“Da inadmissibilidade do meio processual utilizado pelas AutorasVeio a Ré X – Rede Eléctrica ..., S.A.”, na sua contestação (fls. 11 e ss.) invocar a inadmissibilidade de propositura da presente acção judicial, ao abrigo do disposto no artigo 38º do Decreto-Lei n.º 43335, de 19 de Novembro de 1960, por estar em curso a realização de arbitragem requerida pela Ré X, à Direcção de Energia e Geologia, nos termos e para os efeitos previstos para o número 2 daquele artigo.
Notificadas, na sequência dos despachos proferidos a 17.01.2021 (fls. 275) e 30.06.2021 (fls. 284) para se pronunciarem sobre a matéria de excepção em apreço, as Autoras nada disseram.
Resulta do teor da certidão do procedimento de arbitragem junta aos autos no dia 14 de Junho de 2021 (fls. 285 e ss. dos autos) pela Direcção-Geral de Energia e Geologia que:
- Por requerimento datado de 30 de Maio de 2016, remetido pela X – Rede Eléctrica ..., S.A. ao Sr. Director Geral de Energia e Geologia, foi requerida arbitragem, a realizar após a conclusão dos trabalhos, para fixação do valor da indemnização a liquidar a R. N. e a M. N., na qualidade de comproprietárias do …Prédio n.º .. – Terreno rústico, com aptidão e uso florestal, localizado em tapada, na freguesia de ..., do concelho de ..., compreendido entre os apoios nºs 34 e 35, onde será constituída uma faixa de protecção de 2319m2 em terreno com inclinação compreendida entre 10% e 15%, ocupado com povoamento de eucaliptos 2º corte de regeneração natural, com algumas falhas, contabilizando-se vários eucaliptos com (Diâmetro à Altura do Peito) DAP entre 10 e 20.
- Foi remetida pela Direcção-Geral de Energia e Geologia, a R. N. e a M. N., a carta subscrita pela Sr.ª Directora dos Serviços de Energia Eléctrica, datada de 17 de Junho de 2016, cujo teor se reproduz a fls. 294 dos presentes autos, onde, entre outras coisas, se deu conta de que foi requerida pela X – Rede Eléctrica ..., S.A. a arbitragem destinada a fixar a indemnização a satisfazer pelos prejuízos causados com a instalação da linha aérea Terras Altas de ... – ..., para a futura subestação de ...… no prédio mencionado no parágrafo anterior, e solicitando que indicassem …nome e morada do árbitro que representará V. Ex. na respectiva Comissão Arbitral.
- Por carta registada com A/R, datada de 14 de Julho de 2016, subscrita por M. C., na qualidade de Procuradora de R. N. e M. N., remetida à Direcção-Geral de Energia e Geologia, com o teor que se reproduz a fls. 188 dos presentes autos, foi, entras coisas: negada a existência de Convenção de Arbitragem entre as partes; invocada …a nulidade da mesma V/ “Convenção de Arbitragem” nos termos e para os efeitos da legislação aplicável, nomeadamente nos do artigo 3º da Lei n.º 63/2011 de 14 de Dezembro (…); declarado que …em face do exposto, não indicaremos Árbitro algum para a V/ Comissão Arbitral (…); e que …iremos, isso sim, intentar Acção Judicial no respectivo Tribunal Estadual.
Entre as normas jurídicas aplicáveis à questão em apreço temos, em primeira linha, o artigo 38º do Decreto-Lei n.º 43335, de 19 de Novembro de 1960, com o seguinte teor:
O valor das indemnizações será determinado de comum acordo entre as duas partes e, na falta de acordo, poderá ser fixado por arbitragem, desde que assim o requeira um dos interessados. (…)§ 2.º O requerimento solicitando a arbitragem impede a propositura de acção nos tribunais competentes sobre o objecto dela, mas a arbitragem não terá lugar se, quando for requerida, já houver acção pendente acerca do mesmo objecto.
A norma em apreço encontra-se integrada no DL n.º 43335 de 19.11.1960, regulador da Lei n.º 2002 de 26.12.1944 que definiu a doutrina dentro da qual se enquadra a execução da política nacional de electrificação.
Como anuncia o preâmbulo do DL n.º 43335, prevê-se a imposição aos proprietários, com algumas restrições, o dever de suportar a servidão de passagem das linhas, mediante justa indemnização dos prejuízos causados.
