Sustenta, dentro da mesma lógica, que há oposição entre a escritura (de 17 de novembro de 1994, celebrada na constância do casamento) que formalizou o empréstimo contratado com a Caixa Geral de Depósitos, S.A., declaradamente para aquisição do imóvel em causa, e o contrato-promessa de compra e venda (de 21 de abril de 1994, anteriormente ao casamento) que o Recorrido celebrou, e do qual consta que o preço era pago na data da sua (contrato-promessa) outorga.
A partir daqui embrenha-se nas temáticas da força probatória da escritura, da sua não falsidade e da confissão extrajudicial. Tudo isto para contraditar aquilo que está provado: que o preço da compra do prédio em questão foi pago, anteriormente ao casamento, exclusivamente pelo Recorrido.
Mas é por demais evidente que as teses da Recorrente estão condenadas a não prosperar.
Efetivamente, a circunstância de ter sido contratado o empréstimo em causa com a finalidade declarada de pagamento do preço do imóvel não contende, no plano naturalístico e no plano jurídico, com o facto de, como decorre do contrato-promessa, o preço dever ser pago (como se sabe que foi) na data da celebração deste último contrato. Basta admitir, como admite o acórdão recorrido, que se tratou de uma declaração falsa, com o objetivo de, defraudando desse modo a lei, obter crédito menos oneroso. Compreende-se, por isso, o que refere o acórdão recorrido, e passa-se a transcrever:
“Embora cause estranheza que em 17/11/1994, em conjunto com a escritura de compra e venda, se celebre uma escritura de mútuo com vista a obter fundos para aquisição do prédio, quando em 21/04/1994 o preço do prédio já havia sido pago na totalidade pelo requerido (cheque n.° ... da sua conta n,° ... Banco Português do Atlântico - Agência do Crato), tal facto não se mostra impeditivo da conclusão a que se chegou atenta a cronologia dos factos, sendo certo que o crédito à habitação tendo juros bonificados podia ter servido de atrativo para conseguir fundos menos onerados para outro tipo de investimentos. Nenhuma das partes se dignou esclarecer bem essa situação, limitando-se o ora recorrente a afirmar e a demonstrar que o pagamento das mensalidades referentes a tal mútuo foi retirado pela CGD de uma conta somente por si titulada, encontrando-se o empréstimo totalmente pago (cfr. facto provado no ponto 10).”
Consequentemente, inexiste qualquer contradição juridicamente relevante entre os supra referidos factos (oportuno pagamento do preço do imóvel e contração de empréstimo alegadamente para proceder a esse pagamento), bem como entre a escritura e o contrato-promessa, de sorte que não há que considerar exclusivamente o que consta declarado na primeira e desconsiderar o pagamento que o Recorrido fez nos termos previstos no contrato-promessa.
E bem se vê que este assunto em nada contende com a força probatória da escritura. O que a escritura prova é tão somente aquilo que se passou perante o notário e nela está atestado (art. 371.º, n.º 1 do CCivil): que a Recorrente e o então marido declararam constituir-se devedores à Caixa Geral de Depósitos, S.A. da quantia de setecentos e quarenta mil escudos que por esta Instituição foi emprestada para aquisição de casa própria permanente. Se tal declaração foi ou não verdadeira (e bem se vê que não pode ter sido), se o produto do mútuo serviu ou não para adquirir o imóvel em causa (e bem se vê que não pode ter servido), tudo isso passa à margem da força probatória da escritura ou da figura da falsidade. De resto, é a própria Recorrente que reconhece que assim é, como resulta do que escreve na conclusão 13ª.
Mais diz a Recorrente que a declaração do mutuário exarada na escritura “de que a quantia emprestada foi destinada à aquisição da casa própria e permanente, tem esse valor, constitui confissão desse mesmo facto, porquanto implica o reconhecimento de um facto que lhe é desfavorável, e que o art. 352.º do CC qualifica de confissão”. Acrescenta que “Trata-se de uma confissão extrajudicial, em documento autêntico, feita à parte contrária, admissível pela sua própria essência, que goza de força probatória plena contra o confitente (faz prova plena de que, nesse acto, o mutuário ora recorrido declarou que a quantia de 740.000$00 lhe foi emprestada para aquisição casa própria e permanente e que se obrigou a pagar no prazo de 25 anos a contar desta data)”.
A confissão extrajudicial feita em documento autêntico considera-se provada nos termos aplicáveis a este documento e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena (art. 358.º, n.º 2 do CCivil). E por confissão entende-se o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e que favorece a parte contrária (art. 352.º do CCivil).
Ora, o reconhecimento (de facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária) que o Recorrido fez e que foi exarado na escritura traduziu-se no facto do empréstimo ali mencionado. Isto significa que perante a parte contrária (que é a Caixa Geral de Depósitos, S.A., e não a Recorrente) está plenamente provado que o Recorrido (e, aliás, também a Recorrente) recebeu de empréstimo da outra parte no contrato de mútuo o montante de setecentos e quarenta mil escudos. Tudo o que vai para além disto (a começar pela declarada finalidade do empréstimo ou pelo destino que não foi dado à quantia emprestada) nada tem a ver com a figura da confissão (não representa o reconhecimento de qualquer facto desfavorável ao Recorrido e que favoreça a aludida parte contrária, e muito menos a Recorrente), e daqui que nada prova plenamente no sentido de contender com o que está provado: que o preço do prédio fora pago anteriormente pelo Recorrido.
E sendo tudo isto assim, como é, vê-se com toda a facilidade que a pretensão da Recorrente tendente a quinhoar sobre o prédio em causa não podia proceder. Pois que os factos provados mostram à saciedade que o prédio - pese embora adquirido na pendência do casamento e pese embora da escritura não constar a real proveniência do dinheiro com que foi pago o preço respetivo [V. a propósito o AUJ n.º 12/2015, que firmou a seguinte orientação, de que não há razão para dissentir: “Estando em causa apenas os interesses dos cônjuges, que não os de terceiros, a omissão no título aquisitivo das menções constantes do art. 1723.º, c) do Código Civil, não impede que o cônjuge, dono exclusivo dos meios utilizados na aquisição de outros bens na constância do casamento no regime supletivo da comunhão de adquiridos, e ainda que não tenha intervindo no documento aquisitivo, prove por qualquer meio, que o bem adquirido o foi apenas com dinheiro ou seus bens próprios; feita essa prova, o bem adquirido é próprio, não integrando a comunhão conjugal”] - foi pago com dinheiro do ex-marido, pelo que tem a natureza de bem próprio deste (art. 1723.º, alínea c) do CCivil).
O que significa que improcede o recurso, não sendo o acórdão recorrido passível das censuras que a Recorrente lhe endereça."
[MTS]