Facto complementar;
interpretação do pedido*
I. A insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspeto ou vertente dos factos essenciais em que o autor estriba a pretensão deduzida não gera o vício de ineptidão da petição inicial.
II. Relativamente ao autor, permite o artigo 588º, do Código de Processo Civil, que a alegação superveniente de factos constitutivos, se destine a completar a causa de pedir inicial, como implique uma efetiva alteração ou modificação da causa de pedir, sendo a superveniência critério bastante para afastar as restrições fixadas nos artigos 264º e 265º, do mesmo código.
III. Não tendo a autora alegado na petição inicial, como fundamento dos pedidos de indemnização das alegadas benfeitorias e de reconhecimento do direito de retenção sobre o imóvel em causa, formulados nos termos dos artigos 1129.º, 1138.º, nº 1 e 1273.º, 754 e 755º, nº 1, al. e), todos do Código Civil, factos evidenciadores da cessação da relação jurídica emergente do invocado contrato de comodato, impõe-se considerar suprida essa falta de alegação pela invocação de tais factos em sede de articulado superveniente, à luz do disposto nos artigos 5º, nº 2, b), 588º, nºs 1 a 3, e 611º, todos do Código de Processo Civil.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"3.2. Fundamentação de direito
3.2.1. Da ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir.
Em face da pretensão de indemnização por benfeitorias alegadamente realizadas pela autora no imóvel por ela habitado no âmbito de um pretenso contrato de comodato, considerou o Tribunal de 1ª Instância, em sede de despacho saneador, que não se encontravam alegados os factos essenciais "nucleares" ou "principais" estruturantes da causa de pedir no respeitante à cessação dessa relação jurídica e à caracterização das obras "elencadas" como benfeitorias necessárias ou úteis, pressupostos de facto tidos por indispensáveis à constituição do direito invocado nos termos dos artigos 216º, 1138º, nº. 1 e 1273º, do CC.
Mais sustentou que a alegação da vigência do contrato de comodato era incompatível com tal pedido, na medida em que este supunha precisamente a extinção, por algum modo, daquela relação jurídica, considerando irrelevante, para esse efeito, o invocado facto superveniente da penhora do imóvel em causa, no âmbito do processo executivo nº. 4674/17.....
Nesta base, ali se concluiu pela verificação da falta de causa de pedir e pela contradição/incompatibilidade entre o pedido e a própria alegação da vigência do contrato, vícios que seriam insupríveis por via de aperfeiçoamento, implicando, portanto, a ineptidão da petição inicial, determinativa da absolvição dos réus da instância, tal como se decidiu.
Por sua vez, o Tribunal da Relação, em linha convergente com o assim ajuizado, confirmou aquela decisão com a seguinte fundamentação, que se transcreve apenas quanto aos segmentos mais relevantes:
«(…) Ingressando agora no âmago do caso, verifica-se que a autora pede a condenação dos réus no pagamento da quantia de 102.706.626, acrescida de juros de mora bem como o reconhecimento de que beneficia, em garantia do pagamento de tal crédito, de direito de retenção sobre o imóvel que identifica.
Alega para o efeito, em síntese, que reside nesse imóvel, propriedade dos réus, que são seus pais, em virtude de um comodato sem prazo. Que, entre 2012 e 2015, face ao estado degradado do referido imóvel, procedeu à realização de várias obras de manutenção e conservação, autorizadas e solicitadas pelos réus junto do órgão licenciador. Que a dita quantia lhe é devida a título de benfeitorias. (…)
De acordo com o disposto no artigo 1138°, n.° 1, do C. Civil, o comodatário é equiparado, quanto a benfeitorias, ao possuidor de má-fé.
E estatui o artigo 1273° do C. Civil que: "1. Tanto o possuidor de boa-fé como o de má-fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela. 2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.'