O supracitado artigo 38º do DL n.º 43335 é claro quando determina a realização da arbitragem …na falta de acordo (…) desde que assim requeira um dos interessados… (sublinhados meus).
Aí se prevê também (cfr. § 2.º) que a mera apresentação daquele requerimento por um dos interessados, … solicitando a arbitragem impede a propositura de acção nos tribunais competentes sobre o objecto dela (sublinhados meus).
Isto significa que estamos perante um procedimento legal de arbitragem que se realiza na falta de acordo das partes, a requerimento de apenas uma delas, contrariamente à Convenção de arbitragem que constitui acordo voluntário prévio, sujeito a forma escrita, pelo qual as partes acordam entre si sujeitar a apreciação de determinado litígio a um ou vários (em número ímpar) árbitros independentes e imparciais (cfr. artigos 1º, 2º, 8º e 9º da Lei da Arbitragem Voluntária – Lei n.º 63/2011 de 14 de Dezembro).
A arbitragem prevista pelo artigo 38º do DL 43335 de 19.11.1960, requerida pela X, é uma arbitragem decorrente de lei especial que, como a própria norma prevê, se despoleta a impulso de um dos interessados, distinta do regime jurídico da Lei da Arbitragem Voluntária – Lei n.º 63/2011 de 14 de Dezembro, pelo que R. N. e M. N. não encontram respaldo no artigo 3º da mesma L.A.V. para oporem nulidade, por falta de acordo, ao procedimento de arbitragem em curso na Direcção-Geral de Energia e Geologia.
O entendimento acabado de apresentar não é inédito, tendo sido sufragado pelo douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11.12.2018, relatado pelo Juiz Desembargador Moreira do Carmo no processo n.º 6500/16.3T8VIS.C1 (in www.dgsi.pt), sumariado pelo seu relator nos seguintes termos: (…)
2. No tocante a servidões administrativas de linhas eléctricas e atribuição da respectiva indemnização mantêm-se em vigor as disposições do DL 43.335, de 19.11.1960, designadamente o seu art. 37º.
3. Em caso de desacordo sobre o montante a atribuir o art. 38º do mesmo DL faculta aos interessados recurso a arbitragem.
4. Requerida a arbitragem, fica impedida a propositura de acção nos tribunais sobre o objecto dela, assim como a arbitragem não terá lugar se, quando for requerida, já houver acção pendente acerca do mesmo objecto.
5. O requerimento para a arbitragem apresentado por um interessado à DGEG (Direcção Geral de Energia e Geologia) dá início ao processo arbitral, a ser conduzido por tal entidade, não sendo obrigatório a prévia concordância do outro interessado(s) ou prévia notificação ao mesmo(s). [...]
Razões pelas quais se entende que, face ao preceito legal do § 2.º do artigo 38º do Decreto-Lei n.º 43335 de 19.11.1960, as Autoras estão impedidas de propor a presente acção judicial, por força da precedência do procedimento de arbitragem requerido pela X à Direcção Geral de Energia e Geologia.
Deste modo, a propositura da presente acção comum declarativa constitui meio processual vedado por lei às Autoras para fazerem valer o direito indemnizatório alegadamente titulado.
Termos em que, declaro verificada a excepção dilatória inominada da inadmissibilidade do meio processual utilizado pelas Autoras para fazerem valer o direito fundado na factualidade que constitui a causa de pedir da presente acção, absolvendo as Rés da instância (cfr. artigos 576º, n.º 2, 577º e 578º, todos do CPC).Custas pelas Autoras, sem prejuízo de eventual benefício de apoio judiciário.
Registe e notifique”.
Art. 38.º
O valor das indemnizações será determinado de comum acordo entre as duas partes e, na falta de acordo, poderá ser fixado por arbitragem, desde que assim o requeira um dos interessados.§ 1.º A faculdade de requerer a arbitragem cessa um ano depois da data em que tiver sido efectuada pela fiscalização do Governo a primeira vistoria das linhas referidas no artigo anterior.§ 2.º O requerimento solicitando a arbitragem impede a propositura de acção nos tribunais competentes sobre o objecto dela, mas a arbitragem não terá lugar se, quando for requerida, já houver acção pendente acerca do mesmo objecto.
[MTS]