24. O teor do art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil é claro no sentido de que entre os requisitos de admissibilidade do recurso de revista estão requisitos relativos ao conteúdo da decisão impugnada — “o cabimento do recurso de revista afere-se designadaamente pelo conteúdo do acórdão do Tribunal da Relação de que se recorre” [Luís Espírito Santo, Recursos civis. O regime recursório português: fundamentos, regime e actividade judiciária, CEDIS — Centro de I & D sobre Direito e Sociedade / Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2020, pág. 277.]
25. Ora o acórdão de conferência que indefere uma reclamação e/ou um requerimento de reforma do acórdão recorrido não preenche os requisitos do art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
26. Em primeiro lugar, o acórdão em causa não é um acórdão proferido sobre decisão da 1.ª instância e, em segundo lugar, não é um acórdão que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou alguns dos réus.
Artigo 615.º: 4. — As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.Artigo 617.º: 1 — Se a questão da nulidade da sentença ou da sua reforma for suscitada no âmbito de recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de indeferimento.6. — Arguida perante o juiz que proferiu a sentença alguma nulidade, nos termos da primeira parte do n.º 4 do artigo 615.º, ou deduzido pedido de reforma da sentença, por dela não caber recurso ordinário, o juiz profere decisão definitiva sobre a questão suscitada; porém, no caso a que se refere o n.o 2 do artigo anterior, a parte prejudicada com a alteração da decisão pode recorrer, mesmo que a causa esteja compreendida na alçada do tribunal, não suspendendo o recurso a exequibilidade da sentença.
28. O argumento deduzido da circunstância de o acórdão de conferência não preencher os requisitos do art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil é confirmado pela constatação do facto de que o incidente de reforma só pode ser suscitado em requerimento autónomo em relação a decisões de que não haja recurso — art. 616.º, n.º 2, do Código de Processo Civil — e pela constatação do facto de que a decisão do tribunal sobre a arguição de nulidades e sobre o incidente de reforma é definitiva — cf. art. 617.º, n.º 6, do Código de Processo Civil.
29. Como foi decidido pelo Exmo. Senhor Conselheiro Oliveira Abreu em despacho proferido em 11 de Outubro de 2019, no processo n.º 4901/17.9T8OER.L1.S1, “… impõe-se que tenhamos em atenção que, deduzido pedido de reforma perante o Tribunal que proferiu a decisão, por dela não caber recurso ordinário, o Tribunal profere decisão definitiva sobre a questão suscitada — art. 617.º, n.º 6, do Código de Processo Civil”. “Assim sendo, não temos como deixar de reconhecer que estando em causa o conhecimento da reforma do acórdão reformando, a decisão proferida sobre a reclamada reforma, quando indeferida, como foi o caso, é insusceptível de recurso, nos termos enunciados, decorrente do art. 617.º, n.º 6, do Código Processo Civil”.
30. O raciocínio desenvolvido a propósito do objecto do recurso — do conteúdo da decisão impugnada — é reforçado pela disposição sobre os fundamentos do recurso do art. 674.º do Código de Processo Civil.
31. O art. 674.º, n.º 1, do Código de Processo Civil enumera os fundamentos do recurso de revista, dizendo que “a revista pode ter por fundamento:
a) A violação de lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável;b) A violação ou errada aplicação da lei de processo;
c) As nulidades previstas nos artigos 615.º e 666.º”
32. Os Recorrentes pretendem agora que o recurso seja admitido por ter como fundamento uma nulidade processual, “nos termos do art. 195º, n.º 1, do Código de Processo Civil”.
“Se o juiz conhecer de uma matéria de facto ou de direito alegada por uma das partes sem previamente ter sido concedida à parte contrária a possibilidade de exercer o contraditório, a decisão é nula por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), 666.º, n.º 1, e 685.º), porque o juiz decide essa questão de facto ou de direito quando não estão reunidas as condições para se poder pronunciar sobre ela” [Miguel Teixeira de Sousa, anotação ao art. 3.º, in: CPC online — art. 1.º a 58.º, cit., pág. 4.)“A violação da proibição da decisão-surpresa implica um vício da própria decisão-surpresa. A decisão-surpresa é, em si mesma, um vício processual que nada tem a ver com a tramitação processual e, por isso, com as nulidades processuais. A decisão-surpresa é uma decisão nula por excesso de pronúncia (art. 615.o, n.o 1, al. d), 666.º, n.º 1, e 685.º), porque o tribunal conhece de matéria que, nas condições em que o fez, não podia conhecer […]” [Miguel Teixeira de Sousa, anotação ao art. 3.º, in: CPC online — art. 1.º a 58.º, cit., pág. 5.]
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