Assim visto o enquadramento jurídico percebe-se que a pretensão da autora ao crédito por benfeitorias realizadas no imóvel tem um núcleo factual em torno da existência do contrato de comodato, da realização das benfeitorias, mas também da cessação do comodato, condição da indemnização pelas benfeitorias.
Ora, relativamente a esta base factual alusiva ao termo do contrato a petição é completamente omissa.
Com efeito, o direito a indemnização por benfeitorias não se confunde com o reembolso das respectivas despesas.
Como comentam Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, III, págs. 42 e 43: "nos termos do art. 479° (objecto da obrigação de restituir), a indemnização há-de corresponder ao valor daquilo que o titular tiver obtido à custa do empobrecido. A medida da restituição continua, pois, a estar sujeita àqueles dois limites - o do custo, que neste caso consistirá em regra no empobrecimento do possuidor, e o do enriquecimento do titular do direito (valor actual)."
Esta indemnização só tem sentido quando se verifica o desapossamento, ou seja, quando aquele que incorporou valor na coisa tiver de abrir mão dela.
Como se disse o comodato ou tem estipulado um prazo ou o comodatário só será obrigado a restituir a coisa quando tal lhe for exigido.
Não se mostra alegada a factualidade referente ao termo do comodado, factualidade esta essencial para configurar a pretensão formulada.
A exigência da restituição tem de ser reportada à parte da relação jurídica para qual vai ingressar o bem valorizado pois é em relação a esta que se dá o enriquecimento. A penhora do imóvel num processo executivo não consta da petição inicial e, além disso, é completamente estranha ao objecto do processo aí configurado, não tendo, patentemente, qualquer virtualidade de representar uma exigência de restituição no contrato de comodato.
Não estamos perante meras imprecisões ou lacunas de exposição dos factos, mas perante uma substanciação imperfeita, uma deficiência estrutural da causa de pedir. Vale, assim, dizer que existe omissão de um núcleo essencial da causa de pedir e que, por isso, a petição inicial é inepta, como se ajuizou no despacho recorrido.» [...]
São [...] três as questões suscitadas pela recorrente e que consistem em saber se:
i) ocorre o vício de ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir, como tal, insuprível e determinativa da absolvição dos réus da instância, ou se ocorre apenas um vício de petição meramente deficiente suscetível de aperfeiçoamento ou de sanação ulterior, à luz das disposições conjugadas dos artigos 5º, nºs 1 e 2, alínea b), 7º, nº 2, 186º, nºs 1, 2, alínea a), e 3, 552º, nº 1, alínea d), e 590º, nºs 1. 2, alínea b), e nº 4, do CPC; [...]
3.2.1.1. Vejamos, então, se deve subsistir a solução jurídica adotada para o litígio no acórdão recorrido, para o que importa definir, ainda que em traços gerais, o modo como se encontra estruturada a causa de pedir na ação declarativa.
Sabendo-se, tal como resulta do disposto nos arts. 3º, nº 1 e 581º, nºs 3 e 4, ambos do CPC, que o objeto da ação reside na pretensão que o autor pretende ver tutelada e que a identificação do direito que se pretende fazer valer em juízo consubstancia-se não só através do seu próprio conteúdo e objeto (o pedido) como por meio do ato ou fato jurídico que se considere que lhe deu origem (causa de pedir), bem se compreende que o art. 552.º, nº 1, al. d), do mesmo código, faça recair sobre o autor o dever de «expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção».
Está em causa a denominada teoria da substanciação que assume assento no nosso ordenamento jurídico e que exige sempre a indicação do título em que se fundamenta o direito firmado pelo autor. [...]
Por outro lado, e assentando o nosso sistema jurídico no princípio do dispositivo, consagrado no art. 5.º, nº 1, do CPC, é sobre o autor, que invoca a titularidade de um direito, que cabe fazer a alegação dos «factos essenciais que constituem a causa de pedir».
