"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



15/11/2022

Jurisprudência 2022 (66)


Pedido reconvencional:
conexão objectiva


1. O sumário de RL 10/3/2022 (2797/21.5T8FNC-A.L1-2) é o seguinte:

I) A reconvenção é admissível – para além dos demais casos elencados no artigo 266.º, n.º 2, do CPC – quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação (se existir identidade, total ou parcial, das causas de pedir, a da ação e a da reconvenção) ou à defesa (quando faz nascer uma questão prejudicial em relação à causa principal, produzindo um efeito capaz de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor).

II) A reconvenção pode ser deduzida a título eventual – reconvenção subsidiária – para o caso de o pedido originário do autor vir a ser julgado procedente.

III) A reconvenção subsidiária (em que o réu quer obter, antes do mais, a improcedência da ação e apenas, se tal não suceder, pretende a procedência do pedido reconvencional) distingue-se da reconvenção dependente (em que o réu utiliza a procedência ou improcedência do pedido formulado pelo autor como objeto prejudicial face à reconvenção que deduz).

IV) Assentando as autoras o direito de que se arrogam no invocado exercício da preferência sobre a venda dos imóveis objeto de alienação/aquisição entre os réus, a pretensão reconvencional deduzida para o caso de procedência da ação (assente em invocado direito dos réus a recuperarem o valor do preço pago pela aquisição, o das despesas satisfeitas e o das benfeitorias realizadas, decorrente da impossibilidade de transmissão da propriedade do prédio para as autoras com o respetivo valor, que, na perspetiva dos recorrentes, constituiria um enriquecimento sem causa destas), não se inscreve na causa de pedir formulada pelas autoras, nem se dirige a esgrimir como meio de defesa um facto ou acto jurídico que possa reduzir, modificar ou extinguir o pedido formulado pelas autoras, não sendo admissível.

V) O regime de suspensão dos prazos de caducidade relativos a processos que corram termos nos tribunais judiciais, nos termos dos n.ºs. 1 e 3 do artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março - – lei que aprovou diversas medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, agente causador da doença COVID-19 -, aditado pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, procurando evitar deslocações de pessoas aos tribunais com o consequente risco de contágio e difusão do vírus, prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar tal suspensão.

VI) Produzindo a Lei n.º 4-B/2021 efeitos desde 22-01-2021, o prazo (de caducidade) de 6 meses, a que se refere o n.º 1 do artigo 1410.º do CC, que tinha tido início em 27-11-2020 e até aí se encontrava em curso, suspendeu a sua contagem entre 22-01-2021 e 05-04-2021, pelo que, na data de instauração da presente ação – 18-06-2021 – o direito pretendido exercer pelas autoras, não se encontrava caducado.

VII) O regime de suspensão dos prazos de caducidade referente aos processos e procedimentos que corram termos em tribunais judiciais (cfr. n.º 1 do artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de acordo com o previsto no n.º 3 do mesmo artigo), não se restringe a ações já instauradas ou pendentes, mas abrange o prazo para instauração da ação de preferência (ainda não instaurada ou pendente) a que se refere o n.º 1 do artigo 1410.º do CC.

VIII) De harmonia com o artigo 299.º, n.ºs. 1 e 2 do CPC, na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção (ou intervenção principal) mas, neste caso, o valor do pedido do réu só é somado ao valor do pedido do autor, quando os pedidos forem distintos, nos termos do n.º 3 do artigo 530.º do CPC, o que sucederá, designadamente, se o réu reconvinte não visa conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que as autoras pretendem obter.


2. No relatório e na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

1. Relatório:

*

1. HH e II, identificadas nos autos, instauraram a presente ação de preferência, contra AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG, também identificados nos autos, pedindo na procedência da ação, o seguinte:

“A) Que se reconheça aos AA. o direito de preferência sobre o prédio rústico identificado no art. 8° da P.I., substituindo-se ao 6° RR. na escritura de compra e venda;

B) Que sejam os RR condenados a entregarem os Prédios às AA, livre e desocupado;

C) Que seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que o 6° RR, comprador, haja feito a seu favor em consequência da compra dos Prédios e outras que este venha a fazer, sempre com todas as demais consequências que ao caso couberem”. [...]

