de uma série de pressupostos: o evento, o dolo ou a culpa, a ilicitude, o dano e o nexo de causalidade”[Cfr. Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 441].
Ora, verifica-se que estão presentes, in casu, todos os pressupostos de aplicabilidade da norma. Se não veja-se.
Regula a norma, em rigor, duas situações: a situação em que a providência é considerada injustificada e a situação em que a providência caduca por facto imputável ao requerente. [...]
Entendimento semelhante apresenta Marco Carvalho Gonçalves [Cfr. Marco Carvalho Gonçalves, Providências cautelares injustificadas e responsabilidade do requerente, Braga, Universidade do Minho, 2013, p. 432]. Criticando a tese de Calamandrei, defende o autor que “se a providência cautelar for decretada sem a audiência prévia da parte contrária, nada impede que o requerido demonstre a injustificabilidade da providência em sede de oposição, desde logo pela eventual inexistência do direito que o requerente visava acautelar. Mas tal não obsta a que o requerido comprove igualmente na própria acção principal, após uma prova mais exaustiva e rigorosa da relação material controvertida, a inexistência do direito que serviu de fundamento à providência cautelar (por exemplo, inexistência do direito do embargante de uma obra). De resto, se assim não se entendesse, estar-se-ia a permitir a legitimação de uma providência cautelar injustificada por mero efeito do seu acolhimento provisório, quando é certo que o julgador, por força da apreciação sumária inerente ao decretamento dessa medida, depara-se frequentemente com diversas dificuldades no que concerne ao apuramento da realidade dos factos”.
No tocante aos outros pressupostos de aplicabilidade da norma, ou seja, os pressupostos da responsabilidade civil, os dados disponíveis indicam que eles também podem dar-se por verificados, designadamente a ilicitude e a culpa. [...]
No que toca à culpa, em particular, esclareça-se, desde já, contra a convicção dos recorrentes, que não se exige que ela revista a modalidade de dolo, sendo suficiente a mera negligência. Em confirmação, veja-se o que dizem dois dos autores que mais desenvolvidamente estudaram a matéria da responsabilidade do requerente de providência cautelar.
Começando por Marco Carvalho Gonçalves, a sua tese de doutoramento incide sobre a responsabilidade do requerente de providência cautelar injustificada, abordando o autor, a certa altura, a questão dos pressupostos da responsabilidade, ou seja, a questão de saber se se trata de uma responsabilidade objectiva ou de una responsabilidade subjectiva [Cfr. Marco Carvalho Gonçalves, Providências cautelares injustificadas e responsabilidade do requerente, cit., pp. 444 e s.]. Fazendo uma análise de Direito comparado, o autor acaba por situar o Direito português no grupo (minoritário) dos que acolhem o regime da responsabilidade subjectiva. Tendo em conta que a culpa do lesante é um elemento constitutivo do direito à indemnização, o autor refere ainda que o ónus da prova da culpa pertence ao requerido. Ainda assim, deixa claro que, havendo culpa, sob a forma de dolo ou de negligência, há lugar à responsabilidade do requerente.