Mais problemática é, porém, no que respeita ao substrato factual da causa de pedir, o que se deve entender por “factos essenciais” e estabelecer a diferença entre estes e os «factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado», previstos no nº 2, al. b) do citado art. 5º. [...]
Cientes de que nem sempre é fácil fazer a distinção entre as duas categorias de factos, vejamos, então, se no caso dos autos, a autora alegou, na petição inicial, os factos estruturantes da causa de pedir por ela invocada como fundamento do efeito jurídico que a mesma pretende obter com a presente ação, ou seja, a condenação dos réus no pagamento da quantia de €102.706,62€, correspondente ao valor das benfeitorias realizadas no bem imóvel comodatado, propriedade dos réus [al. a) da petição inicial] e o reconhecimento de que a mesma beneficia em garantia do pagamento de tal crédito, com preferência relativamente a qualquer outro credor e com carácter de direito real e assim com sequela, de direito de retenção sobre o sobredito imóvel [al. b) da petição inicial].
E a este respeito, diremos, desde logo, que, ainda que se reconheça algumas deficiências na exposição dos factos pertinentes, afigura-se-nos, contrariamente ao afirmado pelas instâncias, que a alegação feita pela autora na petição inicial de que habita, há mais de 30 anos, numa casa que os pais lhe emprestaram, na qual realizou, entre os anos de 2012 a 2015 e as expensas suas, as obras destinadas a evitar a deterioração do imóvel, que discrimina nos artigos 3.º a 10.º da petição inicial, e nas quais despendeu os valores aí também referidos, permite identificar a causa de pedir invocada não só em termos de definir o quadro ou o núcleo factológico, mas também de divisar o quadro normativo aplicável, ou seja, o disposto nos arts. 1129º, 1138º, nº 1 e 1273º, todos do Código Civil, constituindo já a base factual mínima para alicerçar o pedido formulado de indemnização das alegadas benfeitorias.
E se é certo nada ter a autora alegado no respeitante à cessação da relação jurídica emergente do invocado contrato de comodato, tida pelas instâncias como essencial, nos termos dos citados artigos 1138º, nº 1, e 1273º, do C. Civil em conjugação com os artigos 5º, nº 1, 186º, nºs 1 e 2, a), e 552º, nº l, d), do CPC, certo é também, na nossa maneira de ver, que tais factos revestem a natureza de factos essenciais complementares, pelo que a sua falta de alegação apenas constitui, no caso vertente, uma mera deficiência de alegação, suscetível de ser suprida, mediante convite à autora, ao aperfeiçoamento do respetivo articulado, ao abrigo do disposto nos arts. 7º, nº 2 e 590º, nº 2, al. b) e nº 4, ambos do CPC.
De realçar que, apesar do poder de iniciativa do juiz de convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados ser, de algum modo, discricionário, sempre se dirá que, inspirada como está a nossa lei processual civil no princípio da cooperação judiciária proclamado no citado art. 7º e dada a maior latitude que, atualmente, a mesma confere ao suprimento de factos essenciais à procedência da ação, como se alcança do preceituado nos citados arts. 5º, nº 2, al. b) e 590º, nº 2, al. b) e nº 4, um tal poder não deverá ser omitido nos casos em que a prevalência de razões de ordem formal sobre o conteúdo substancial da petição, ainda que imperfeitamente expresso, acaba por remeter as partes, desnecessariamente, para a propositura de uma nova ação [Neste sentido, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 01.06.2010 (proc. nº 405/07.6TVLSB.L1), acessível in www.dgsi.pt/jtrl.].
Mas a verdade é que, no caso dos autos, o Tribunal de 1ª Instância não só não efetuou um convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, como, não obstante ter admitido o articulado superveniente apresentado pela autora, não equacionou a possibilidade de os novos factos alegados neste articulado poderem constituir sanação do denunciado vício de petição meramente deficiente, à luz das disposições conjugadas dos arts 5º, nºs 1 e 2, alínea b), 7º, nº 2, 186º, nºs 1, 2, alínea a), e 3, 552º, nº 1, alínea d), e 590º, nºs 1. 2, alínea b), e n.° 4, todos do CPC.
