"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



26/05/2023

Jurisprudência 2022 (191)


Honorários;
injunção; prescrição presuntiva


1. O sumário de RE 13/10/2022 (73036/20.3YIPRT.E1) é o seguinte:

I. Estando aqui em causa a reclamação do pagamento da quantia de € 7687,50 a título de honorários por serviços prestados pelo autor advogado, no âmbito de contrato de mandato celebrado com o réu, é inequívoco que o apelado poderia ter lançado mão de tal procedimento de injunção, como efectivamente o fez;

II. As afirmações feitas pelo réu na oposição no sentido de que não reconhece a existência de tais créditos e que o autor nunca lhe comunicou ou apresentou quaisquer notas de honorários, são incompatíveis com o (presumido) pagamento dos honorários e impedem que o mesmo beneficie da prescrição a que alude a alínea c) do art.º 317º do Cód. Civil.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Reitera o apelante o seu entendimento de que o crédito em apreço prescreveu nos termos do disposto na alínea c) do artº 317º do Cód. Civil que assim dispõe:

“Prescrevem no prazo de dois anos:
a) (…);
b) (…)
c) Os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais e pelo reembolso das despesas correspondentes."

Sucede que tal prazo de prescrição, ao contrário do que sucede com a prescrição ordinária, funda-se na presunção de cumprimento: trata-se de uma prescrição presuntiva – art.º 312º do Cód. Civil.

O efeito da prescrição presuntiva não é, propriamente, a extinção da obrigação, mas antes a inversão do ónus da prova que deixa de onerar o devedor que, por isso, não tem de provar o pagamento, para ficar a cargo do credor, que terá de demonstrar o não pagamento.

Poréma elisão da presunção pode também ter lugar mediante confissão expressa do devedor ou tácita traduzida na prática em juízo de actos incompatíveis com a presunção de cumprimento – artºs 313º e 314º do Cód.Civil.

“É o que manifestamente acontece – diz Joaquim de Sousa Ribeiro – quando o réu, para além de excepcionar por prescrição, impugna também directamente os factos constitutivos do direito do autor, negando a existência, em si mesmo ou no seu montante, ou a validade do débito. Assim procedendo, ele está a reconhecer implicitamente que o crédito não foi satisfeito, uma vez que o cumprimento pressupõe, como é óbvio, a existência e eficácia de um vínculo obrigacional que o torne exigível.

Estão, assim, em absoluto contraste com a presunção de cumprimento meios de defesa tais como: a negação da originária existência do débito; a discussão do seu montante, ou a remissão da sua fixação para o tribunal; a invocação de uma causa de nulidade ou anulabilidade; a contestação da solidariedade da dívida, reivindicando o benefício da divisão; a alegação do pagamento de importância inferior à reclamada, pretextando que ele corresponde à liquidação integral do débito (o que vale por um reconhecimento tácito de não ter pago a diferença); a invocação da gratuitidade dos serviços, etc. […] O mesmo se passa, segundo cremos, quando ele, invocando embora o decurso do prazo prescricional, não se coíbe de especificar uma outra causa exoneratória incompatível com aquela presunção.

[…S]endo o cumprimento incompatível com a verificação cumulativa de outra qualquer causa extintiva, a simples invocação de uma delas vale como reconhecimento tácito de que tal acto não foi levado a cabo. Alegando a extinção por um processo que, por mera indução lógica, exclui o cumprimento, o devedor fornece prova segura, insusceptível de qualquer manipulação – provém dele próprio, e resulta de um acto processual – de que, contra o que se presumia, aquele não efectuou a prestação a seu cargo […]” (Prescrições presuntivas…, publicado na Revista de direito e economia, Ano V, n.º 2, Julho/Dezembro de 1979, Universidade de Coimbra, págs. 397-398 e 401; no mesmo sentido, por exemplo, Brandão Proença, no Comentário ao CC, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, págs. 761-762; Rita Canas da Silva, no CC anotado, vol. I, 2017, Almedina, págs. 384-385)”. [Apud Ac. Rel. Lisboa de 11.7.2019 consultável na Base de Dados do IGFEJ.]

Lendo a oposição do apelante logo se constata estar aí completamente arredada a hipótese de ter ocorrido o pagamento peticionado (ou qualquer outro): afirma-se desde logo que “não se reconhecem existir” tais créditos (art.º 2º) e que o apelado “nunca comunicou nem apresentou, ao Requerido, quaisquer notas de honorários” (art.º 6º).

Estas afirmações, porque incompatíveis com o (presumido) pagamento dos honorários, impedem que o apelante beneficie de tal prescrição presuntiva.

E, por isso, a sua pretensão de a ver proceder não tem, também, qualquer fundamento."


*3. [Comentário] A RE decidiu bem.

Talvez possa causar algumas dúvidas a circunstância de o requerente ter instaurado o requerimento de injunção sem que o requerido (e alegado devedor) tenha sido anteriormente interpelado para cumprir. As dúvidas são desfeitas, no que se refere à interpelação para o cumprimento, pelo disposto no art. 805.º, n.º 1, CC, e, no que respeita às custas, pelo estabelecido no art. art. 535.º, n.º 2, al. b), CPC.

MTS