1. Um recente acórdão da RL (de 10/11/2022 (1000/22.5T8OER.L1-2)) confronta-se com a interpretação da nova redacção do art. 1437.º, n.º 1, CC. Segundo o sumário do referido acórdão, nele defendeu-se que:
I - São da responsabilidade do condomínio – por força do art. 492/1 do CC ou, provado que este tem a coisa em seu poder, com o poder de a vigiar, por força do art. 493/1 do CC - os danos em bens de terceiro que advém da falta de conservação das partes comuns, excepto se se provar que essas partes comuns estão afectadas ao uso exclusivo de um condómino e o estado delas for imputável a esse condómino, caso em que é este o único responsável (art. 1424/6 do CC).II - A acção a pedir aquela responsabilidade deve ser intentada contra o Condomínio representado pelo administrador (art. 1437/1 do CC).
2. Qual é o problema que este sumário levanta? Muito simplesmente este: o n.º II do sumário corresponde apenas a metade do disposto no art. 1437.º, n.º 1, CC, porque este preceito estabelece (na nova redacção) o seguinte: "O condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele".
-- Ou a acção é proposta contra o condomínio (parte) representada pelo administrador (representante);
-- Ou a acção é proposta contra o administrador em nome do condomínio, sendo neste caso o administrador o substituto processual (ou seja, a parte presente em juízo) e o condomínio a parte substituída (isto é, a parte não presente em juízo).
Na verdade, um representante que demanda ou é demandado é uma impossibilidade processual e um representante que demandada ou é demandado em nome de outrem é um substituto processual. Lembre-se a lição elementar de Castro Mendes: "Estando a parte representada, parte é o representado, e não o representante. Se A propõe contra B uma acção como tutor de C, partes são C e B" (Castro Mendes, Direito Processual Civil II (1987), 7; a afirmação é naturalmente mantida em Castro Mendes/Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil I (2022), 286).
Efectivamente, o representante de uma pessoa singular ou colectiva nunca pode ser parte, razão pela qual também nunca pode vir a ser demandante ou demandado e, consequentemente, também nunca pode vir a ser absolvido (da instância ou do pedido) ou condenado: numa situação de representação, quem pode ser absolvido ou condenado é apenas o representado. Simetricamente, quem é parte nunca pode ser representante. Em suma: a qualidade de parte e a de representante nunca podem estar reunidas numa mesma pessoa ou entidade.
É por isso que, como se afirmou no referido comentário, há que escolher entre aplicar apenas a primeira ou apenas a segunda parte do disposto no n.º 1 do art. 1437.º CC. Afirmar que, como resulta da sua primeira parte, o condomínio é um demandante ou demandado representado pelo administrador e que, como decorre da sua segunda metade, este representante deve demandar e ser demandado em nome daquele condomínio é não só uma impossibilidade processual (o representante nunca pode demandar ou ser demandado), como, a ser tomado à letra o preceito, significa que se constitui um litisconsórcio necessário (!) entre o condomínio demandante ou demandado e o administrador igualmente demandante ou demandado.
Como é que a RL aplicou o n.º 1 do art. 1437.º CC? A resposta é clara: aplicando a primeira metade do preceito e ignorando a sua segunda metade. Importa referir que, no caso concreto, a RL aceitou a legitimidade passiva do administrador na acção de indemnização, mas não -- note-se -- com fundamento na segunda metade do art. 1437.º, n,º 1, CC, mas antes com base no estabelecido nos art. 492.º, n.º 2, e 493.º, n.º 1, CC.
4. Aparentemente, está a prevalecer na jurisprudência uma interpretação que aplica a primeira parte do art. 1437.º, n.º 1, CC e "esquece" a segunda. Como já se disse. talvez não seja a solução preferível, mas, ao menos, consegue-se encontrar -- é verdade que à custa de uma ab-rogação de metade do preceito -- um campo de aplicação possível para o incompreensível n.º 1 do art. 1437.º CC.