Rita Lynce de Faria vai mais longe e, na sua tese de doutoramento [Cfr. Rita Lynce de Faria, A tutela cautelar antecipatória no processo civil português. Um difícil equilíbrio entre a urgência e a irreversibilidade, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2016, pp. 367-403], equaciona a hipótese de existir uma presunção de culpa favorável ao requerido. Reproduzam-se algumas das conclusões atingidas na sua tese de doutoramento e bem sintetizadas em artigo publicado posteriormente [Cfr. Rita Lynce de Faria, “A tutela cautelar antecipatória no processo civil português. Um difícil equilíbrio entre a urgência e a irreversibilidade - síntese”, in: Revista do CEJ, 2018, n.º 1, pp. 38-63 (pp. 58-61)]:
“A questão que nos ocupa de procurar as vias para atenuar a eventual irreversibilidade de uma providência cautelar antecipatória encontra resposta por excelência no regime da responsabilidade civil do requerente prevista no art. 374.°, n.° l19. Se a providência cautelar caducar, o requerente, verificados certos requisitos, responde pelos danos causados ao requerido.O exercício do direito de ação não dispensa as partes da obediência a deveres de conduta a cuja violação o sistema de responsabilidade reage. Nestes termos, a responsabilidade do requerente cautelar enquadra-se no género mais abrangente da responsabilidade civil e, em especial, na responsabilidade processual, de que constitui figura central a litigância de má fé. Neste enquadramento na responsabilidade civil geral e nos seus diversos tipos, dir-se-ia que, à partida, se trataria de uma responsabilidade delitual ou aquiliana, não assente em qualquer relação obrigacional prévia. Para além disso, seria uma responsabilidade por factos ilícitos, assente na ilicitude e na culpa lato sensu.Antes de qualquer conclusão, todavia, importa aprofundar o regime do art. 374.°, n.° 1, à luz de alguns pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente, o tipo objetivo e subjetivo da norma.A responsabilidade civil pressupõe, em primeiro lugar, um facto ilícito. Neste caso, o facto ilícito do requerente. Há que identificar o facto voluntário praticado pelo requerente, bem como a sua censurabilidade, para que este possa ser responsabilizado. Está em causa um facto ilícito ao qual se possa imputar objetivamente a caducidade da providência cautelar.Ora, pode sempre vislumbrar-se uma atuação do requerente como interveniente num facto complexo de produção sucessiva que acaba por gerar a caducidade da providência cautelar, seja a mera propositura da ação principal que acabou por ser julgada improcedente, seja a respetiva omissão na instauração daquela ação.Já no que se refere à ilicitude dessa conduta, suscitam-se maiores dúvidas uma vez que o requerente se limitou a atuar no âmbito das possibilidades que lhe são legalmente conferidas. O direito de ação é de exercício livre e a propositura da ação principal não constitui um dever e sim um mero ónus. Terá de concluir-se, por isso, que esta censura do comportamento do requerente decorre necessariamente da identificação de uma sua atuação imprudente no exercício do direito de ação ou na omissão da propositura da ação, acabando por confundir-se, por isso, com o pressuposto da culpa. Só assim se explica a referência tautológica feita no art. 374.° ao facto de que o requerente "não tenha agido com a prudência normal", acrescido ao requisito da atuação culposa. Note-se que, em sede cautelar, o requerente estará adstrito a um dever de prudência ainda mais exigente, precisamente devido à provisoriedade da providência cautelar e à possível maior gravidade dos efeitos produzidos na esfera jurídica do requerido.Por seu turno, do tipo subjetivo da norma resulta a possível responsabilização do requerente, quer tenha atuado com dolo, quer tenha agido de forma negligente. Como se referiu, a especial gravidade da tutela cautelar implica uma maior exigência de conduta do requerente, viabilizando a sua responsabilização em todos os graus de culpa, ao contrário do que sucede no regime da litigância de má fé, que exclui a culpa leve.Ainda que, em termos comparativos, o regime de responsabilidade civil do requerente favoreça a respetiva responsabilização, cremos ser de questionar sobre a bondade de uma solução que, ainda assim, pode deixar o requerido extremamente desprotegido uma vez que, na maioria dos casos de danos irreversíveis causados por providência cautelar que caducou, não se pode vislumbrar qualquer atuação culposa da parte do requerente. O requerido acaba assim, em grande número de situações, por suportar os benefícios do sistema de tutela cautelar a favor do requerente, ao arrepio do princípio ubi commoda, ibi incommoda.Apenas um sistema de responsabilidade objetiva do requerente cautelar que, de resto, não é estranho ao direito comparado e mesmo ao nosso sistema jurídico em épocas anteriores, permitiria salvaguardar, na íntegra, o interesse do requerente. Esta conclusão, todavia, não pode ser considerada sem se atentar no contrapeso de outros valores também prosseguidos pelo nosso sistema jurídico, nomeadamente, o carácter fundamental da garantia de uma tutela judicial efetiva, podendo a responsabilidade objetiva do requerente acabar por restringir em demasia o exercício do direito de ação cautelar.Sendo aquele argumento suficiente para se concluir pela não justificação de uma responsabilidade não fundada na culpa do requerente, acabámos por defender, no entanto, a existência de uma presunção ilidível de culpa do requerente, equiparável à presunção consagrada no art. 799.