Assim sendo e porque o acórdão recorrido, seguindo a mesma linha de entendimento do Tribunal de 1ª Instância, confirmou a existência do vício de ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir, sem também equacionar essa possibilidade, impõe-se-nos indagar, se, à luz do disposto nos artigos 5º, nº 2, b), 588º, nºs 1 a 3 e 611º do CPC, no caso dos autos se deve considerar preenchido o quadro factológico descrito na petição inicial em virtude dos factos novos invocados pela autora através do referido articulado superveniente, ou seja, da ocorrência da superveniente da penhora e subsequente venda executiva do imóvel no âmbito do processo executivo n.° 4674/17.....
E a este respeito, diremos, desde logo, que a nossa resposta não pode deixar de ser afirmativa.
Senão vejamos.
O art. 588º do CPC, distingue, nos articulados supervenientes, o articulado posterior, que deve ser oferecido na própria fase dos articulados, porque a superveniência objetiva ou subjetiva verifica-se ainda nessa fase, e o novo articulado, que é apresentado fora da fase dos articulados.
Fundamental, num e noutro caso é, tal como decorre dos nºs 1 e 4 do art. 588º e dos nºs 1 e 2, do art. 611º, ambos do CPC, que os factos a alegar como supervenientes sejam factos essenciais, isto é, «factos constitutivos, modificativos e extintivos», que «segundo o direito substantivo aplicável» tenham «influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida», quer por constituírem a causa de pedir, quer por ancorarem as exceções deduzidas pelo réu.
Na verdade, conjugando-se intimamente com a regra estabelecida no art. 611º, do CPC, de acordo com a qual a sentença deverá tomar em consideração todos os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à propositura da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão, e porque tais factos supervenientes à propositura da ação hão-de ser introduzidos no processo mediante alegação da parte a quem aproveita, permite o art. 588º, do CPC, que as partes aleguem tais factos, supervenientemente, em articulado posterior ou em novo articulado.
De salientar, neste campo, que a doutrina [...] vem admitindo, de forma cada vez mais pacífica, a possibilidade de através de articulado poder ser invocada uma nova causa de pedir fora das condições prescritas nos arts. 264º e 265º, do CPC, ou seja, sem as limitações impostas nestes artigos. [...]
Fundamental é, como já se deixou dito, que os factos supervenientemente alegados se mantenham no âmbito da mesma relação controvertida.
Ora, revertendo ao caso dos autos, verifica-se, por um lado, ter a autora formulado, no pedido primitivo:
i) a condenação dos réus no pagamento da quantia de €102.706,62€, correspondente ao valor das benfeitorias realizadas no bem imóvel comodatado, propriedade dos réus [al. a) da petição inicial] e
ii) o reconhecimento de que a mesma beneficia em garantia do pagamento de tal crédito, com preferência relativamente a qualquer outro credor e com carácter de direito real e assim com sequela, de direito de retenção sobre o sobredito imóvel [al. b) da petição inicial],
Como fundamento destes pedidos invocou o disposto nos arts. 216º, 1273º, 754º e 755º, nº 1, al. e), todos do C. Civil e alegou que habita, há mais de 30 anos, numa casa que os pais lhe emprestaram, na qual realizou, entre os anos de 2012 a 2015 e as expensas suas, as obras destinadas a evitar a deterioração do imóvel, que discrimina nos artigos 3.º a 10.º da petição inicial, e nas quais despendeu os valores aí também referidos, sem, porém, nada ter alegado no respeitante à cessação da relação jurídica emergente do invocado contrato de comodato.
