Citação; Reino Unido;
Reg. 1393/2007; Brexit*
I – Residindo o citado no estrangeiro, só há lugar a citação por carta rogatória, quando a parte seja de nacionalidade estrangeira, ou, quando sendo de nacionalidade portuguesa, não seja viável o recurso à citação por via consular, nos termos do artigo 239º, nº 3, do CPCivil.
II – Sendo a parte de nacionalidade portuguesa e residente em país estrangeiro, não sendo viável a sua citação através dos serviços consulares, deve ser citada por carta rogatória.
III – O uso indevido da citação edital, configura verdadeira falta de citação, sendo equiparado à completa omissão do ato.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"O apelante alegou que “A Sra. Agente de Execução tendo tido conhecimento do motivo da frustração da citação da Executada não requereu a citação pessoal da Executada por carta rogatória remetida diretamente à Justiça Inglesa através da Autoridade Central”.
Assim, concluiu que “Na falta de tal informação, cumpriu-se a citação edital da Executada, com violação do disposto no nº 3, do artigo 239º do CPC”.
Vejamos a questão.
É nulo tudo o que se processe depois da petição inicial, salvando-se apenas esta, quando o réu não tenha sido citado – art. 187º, al. a), do CPCivil.
Há falta de citação, quando se tenha empregado indevidamente a citação edital e, quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável – art. 188º, nº 1, als. c) e), do CPCivil.
Fora dos casos previstos no artigo anterior, a nulidade só pode ser invocada pelo interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do ato – art. 197º, nº 1, do CPCivil.
A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender; emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa – art. 219º, nº 1, do CPCivil.
Quando o réu resida no estrangeiro, observa-se o que estiver estipulado nos tratados e convenções internacionais – art. 239º, nº 1, do CPCivil.
Na falta de tratado ou convenção, a citação é feita por via postal, em carta registada com aviso de receção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais – art. 239º, nº 2, do CPCivil.
Se não for possível ou se frustrar a citação por via postal, procede-se à citação por intermédio do consulado português mais próximo, se o réu for português; sendo estrangeiro, ou não sendo viável o recurso ao consulado, realiza-se a citação por carta rogatória, ouvido o autor – art. 239º, nº 3, do CPCivil.
Estando o citando ausente em parte incerta, procede-se à sua citação edital, averiguando-se previamente a última residência daquele em território português e procedendo-se às diligências a que se refere o artigo 236.º – art. 239º, nº 4, do CPCivil.
A citação edital determinada pela incerteza do lugar em que o citando se encontra é feita por afixação de edital, seguida da publicação de anúncio em página informática de acesso público, em termos a regulamentar por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça – art. 240º, nº 1, do CPCivil.
Se a execução correr à revelia, pode o executado invocar, a todo o tempo, algum dos fundamentos previstos na alínea e) do artigo 696.º – art. 851º, nº 1, do CPCivil.
Não sendo possível a citação pessoal, nada impede que se proceda à sua citação edital, assim se mostrem reunidos os requisitos previstos na lei processual para esta modalidade de citação, que é sempre um último recurso depois de esgotadas todas as outras hipóteses de citação.
A regra geral é que a citação de réu residente em país estrangeiro se faz pelo correio em carta registada com aviso de receção (art. 244º)[---].
Quando o réu resida no estrangeiro, há que ter em conta as especialidades constantes do art. 239: primeiro, são observados os tratados e convenções internacionais, bem como os regulamentos comunitários; depois, faz-se a citação por via postal, com aplicação das determinações do regulamento local dos serviços postais; se ela se frustrar, recorre-se ao consulado português, se o réu for português e tal for viável, e expede-se carta rogatória nos restantes casos [---].
Cabe à secretaria, oficiosamente (art. 226-1), promover a citação por intermédio do consulado, quando o citando seja português, salvo se tal não for inviável, e a expedição de carta rogatória (após a audição do autor) quando a citação pelo consulado for inviável ou o citando não tiver a nacionalidade portuguesa[---].
Admitido o recurso às entidades consulares, deve ser remetida carta precatória, assinada pelo juiz (arts. 172º, nº 1 e 174º), com as indicações estritamente necessárias a satisfazer o formalismo legal da citação, sem descurar a indicação do prazo de contestação, acrescido do prazo ditatório [---].
Quando o citando seja desconhecido quer no lugar indicado, quer na área até onde podem alcançar as investigações do cônsul, ou seja conhecido, mas se ignore o seu paradeiro,…, deve o juiz, sem mais diligências nem delongas, mandar proceder logo à citação edital com o fundamento de ausência em parte incerta [---].