3. Citados, os réus contestaram, por exceção - invocando a exceção dilatória de ilegitimidade e perentória de caducidade do direito de ação – e por impugnação, tendo o réu GG, deduzido pretensão reconvencional, para o caso de procedência da ação e tendo os réus concluindo nos seguintes termos:

“1- Que as invocadas exceções sejam julgadas procedentes e os réus absolvidos dos pedidos.

2- Caso assim não se entenda, que a presente ação seja julgada improcedente, por não provada, e os réus absolvidos dos pedidos;

3- Caso ainda assim não se entenda, que seja julgada procedente, por provada, a reconvenção deduzida pelo réu GG, e:

a) que as autoras sejam condenadas a reconhecerem o réu GG como legítimo proprietário e possuidor, com exclusão de outrem, das benfeitorias por este fabricadas e aludidas na reconvenção;

b) que as autoras sejam condenadas a pagar ao réu GG o valor das aludidas benfeitorias que este efetuou nos prédios em causa, nem que seja de acordo pelas regras do enriquecimento sem causa, em valor que não deverá ser inferior a €28.000 ou na que resultar da requerida avaliação das mesmas;

c) que as autoras sejam condenadas a pagar ao réu GG a quantia de €176.500 (cento e setenta e seis mil e quinhentos euros), valor este que corresponde ao preço que pagou aos réus vendedores pela aquisição dos aludidos seis prédios, no valor de €175.000 e da aludida décima parte do aludido poço de estacar água de rega, no valor de €1.500;

d) que as autoras sejam condenadas a pagar ao réu GG os aludidos emolumentos, honorários e impostos que pagou, no valor total de €8.437.”. [...]

4. Fundamentação de Direito:

Vejamos o recurso interposto, apreciando cada uma das questões enunciadas.

*

A) Se a decisão recorrida violou o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 266º do CPC, devendo ser admitida a pretensão reconvencional expressa na alínea c) do dispositivo da contestação formulada? [...]

A decisão recorrida expressou, relativamente ao indeferimento do pedido reconvencional quanto ao pedido formulado na alínea c) da reconvenção deduzida, que “o pedido assim apresentado - constante da alínea c) - não reveste[…] o nexo de conexão necessário à sua admissão enquanto pedidos reconvencional, não se mostrando preenchidos os requisitos substantivos previstos pelo artigo 266º, n.º 2, do Código de Processo Civil”.

Para tanto considerou que, analisada a alegação efetuada pelo réu, “não se vislumbra de que forma o assim alegado preenche os elementos de conexão previstos pelo artigo 266º, n.º 2, do Código Processo Civil, sendo certo que a reconvenção, nesta parte, reveste uma nova causa de pedir que não possui a capacidade de impedir, reduzir ou extinguir a possibilidade de condenação dos Réus, por se traduzir em causa de pedir paralela – o Reconvinte invoca um alegado enriquecimento sem causa das Autores o que não se mostra relacionado com a alegação factual apresentada por estas como fundamentando a acção nem, no que a este aspecto circunscrito diz respeito, com a alegação por si apresentada em sede de defesa”, concluindo que, “não basta a existência de uma forte conexão entre as causas de pedir da acção e da reconvenção para que possa entender-se que o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa, sendo que o requisito substantivo da admissibilidade da reconvenção, da alínea a) do nº 2 do artigo 266º, do Código de Processo Civil, implica que o pedido formulado em reconvenção resulte naturalmente da causa de pedir do autor (ou, até, se contenha nela), ou seja normal consequência do facto jurídico que suporta a defesa, que tem o propósito - regra de obter uma modificação benigna ou uma extinção do pedido do autor.– Neste sentido, vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22/11/2007, com o n.º de processo 8548/2007-2 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27/04/2006, com o n.º de processo 06A945 nele citado”.