Por outro lado, no articulado superveniente já admitido, alegou que o imóvel em causa foi penhorado no processo executivo n.° 4674/17.... que corre termos no Juízo de Execução ... e que, no âmbito da venda aí ordenada, licitou este mesmo prédio em leilão eletrónico pelo valor de € 121.693.40 e depositou a quantia de € 18.986.78 correspondente ao preço excedente ao crédito que tinha reclamado na ação executiva, tendo-lhe sido adjudicado o imóvel pela agente de execução.
E, em consequência disso e com vista a obter título executivo que sirva de base àquela reclamação de crédito, requereu a alteração do pedido inicial no sentido de:
i) - serem condenados os réus a pagar-lhe a quantia de € 102.706.62, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo pagamento;
ii) - ser reconhecido que a autora beneficia em garantia do pagamento de tal crédito, com preferência relativamente a qualquer outro credor, incluindo o interveniente BCP e da penhora realizada no processo executivo n.° 4674/17…, do direito de retenção sobre o imóvel em causa, agora, após a sua venda e transmissão na referida execução, sobre o produto dessa venda.
Mas se assim é, evidente se torna que a causa de pedir num e noutro pedido é precisamente a mesma, reportando-se, num e noutro caso, à indemnização das alegadas benfeitorias e ao reconhecimento do direito de retenção sobre o imóvel em causa por via da cessação da relação jurídica emergente do invocado contrato de comodato, nos termos dos arts. 1129º, 1138º, nº 1 e 1273º, 754º e 755º, nº 1, al. e), todos do Código Civil, pelo que não há dúvida de que a invocação dos factos superveniente da penhora e subsequente venda executiva do imóvel no âmbito do processo executivo n.° 4674/17…, contém-se nos limites da relação jurídica controvertida inicial.
E se é certo a autora não ter alegado, no pedido primitivo, quaisquer factos evidenciadores da cessação da relação jurídica emergente do invocado contrato de comodato, a verdade é que este contrato extinguiu-se com a aquisição, por parte da autora, do direito de propriedade do prédio comodatado, pelo que não podemos deixar de considerar suprida aquela falta de alegação pela invocação dos factos supervenientes da venda do imóvel no âmbito do processo executivo n.° 4674/17.... e subsequente aquisição pela autora, à luz do disposto nos artigos 5º, nº 2, b), 588º, nºs 1 a 3, e 611º, do CPC.
Vale tudo isto por dizer que a originária insuficiência de alegação de factos constitutivos, que o tribunal recorrido notou, no que concerne à cessação do mencionado contrato de comodato, foi completada através dos factos invocados pela autora no seu articulado superveniente.
E, completada, deste modo, a causa de pedir inicial, inexiste, consequentemente, razão válida para considerar estar-se em presença do vício de ineptidão apontado na decisão sob censura."
3. [Comentário] No relatório do acórdão afirma-se o seguinte:
"1. AA instaurou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e mulher, CC, pedindo a condenação destes réus a pagar-lhe a quantia de € 102.706.62, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo pagamento, e que se reconheça que a mesma beneficia de direito de retenção sobre o dito imóvel.
Alegou, para tanto e em síntese, que reside e habita numa casa, propriedade dos réus, seus pais, por comodato sem prazo e que, entre 2012 e 2015, face ao estado degradado do referido imóvel, realizou várias obras de manutenção e conservação, as quais foram autorizadas e requeridas pelos réus junto do órgão licenciador, tendo sido ela a suportar o custo dessas obras."
Tendo presente os pedidos formulados pela autora, a cessação do contrato que comodato pode ser considerada um facto complementar (art. 5.º, n.º 2, al. b), CPC). Aliás, se se entende -- como entenderam as instâncias -- que o direito ao ressarcimento das benfeitorias só é possível se o comodato tiver cessado, então bastaria ter interpretado os pedidos da autora (e, em especial, aquele que respeita ao pedido de retenção) em função dessa circunstância para se concluir que a própria autora entende que o comodato cessou.
MTS