° do Código Civil. Explicamos em seguida o porquê desta conclusão.Muito embora não faça sentido qualificar a responsabilidade civil do requerente da providência cautelar que venha a caducar como sendo uma responsabilidade de natureza contratual, também não será rigoroso qualificá-la simplesmente como uma forma de responsabilidade aquiliana. Na verdade, podemos vislumbrar na pendência processual a existência de uma espécie de relação triangular entre as partes e o juiz. Ainda que dela não decorram obrigações em sentido técnico, não pode negar-se que esta relação processual implica um plus relativamente ao mero dever de respeito da responsabilidade meramente delitual. Estão em causa deveres laterais que radicam, em última análise, no princípio da boa fé.Pelo descrito, entendemos dever integrar a responsabilidade processual numa espécie de zona cinzenta, equiparável ao que a doutrina civilista chama de terceira via da responsabilidade civil, que pressupõe um regime particular apurado em relação a diversos pontos em concreto, que exigirão uma integração específica de lacunas. Em particular no que concerne a responsabilidade civil do requerente cautelar, coube perguntar se não se justificaria aplicar o regime da presunção de culpa, próprio da responsabilidade contratual, a esta relação jurídica de cariz particular.Depois de aprofundarmos as razões justificativas da inversão do ónus da prova do art. 799.° do Código Civil, concluímos que as mesmas razões estariam presentes no regime da responsabilidade civil do requerente cautelar, razão pela qual se justificaria aí identificar a existência de uma presunção de culpa no âmbito da construção de um regime próprio de uma terceira via de responsabilidade”.
Significa isto, em síntese, que o regime de responsabilidade do requerente de providência cautelar se qualifica como um regime de responsabilidade subjectiva e que basta a mera culpa ou negligência para existir responsabilidade.
Assim, independentemente da existência de uma presunção de culpa e sem necessidade de tomar posição quanto a esse ponto, haveria responsabilidade dos requerentes se o seu comportamento tivesse sido meramente negligente.
Acontece, porém, que os dados apontam para que é outra a modalidade de culpa dos autores / recorrentes.
Com efeito, os factos que os autores / recorrentes alegaram no requerimento da providência cautelar e que fundamentaram o decretamento desta vieram a ser contraditados pela factualidade posteriormente julgada provada na acção.
Trata-se, em especial, dos factos constantes dos artigos 36 e 37 do requerimento da providência cautelar:
36. Na sequência da referida apresentação pública [organizada pela Sage, realizada em Lisboa, no dia 3 de Novembro de 2009], os Requerente lograram apurar, por exame, que o programa registado na ASSOFT, em nome da Joint Action, c denominado como SIR ou como First POS, é precisamente o programa PC-POSII, integrando este SIR precisamente as linhas de código, a estrutura de ficheiros e as apresentações gráficas que foram desenvolvidas e criadas em 1993, pelo Requerente AA,37. Sendo as linhas de código fonte, as funcionalidades e soluções base do programa aquelas que foram desenvolvidas pelo requerente AA, mas onde se operou o registo em 2008 como se fosse criação e produto desenvolvido pela referida Joint Action
factos estes que foram acolhidos e serviram de fundamentação (de facto) para a decisão de decretação da providência cautelar:
31. Na sequência da referida apresentação pública, os requerentes lograram apurar, por exame, que o programa registado na ASSOFT, em nome da Joint Action, denominado como SIR ou como First POS, é o programa PC-POS II, integrando este SIR as linhas de código, a estrutura de ficheiros e as apresentações gráficas que foram desenvolvidas e criadas em 1993, pelo requerente AA, sendo as linhas de código fonte, as funcionalidades e soluções base do programa aquelas que foram desenvolvidas pelo requerente AA, mas onde se operou o registo em 2008, como se fosse criação e produto desenvolvido pela referida Joint Action.
A verdade é que, na acção principal, uma vez desenvolvida a peritagem devida, não se demonstrou de todo que o programa da Joint Action, primeiro, ou o programa Sage Restauração, depois, fosse uma cópia do programa PC POS II [...].
Demonstrou-se, justamente, o contrário [...].
Assim sendo, o facto alegado pelos requerentes não podia ter ocorrido, isto é, os requerentes não podiam ter comprovado, por exame, o contrário, ou seja, que o programa era uma cópia do outro.
E todavia, afirmaram-no.