Vejamos:[...]

A reconvenção é admissível nos casos elencados no artigo 266.º, n.º 2, do CPC, a saber:

a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;

b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou a despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;

c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor; e

d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.

A reconvenção pode ainda ser deduzida a título eventual – reconvenção subsidiária – para o caso de o pedido originário do autor vir a ser julgado procedente (neste sentido, vd., entre outros, na doutrina, Manuel de Andrade; Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, p. 153; Miguel Teixeira de Sousa; “Reconvenção subsidiária, valor da causa e responsabilidade pelas custas”, in Cadernos de Direito Privado, ISSN 1645-7242, n.º 7, 2004, pp. 11-18; Francisco Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, p. 158; e, na jurisprudência, e Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 20-05-2004, Pº 0432573, rel. FERNANDO BAPTISTA; de 05-07-2011, Pº 7830/10.3TBVNG-A.P1, rel. FERNANDO SAMÕES; de 21-11-2019, Pº 1414/18.5T8PVZ.P1, rel. CARLOS PORTELA; e de 13-10-2020, Pº 3393/18.0T8PNF.P2, rel. VIEIRA E CUNHA). [...]

Relativamente à alínea a) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC, referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado; Vol. 1.º, 4.ª Edição, Almedina, p. 531) que a correspondente previsão pressupõe que o pedido reconvencional se funde na mesma causa de pedir, total ou parcialmente, que o pedido do autor (de acordo com a teoria da substanciação, importando a causa de pedir integrada pelos factos concretos que caraterizam a norma/instituto jurídico invocados).

Assim, “a dedução de um pedido reconvencional fundado na mesma causa de pedir do pedido do autor, pressupõe que aquela seja entendida à luz da teoria da substanciação, isto é, integrada pelos factos concretos que concretizam a norma ou o instituto jurídico invocados, não valendo para o efeito a abstracta invocação pelo réu dos mesmos norma ou instituto jurídicos, quando consubstanciados por factos absolutamente diferentes e distintos dos primitivos (arts. 266º, nº 1 e nº 2, al. a), e 581º, nº 4, ambos do C.P.C.)” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-07-2018, Pº 1630/17.7T8VRL-A.G1, rel. MARIA JOÃO MATOS).

Sobre a mesma alínea a) reportam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 302) que, “[o] facto jurídico que serve de fundamento à ação (al. a)) constitui o ato ou relação jurídica cuja invocação sustenta o pedido formulado, como ocorre com a invocação de um direito emergente de um contrato, o qual também pode ser invocado pelo réu para sustentar uma diversa pretensão dirigida contra o autor. O facto jurídico que serve de sustentação à defesa envolve essencialmente a matéria de exceção, mas poderá igualmente assentar em factos que integrem a impugnação especificada dos fundamentos da ação. Nestes casos, o réu aproveita a defesa não apenas para se defender da pretensão do autor, mas ainda para sustentar nos mesmos factos uma pretensão autónoma contra aquele”.

Conforme evidencia Mariana França Gouveia (A Causa de Pedir na Ação Declarativa; Almedina, 2019, p. 270), “a causa de pedir, para efeitos de admissibilidade de reconvenção, deve ser definida através do facto principal comum a ambas as contra pretensões”, ou seja, que “os factos alegados devem ser selecionados através das normas jurídicas alegadas, assim se determinando quais são os principais. Estabelecidos estes, se um deles for principal para a ação e para a reconvenção, haverá identidade de causa de pedir e, logo, estará preenchido o requisito” previsto na alínea a) do n.º 2, do artigo 266.º do CPC.

Assim:

“A admissibilidade da reconvenção pressupõe uma conexão objectiva entre as duas ações, um nexo entre os objectos da causa inicial e da causa reconvencional.

