"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



29/11/2022

Jurisprudência 2022 (76)


Recurso de revista;
admissibilidade


1. O sumário de STJ 30/3/2022 (4406/11.1TBVFX.L1-A.S1) é o seguinte:

O acórdão de conferência que indefere uma reclamação e/ou um requerimento de reforma do acórdão recorrido não preenche os requisitos do art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.


2. Na fundamentação afirma-se o seguinte:

"23. O art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil dispõe que “[c]abe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”.

24. O teor do art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil é claro no sentido de que entre os requisitos de admissibilidade do recurso de revista estão requisitos relativos ao conteúdo da decisão impugnada — “o cabimento do recurso de revista afere-se designadaamente pelo conteúdo do acórdão do Tribunal da Relação de que se recorre” [Luís Espírito Santo, Recursos civis. O regime recursório português: fundamentos, regime e actividade judiciária, CEDIS — Centro de I & D sobre Direito e Sociedade / Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2020, pág. 277.]

25. Ora o acórdão de conferência que indefere uma reclamação e/ou um requerimento de reforma do acórdão recorrido não preenche os requisitos do art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

26. Em primeiro lugar, o acórdão em causa não é um acórdão proferido sobre decisão da 1.ª instância e, em segundo lugar, não é um acórdão que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou alguns dos réus.

27. O argumento deduzido do art. 671.º, n.º 1, é reforçado por argumentos deduzidos dos arts. 615.º, n.º 4, e 617.º, n.ºs 1 e 6, do Código de Processo Civil:

Artigo 615.º: 4. — As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.

Artigo 617.º: 1 — Se a questão da nulidade da sentença ou da sua reforma for suscitada no âmbito de recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de indeferimento.

6. — Arguida perante o juiz que proferiu a sentença alguma nulidade, nos termos da primeira parte do n.º  4 do artigo 615.º, ou deduzido pedido de reforma da sentença, por dela não caber recurso ordinário, o juiz profere decisão definitiva sobre a questão suscitada; porém, no caso a que se refere o n.o 2 do artigo anterior, a parte prejudicada com a alteração da decisão pode recorrer, mesmo que a causa esteja compreendida na alçada do tribunal, não suspendendo o recurso a exequibilidade da sentença.

28. O argumento deduzido da circunstância de o acórdão de conferência não preencher os requisitos do art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil é confirmado pela constatação do facto de que o incidente de reforma só pode ser suscitado em requerimento autónomo em relação a decisões de que não haja recurso — art. 616.º, n.º 2, do Código de Processo Civil — e pela constatação do facto de que a decisão do tribunal sobre a arguição de nulidades e sobre o incidente de reforma é definitiva — cf. art. 617.º, n.º 6, do Código de Processo Civil.

29. Como foi decidido pelo Exmo. Senhor Conselheiro Oliveira Abreu em despacho proferido em 11 de Outubro de 2019, no processo n.º 4901/17.9T8OER.L1.S1, “… impõe-se que tenhamos em atenção que, deduzido pedido de reforma perante o Tribunal que proferiu a decisão, por dela não caber recurso ordinário, o Tribunal profere decisão definitiva sobre a questão suscitada — art. 617.º, n.º 6, do Código de Processo Civil”. “Assim sendo, não temos como deixar de reconhecer que estando em causa o conhecimento da reforma do acórdão reformando, a decisão proferida sobre a reclamada reforma, quando indeferida, como foi o caso, é insusceptível de recurso, nos termos enunciados, decorrente do art. 617.º, n.º 6, do Código Processo Civil”.

30. O raciocínio desenvolvido a propósito do objecto do recurso — do conteúdo da decisão impugnada — é reforçado pela disposição sobre os fundamentos do recurso do art. 674.º do Código de Processo Civil.

31. O art. 674.º, n.º 1, do Código de Processo Civil enumera os fundamentos do recurso de revista, dizendo que “a revista pode ter por fundamento:

a) A violação de lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável;

b) A violação ou errada aplicação da lei de processo;

c) As nulidades previstas nos artigos 615.º e 666.º”

32. Os Recorrentes pretendem agora que o recurso seja admitido por ter como fundamento uma nulidade processual, “nos termos do art. 195º, n.º 1, do Código de Processo Civil”.

33. O silêncio do art. 674.º, n.º 1, sobre as nulidades processuais é um silêncio eloquente — significa que a nulidade processual, designadamente a nulidade processual decorrente da inobservância do art. 3.º, n.º 3, deverá ter como consequência a nulidade da decisão, nos termos do art. 615.º, n.º 2, alínea d) [...], e só deverá ser fundamento do recurso de revista nos termos do art. 674.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil.

34. Como diz Miguel Teixeira de Sousa,

“Se o juiz conhecer de uma matéria de facto ou de direito alegada por uma das partes sem previamente ter sido concedida à parte contrária a possibilidade de exercer o contraditório, a decisão é nula por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), 666.º, n.º 1, e 685.º), porque o juiz decide essa questão de facto ou de direito quando não estão reunidas as condições para se poder pronunciar sobre ela” [Miguel Teixeira de Sousa, anotação ao art. 3.º, in: CPC online — art. 1.º a 58.º, cit., pág. 4.)

“A violação da proibição da decisão-surpresa implica um vício da própria decisão-surpresa. A decisão-surpresa é, em si mesma, um vício processual que nada tem a ver com a tramitação processual e, por isso, com as nulidades processuais. A decisão-surpresa é uma decisão nula por excesso de pronúncia (art. 615.o, n.o 1, al. d), 666.º, n.º 1, e 685.º), porque o tribunal conhece de matéria que, nas condições em que o fez, não podia conhecer […]” [Miguel Teixeira de Sousa, anotação ao art. 3.º, in: CPC online — art. 1.º a 58.º, cit., pág. 5.]

35. Ora, de acordo com uma jurisprudência constante, a arguição de nulidades do acórdão recorrido não poderá ser fundamento autónomo de recurso de revista [Cf. designadamente acórdãos do STJ de de 24 de Novembro de 2016 — processo n.º 470/15 —; de 12 de Abril de 2018 — processo n.º 414/13.6TBFLG.P1.S1 —; de 2 de Maio de 2019 — processo n.º 77/14.1TBMUR.G1.S1 —, de 19 de Junho de 2019 — processo n.º 5065/16.0T8CBR.C1-A.S1 — e de 05 de Fevereiro de 2020 — processo n.º 983/18.4T8VRL.G1.S1.]

36. Como diz, p. ex., no acórdão do STJ de 12 de Abril de 2018 — processo n.º 414/13.6TBFLG.P1.S1 —, “a arguição de nulidades do acórdão da Relação ou o erro na apreciação da prova, não implicam, por si só, a admissibilidade do recurso de revista; podem é constituir fundamentos deste, como se alcança do art. 674.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, se for admissível, o que é bem diferente”.

37. Em consequência, a alegada nulidade processual, por violação do art. 3.º, n.º 3, nunca seria só por si suficiente para a admissão do recurso, superando os requisitos de conteúdo do art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

38. Em diferentes palavras, ainda que insistindo em igual pensamento — a alegada nulidade processual, por omissão de pronúncia, nunca poderia convolar um acórdão de conferência que não conhece do mérito da causa num acórdão que conheça do mérito da causa, no sentido do art. 671.º, n.º 1, ou um acórdão de conferência que não põe termo ao processo num acórdão que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou alguns dos réus, no sentido do art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil."

[MTS]