Reportando-nos aos autos, verifica-se que a citação após penhora da executada, M… na morada indicada pelo exequente no requerimento executivo resultou infrutífera (factos nºs 1 e 2).
Estando ausente em parte incerta e, por consultas nas bases de dados, averiguou-se que a executada, M… residia em país estrangeiro, mais concretamente, no Reino Unido (facto nº 3).
Assim sendo, residindo a executada, M… em país estrangeiro, a sua citação devia obedecer ao estatuído no art. 239º, do CPCivil.
Num primeiro momento, a citação foi feita por via postal, em carta registada com aviso de receção, o qual não foi devolvido, apesar da informação de que “a carta enviada para citação foi entregue” (factos nºs 4 e 10).
Na sequência, o tribunal a quo entendeu que “a junção do aviso de receção constitui pressuposto da efetivação da citação”, pelo que, não estando o mesmo junto aos autos, considerou “a executada M… não citada”, e ordenou a sua citação, através do Consulado (facto nº 13).
Solicitada, por via consular a citação da executada, a mesma também resultou infrutífera, pois a convocatória que lhe foi remetida pelo Consulado-Geral Português, foi devolvida com a indicação “not at this address” (factos nºs 14 e 15).
O Consulado-Geral Português informou ainda que “não foi possível dar cumprimento à citação requerida, uma vez que tal está dependente da vinda voluntária da interessada a este Consulado-Geral. Sugere-se que o processo seja conduzido por carta rogatória, remetida diretamente à justiça inglesa, via autoridade central” (facto nº 16).
O cônsul fará ou mandará fazer a citação por funcionário do consulado, tal como se fosse efetuada em Portugal pelo oficial de diligências do respetivo juízo, isto é, com observância das formalidades prescritas nos arts. 242º e 243º, conforme os casos [---].
Se não estiver disposto a deslocar-se para fazer a citação, deve devolver o ofício com o duplicado e dar a informação que o réu se encontra a mais de 50 quilómetros da sede do consulado, pelo que se abstém de o citar. A citação terá nesse caso de ser solicitada à justiça local por oficio rogatório [---].
Vedado o acesso à via postal, por oposição do Estado onde o réu reside, ou verificada a inviabilidade da citação por essa via ou através dos serviços consulares, resta o recurso à via diplomática. Então, ouvido o autor, procede-se à passagem da competente carta rogatória (art. 172º, nº 1), canalizada através dos meios referidos no art. 177º [---].
Em face da informação de que “não foi possível dar cumprimento à citação requerida, uma vez que tal está dependente da vinda voluntária da interessada a este Consulado-Geral”, a citação da executada não se mostrou viável através do recurso aos serviços consulares.
Não se mostrando viável a citação por recurso aos serviços consulares, “a executada deveria ter sido citada por carta rogatória remetida diretamente à Justiça Inglesa” [---].
Isto porque, há que recorrer à citação por carta rogatória, quando sendo o réu de nacionalidade portuguesa, não seja viável o recurso à sua citação por via consular (nº 3, do art. 239º, do CPCivil).
Ora, no caso dos autos, sendo a executada de nacionalidade portuguesa, mas residindo no estrangeiro, não se mostrou viável a sua citação por intermédio do consulado, porquanto a citação estava dependente “da vinda voluntária da interessada ao Consulado-Geral”.
Assim sendo, por não se ter mostrado viável a sua citação por via consular, havia que recorrer à citação por carta rogatória da executada de nacionalidade portuguesa, mas residente no estrangeiro.
Concluindo, sendo a executada de nacionalidade portuguesa, mas residente num país estrangeiro, e não sendo viável a sua citação através dos serviços consulares, deveria ter sido tentada a sua citação por carta rogatória.
Porém, o tribunal a quo, em vez de ordenar a citação da executada portuguesa residente no estrangeiro por carta rogatória, mandou-a citar editalmente (facto nº 17).
Mas, “por consulta às bases de dados (Segurança Social e Identificação Civil), continuava a constar como residência da executada o seguinte endereço: “Martello ….Pevensey Bay” (facto nº 18).
Estando em causa citação de pessoa certa, só depois de esgotadas as possibilidades de operar a citação pessoal - tendo por referência os procedimentos vazados na lei processual para a conseguir - e de se concluir ser impossível a sua realização, por o citando estar ausente em parte incerta, se deverá avançar para as diligências tendentes da citação por via edital [---].