O pedido reconvencional do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação se existir identidade, total ou parcial, de ambas as causas de pedir, a da ação e da reconvenção.

O pedido reconvencional do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa quando faz nascer uma questão prejudicial em relação à causa principal, ou seja, produza “efeito útil defensivo”, capaz de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17-03-2020, Pº 590/19.4T8GRD-A.C1, rel. JORGE ARCANJO).

Isso mesmo se expressou, igualmente, no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06-05-2021 (Pº 2103/19.9T8VNF-A.G1, rel. JORGE TEIXEIRA) no qual se referiu o seguinte:

“A primeira parte da al. a) do n.º 2 do art. 266 carece de ser interpretada no sentido de que a reconvenção é admissível quando o pedido reconvencional se funda na mesma causa de pedir (ou parte desta) em que o Autor funda o direito que invoca. Já a segunda parte daquela alínea tem o sentido de que só é admissível a reconvenção quando o réu-reconvinte invoque como meio de defesa qualquer acto ou facto jurídico que tenha a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido formulado pelo autor e com base nesse acto ou facto – ou parte dele - que serve de fundamento à sua defesa, deduza o pedido reconvencional. Isto porque, tratando-se de uma contra pretensão, conquanto dentro do mesmo processo, a reconvenção, embora com um pedido autónomo, deve ter certa compatibilidade com a causa de pedir do autor, pelo que o pedido reconvencional tem de ter necessariamente a sua génese na causa de pedir invocada pelo Autor-reconvindo, ou a factualidade na qual o Réu-reconvinte estriba a sua defesa em relação a essa causa de pedir invocada pelo Autor-reconvindo. Por sua vez, a defesa por excepção consiste, antes, num ataque lateral ou de flanco, com a alegação de factos novos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos alegados pelo autor, socorrendo-se o réu de factos diversos daqueles em que se funda a petição”.

Assim, a primeira parte da mencionada alínea a) só poderá ter o sentido de a reconvenção ser admissível quando o pedido reconvencional tenha a mesma causa de pedir da acção, isto é, o mesmo facto jurídico (real ou concreto) em que o autor fundamenta o direito que invoca, de modo a concluir-se que o pedido cruzado do réu resulte naturalmente, ou até se contenha, na causa de pedir do autor: Pedida, por exemplo, a condenação do réu no pagamento do preço da compra e venda, o réu pede a condenação do autor na entrega da coisa (o mesmo contrato é, simultaneamente, causa do pedido do autor e do réu).

Por seu turno, a segunda parte da alínea a) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC tem o sentido de a reconvenção ser admissível quando o réu invoque, como meio de defesa, qualquer acto ou facto jurídico que, a verificar-se, tenha a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor, em termos de tal pretensão do réu ser normal consequência do facto jurídico que suporta a defesa (cfr., neste sentido, entre outros, Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, II, p. 28 e os acórdãos do STJ de 05-03-1996, in BMJ 455.º, p. 389 e de 27-04-2006, Pº 06A945, rel. SEBASTIÃO PÓVOAS e do Tribunal da Relação do Porto de 16-09-1991, CJ, ano XVI, tomo IV, p. 247 e de 05-07-2011, Pº 7830/10.3TBVNG-A.P1, rel. FERNANDO SAMÕES): Pedida, por exemplo, a condenação do réu no pagamento de remanescente do preço de empreitada, o réu exceciona a anulabilidade do contrato por dolo e pede a condenação do autor na restituição do que pagou e em indemnização (a causa de pedir da reconvenção assenta nos factos que sustentam a anulabilidade do contrato e o seu incumprimento pelo autor).

De todo o modo tem que existir uma conexão entre o pedido do autor e do réu e esta tem de ser “uma conexão forte, não bastando uma ténue ligação entre os objectos da acção e da reconvenção, já que a lei optou, como vimos, por um sistema restritivo de admissibilidade da reconvenção, o que implica, por parte do juiz, uma análise minuciosa das causas de pedir alegadas nas duas demandas cruzadas” (cfr., Marco António de Aço e Borges; A Demanda Reconvencional; Quid Juris, 2008, p. 43).