Quer isto dizer, enfim, que, com o fito de ver realizada a sua pretensão, os autores / recorrentes alegaram, no âmbito do requerimento da providência cautelar, factos que não eram verdadeiros, apesar de saberem que não eram verdadeiros.
Mas, além destes, há outros factos que foram alegados no requerimento da providência cautelar e constituíram fundamento para o decretamento desta que vieram a ser desmentidos pela factualidade posteriormente julgada provada na acção.
Trata-se dos factos constantes dos artigos 14 e 60 do requerimento da providência cautelar:
14. Entre o Requerente, CC e BB, não foi constituída qualquer sociedade comercial, nem foi estabelecido qualquer outro contrato que não fosse resultante da divisão, entre estes, do produto da venda das licenças do programa PC POS, e PC POS II.60. Sendo do conhecimento da Requerente que, com base no «programa PC POS II, criado pelo Requerente AA e de sua propriedade, agora apelidado de SIR, os Requeridos se encontram a negociar com um outro operador de telecomunicações a colocação no mercado de uma solução similar, duplicando o modelo de negócio com outro operador,
factos estes que foram acolhidos e foram decisivos para a decisão de decretação da providência cautelar:
14. Entre o requerente, CC e BB, não foi constituída qualquer sociedade comercial, nem foi estabelecido qualquer outro contrato que não fosse o resultante da divisão, entre estes, do produto da venda das licenças do programa PC POS, e PC POS II;41. Sendo do conhecimento da requerente que, com base no programa PC-POS II, criado pelo Requerente AA e de sua propriedade, e agora apelidado de SIR, os requeridos encontram a negociar com um outro operador de telecomunicações a colocação no mercado de uma solução similar, duplicando o modelo de negócio com outro operador;
mas que também são desmentidos pela factualidade provada na ação principal. Se não, veja-se o que resulta do facto provado 54:
54. Após, procederam à elaboração de contas e de divisão de ativos entre os três, ficando acordado que o projeto do programa PCPOS II continuaria a ser desenvolvido pelo réu BB e por CC que para o efeito, com a concordância do autor AA, dispunham do código-fonte.
A inverdade de todos aqueles factos – insiste-se – era do conhecimento dos autores / recorrentes. Os factos do primeiro grupo respeitam a matérias de que os autores detêm profundo domínio; quanto à existência do acordo de desenvolvimento do programa, trata-se de um facto de natureza pessoal, pelo que é logicamente impossível os autores / recorrentes desconhecerem-no.
Considerando tudo o que fica descrito, não resta senão concluir autores / recorrentes agiram, assim, com dolo ou, no mínimo, com uma gravíssima imprudência, nem sequer ponderando e se demovendo pela seriedade dos danos que aquela sua conduta seria susceptível de provocar à requerida.
Pode acrescentar-se ainda, que, mesmo que alguns dos danos apurados da ré extravasassem, no plano da causalidade, do âmbito da providência cautelar e fosse necessário enquadrá-los na disciplina dos artigos 483.º e s. do CC, a conclusão não se alteraria: verificando os respectivos pressupostos, os autores / recorrentes estariam do mesmo modo constituído em responsabilidade civil.
Por fim, a propósito de uma eventual relação necessária entre a responsabilidade do requerente de providência cautelar injustificada (cfr. artigo 347.º, n.º 1, do CPC) e a responsabilidade por litigância de má fé (cfr. artigo 542.º, n.º 1, do CPC) alegada pelos recorrentes (cfr. conclusões C e F) e rebatida pela recorrida (cfr. conclusões U, V, W e X), atente-se no que explicam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre: “o âmbito de previsão do n.º 1 não coincide, pois, com o do art. 542-1, que, além de excluir a culpa leve, é aplicável com outros fundamentos além dos admitidos para a responsabilização específica do requerente da providência cautelar e também nos casos em que a providência não é decretada ou em que se mantém, mas se reconhece na ação que não existia o direito nem era verosímil a sua existência” [Cfr. Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, Coimbra, Almedina, 2018, p. 76]. Conclui-se, então, que não existe relação entre os dois institutos, não tendo a verificação de um que coincidir com a verificação do outro.
Tudo visto, conclui-se que a decisão do Tribunal recorrido não merece censura e deve ser confirmada."
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