O emprego indevido da citação edital importa falta de citação. É que a citação edital é um meio precário e contingente de chamar o réu a juízo para se defender [---].
Ora, nos autos, não se esgotaram todos os meios para se citar pessoalmente a executada, no caso, pela via de recurso a carta rogatória e, como tal, não se podia concluir pela sua ausência em parte incerta [---].
Só depois de esgotados todos os meios para se obter a citação pessoal da executada, quer por via postal, quer por intermédio do consulado português, quer por carta rogatória, é que o tribunal a quo deveria mandar proceder às diligências para averiguar sobre o seu último paradeiro e, desse modo, caso não fosse conhecido, poder ordenar a sua citação edital.
Assim, nos autos, não foram esgotados todos os meios para se obter a citação pessoal da executada portuguesa residente no estrangeiro, nomeadamente, por meio de carta rogatória, pelo que, não deveria ter sido ordenada a sua citação edital, antes de efetuada tal diligência de citação [---].
Temos, pois, que devendo a executada ser citada por carta rogatória (art. 239º-3, CPCivil), e não o tendo sido, foi empregada indevidamente a citação edital (art. 188º-3-c, CPCivil).
O uso indevido da citação edital, configura verdadeira falta de citação, sendo equiparado à completa omissão do ato [---].
São realidades processuais distintas, constituindo diferentes vícios da citação, a falta e a nulidade desta, sendo também diferente o regime de uma e outra [---].
A falta de citação é de conhecimento oficioso (art. 196) e só se sana com a intervenção do preterido no processo (art. 189), enquanto a nulidade da citação só é, em regra, arguível pelo interessado e dentro do prazo indicado para a contestação, ressalvados os casos de citação edital e de não indicação do prazo para contestar (arts. 191-2 e 196) [---].
A falta de citação gera a nulidade, não só do próprio ato, mas também de tudo o que depois dele se tiver processado. Embora o art. 187 estabeleça que “é nulo tudo o que se processe depois da petição inicial, salvando-se apenas esta”, é óbvio que os atos anteriores à citação (…) não têm se ser abrangidos pela nulidade dum ato que lhes é posterior [---].
O uso indevido da citação edital, configura falta de citação, gerando a nulidade, não só do próprio ato, mas também de tudo o que depois dele se tiver processado.
Portanto o que até esta altura houver sido processado não pode ser atingido pela nulidade posterior da falta de citação; o que se anula é somente o que se processar a partir do momento em que a nulidade ocorre [---]
Concluindo, tendo sido empregada indevidamente a citação edital, há nulidade por falta de citação da executada, pois não se mostraram esgotados todos os meios para sua citação pessoal, v.g., por via de carta rogatória [---].
Termos, em que, deve ser declarado nulo o despacho proferido em 14-10-2020 (o qual deve ser substituído por outro, que determine a citação da executada por carta rogatória, ouvido o exequente), anulando-se os termos subsequentes do processado que dele dependam absolutamente.
Destarte, procedendo, nesta parte, o recurso, há que declarar nula a decisão proferida pelo tribunal a quo (ao ordenar a citação edital da executada)."
*3. [Comentário] Salva a devida consideração, o acórdão esquece um aspecto essencial: dado que a citação deveria ter sido realizada no Reino Unido, havia que ter aplicado, desde o início, não o direito interno, mas o Reg. 1393/2007.
Com efeito, importava ter considerado, desde logo, a vigência do Reg. 1393/2007 e, depois, atender ao disposto no art. 68.º, n.º 1, do Acordo sobre a saída do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (JO L 29, de 31/1/2020), no qual se estabelece o seguinte:
No Reino Unido, bem como nos Estados-Membros em situações que envolvam o Reino Unido, os atos seguintes aplicam-se como se segue:
a) O Regulamento (CE) n.º 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho (---) é aplicável aos atos judiciais e extrajudiciais recebidos para efeitos de citação e notificação antes do termo do período de transição através de um dos seguintes meios:
i) uma entidade requerida,
ii) uma entidade central do Estado em que deva ser efetuada a citação ou notificação, ou
iii) agentes diplomáticos ou consulares, serviços postais ou oficiais de justiça, funcionários ou outras pessoas competentes do Estado requerido, a que se referem os artigos 13.º , 14.º e 15.º desse regulamento; [...]
Segundo o disposto no art. 126.º do referido Acordo, o período de transição estendeu-se até 31/12/2020.
MTS