Revertendo estas considerações para o caso dos autos, afastada está liminarmente a consideração do segmento do pedido reconvencional em questão como passível de enquadramento nas alíneas b), c) ou d) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC, uma vez que, não ocorre nenhuma das circunstâncias previstas nessas alíneas, relativamente à pretensão expressa na alínea c) do dispositivo da contestação, cumprindo, por isso, aferir se se verificam os pressupostos de aplicação da alínea a) do mesmo artigo.

Verificamos que as autoras/recorridas assentam o seu direito no invocado exercício da preferência sobre a venda dos imóveis objeto de alienação/aquisição entre os réus.

Por seu turno, a pretensão reconvencional deduzida na contestação, para o caso de procedência da ação, assenta no invocado direito dos réus a recuperarem o valor do preço pago pela aquisição, o das despesas satisfeitas e o das benfeitorias realizadas, decorrente da impossibilidade de transmissão da propriedade do prédio para as autoras com o respetivo valor, que, na perspetiva dos recorrentes, constituiria um enriquecimento sem causa destas e, daí que o pedido reconvencional tenha sido deduzido contra estas (e, não, contra os demais réus que serão quem terá já recebido o preço da aquisição efetuada).

Ora, analisando a pretensão reconvencional deduzida – e não estando em questão no presente recurso outro segmento que não o atinente à alínea c) do petitório reconvencional - forçoso é concluir que tal pretensão, na parte não admitida, muito embora respeite ao valor do preço que o réu reconvinte terá pago aos demais réus, não se inscreve na causa de pedir formulada na ação pelas autoras, relacionada com a verificação das condições para preferirem na compra e venda realizada, visando os réus, antes, exercitar um dispositivo legal diverso do invocado por estas ao pretender o ressarcimento do valor do preço pago (cfr. artigo 473.º do CC), pelo que falece este pressuposto de admissibilidade da reconvenção, com referência à primeira parte da alínea a) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC.

De facto, no n.º 2 do artigo 473.º do CC inserem-se entre as modalidades de enriquecimento por prestação, “a hipótese de alguém ter recebido uma prestação em virtude de uma causa que deixou de existir, correspondendo à tradicional condictio ob causam finitam. No direito actual são casos da sua aplicação a posterior extinção do direito à prestação já recebida…” (assim, Luís Menezes Leitão; Direito das Obrigações, vol. I, 5.ª ed., Almedina, 2006, p. 419), não se vislumbrando ter cabimento, senão neste dispositivo normativo, a pretensão deduzida pelo réu reconvinte, não se alcançando existir o invocado erro de interpretação pretendido assacar ao Tribunal recorrido.

Mas, também na perspetiva da segunda parte da alínea a) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC não se mostra preenchido o pressuposto legal aí enunciado, não se encontrando a mencionada forte conexão entre o pedido das autoras e o formulado na alínea c) do dispositivo da contestação pelos réus: A invocação do réu reconvinte não se dirige a esgrimir como meio de defesa um facto ou acto jurídico que possa reduzir, modificar ou extinguir o pedido formulado pelo autor, sendo que, como se viu, foi aliás deduzida para a hipótese de tal pretensão das autoras proceder.

Ou seja: O pedido formulado pelo réu reconvinte não se inscreve no facto jurídico que serve de fundamento à defesa, pressupondo, antes, que a defesa sustentada na contestação decai ou é julgada improcedente.

Não ocorre, pois, relativamente à decisão recorrida, o invocado erro de aplicação deste normativo.

Em conformidade com o exposto, é de concluir que, tal como decidido em 1.ª instância, não se verificam os pressupostos para que a pretensão reconvencional constante da mencionada alínea c) do dispositivo da contestação seja admissível."


[MTS]