1. O sumário de RE 13/10/2022 (83572/21.9YIPRT.E1) é o seguinte:
Dispõe o artigo 847.º do C.C. que:
«1- Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:
a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção, perentória ou dilatória, de direito material;
b) Terem as duas obrigações por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
2- Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente.
3- A iliquidez da dívida não impede a compensação.»
Entendeu o tribunal a quo que a Ré não tem direito a ver compensado esse valor de 995 euros por não ter deduzido reconvenção, limitando-se a invocar a compensação a título de exceção do direito de crédito da A..
Lê-se na sentença:
“[a]pós a alteração do Código de Processo Civil introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26-6, deixou de ser possível ao R. invocar a compensação de créditos por via da mera exceção ao direito de crédito invocado pelo A. Após essa alteração do Código, para obter essa compensação de créditos o R. terá de deduzir pedido reconvencional em que solicite o reconhecimento do seu crédito.
Na verdade, passou a estar previsto no artigo 266.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil, que: A reconvenção é admissível nos seguintes casos: Quando o R. pretender o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.»
Posição que não subscrevemos.
Seguindo de perto a fundamentação do AC. TRC de 26-02-2019, Proc. n.º 2128/18.1YIPRT.C1, in www.dgsi.pt:
“A questão de saber se a compensação tem, ou não, de ser invocada sempre via reconvencional, ao abrigo do anterior artigo 274.º, n.º 2, alínea b) e atual artigo 266.º, n.º 2, alínea c), do CPC tem sido abundantemente abordada na doutrina e na jurisprudência, constituindo uma vexata quaestio com dilucidações, essencial ou circunstancialmente, díspares.
Descortinam-se três orientações.
A primeira que entende que a compensação, quer exceda ou não o contra crédito, apenas pode ser invocada via reconvenção.
A segunda que pugna que o artigo 266.º, n.º 2, alínea c), apenas rege para os casos em que o réu se proponha ver reconhecida a compensação nos autos e não já para os casos em que ela foi anteriormente reconhecida, quer judicialmente, quer extrajudicialmente por declaração do compensante ao compensário.
Finalmente a terceira que defende que o citado segmento normativo atribui ao compensante uma mera faculdade de usar a reconvenção para fazer operar a compensação, podendo, assim, invocá-la por via excetiva – cfr. para maiores desenvolvimentos, os arestos citados pelas partes, a saber: o Ac. da RG de 22.06.2017, proc. n.º 69039/16.0YIPRT.G1 e o Ac. da RC de 18.1.2018, proc. n.º 12373/17.1YIPRT-A.C1 e a basta doutrina e jurisprudência neles citadas.»
Aderimos à terceira tese.
A compensação assume-se, substantiva e adjetivamente, como figura jurídica diferenciada e autónoma sem estar condicionada por outras figuras ou institutos.
Por isso, assume-se como exceção perentória que pode obstar ao direito da contraparte, constituindo um meio de extinção das obrigações – cfr. artigo 847.º e seguintes do CC. E, desse modo, pode ser invocada em sede de contestação – artigo 571.º, n.º 1, do CPC.
Não havendo qualquer razão para, nos casos em que o valor da compensação não excede o contra crédito, obrigar o compensante a invocar a compensação apenas por via reconvencional.
Dispõe o artigo 266.º, n.º 2, alínea c), do CPC, que:
«2 - A reconvenção é admissível nos seguintes casos: (…)
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor»
A lei processual – artigo 266.º, nº 2, alínea c), do CPC – não impõe que a compensação só possa ser feita valer em reconvenção, mas sim que esta reconvenção é admissível quando se pretenda invocar a compensação – cfr. Lebre de Freitas in “A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 4ª ed., págs. 145 e seguintes.
A não se entender assim, inexistindo reconvenção em certo tipo de ações, como no presente caso, ao réu estaria vedada a invocação da compensação.
Com todos os inconvenientes decorrentes da necessidade de instaurar uma nova ação, autónoma, para proteção do seu direito, com a consequência de uma decisão tardia, em total contradição com o propósito legal subjacente ao D-L n.º 269/98, de 01.09 e respetivo Anexo, no qual dimana a existência de apenas dois articulados, requerimento e oposição; deduzida esta, o processo é remetido à distribuição, sendo que, na ação, saneado o processo, a causa segue logo para julgamento – artigos 1.º do D-L e 16.º e 17.º do Anexo.
Neste sentido os Acórdãos, todos in www.dgsi.pt:
- Ac. do STJ de 18-10-2016, Proc. 6271/08.7TBBRG.P1.S1:
«A compensação baseia-se na conveniência de evitar pagamentos recíprocos quando o devedor tem, por sua vez, um crédito contra o seu credor, e, ainda, em se julgar equitativo que se não obrigue a cumprir aquele que é, ao mesmo tempo, credor do seu credor, uma vez que o seu crédito ficaria sujeito ao risco de não ser integralmente satisfeito, se entretanto se desse a insolvência da outra parte».
- Ac. do TRG de 01-07-2021, Proc. 37601/20.2YIPRT.G1:
«1. No artigo 10.º, nºs 2 e 4, do D-L n.º 62/2013 teve-se em conta o valor do pedido inicial para definir o tipo de processo adequado para a discussão da causa.
2. Tal como as ações sumaríssimas não comportavam reconvenção, as ações especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias de valor inferior à metade da alçada da Relação também a não comportam, porque a sua estrutura o não permite.
3. Violaria o normal o direito de defesa negar a uma parte, numa ação declarativa, a possibilidade de invocar a extinção do direito que lhe é exigido (nomeadamente por já ter exercido a compensação).
4. O artigo 299.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil apenas se debruça sobre o modo como pode ser deduzida a compensação em sede de processo comum, visto que não pode ter querido impedir que os Réus de ações especiais com apenas dois articulados se defendessem com a invocação dessa exceção perentória.
5. Nestas ações apenas com dois articulados, em que se incluem as ações especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias, é admissível ao demandado defender-se com a invocação da compensação, enquanto exceção perentória ao direito que lhe é exigido, mas não pode deduzir reconvenção para que se conheça da parte do crédito que eventualmente exceda tal montante.»
- Ac. do STJ de 14-12-2021, Proc. 107694/20.2YIPRT.S1
«1. A compensação de créditos depende da verificação dos requisitos previstos no artigo 847.º do Código Civil e, eficazmente invocada pelo devedor-credor, produz os mesmos efeitos do cumprimento, dando lugar, quando provada, à absolvição do pedido, assim constituindo uma exceção perentória, nos termos do artigo 576.º, n.º 3, do CPC.
2. O artigo 266.º, n.º 2, alínea c), do CPC não impõe que a invocação da compensação de créditos tenha de ser sempre feita através de reconvenção, apenas referindo que a compensação é admissível como fundamento da reconvenção, mas não que a compensação só possa ser feita valer por esse meio.»
Assim, importa julgar procedente tal questão do recurso, devendo a dívida da Ré à A. ser compensada e diminuída no montante comprovado do crédito desta, de € 995,00.
-- Os meios processuais definidos no CPC para o exercício de um direito não são meras indicações que as partes podem deixar de cumprir;
-- Não é verdade que a reconvenção não seja admissível nas AECOPs; o disposto no art. 266.º CPC consta da parte geral e é aplicável, por isso, a qualquer processo;
-- A admissibilidade da dedução da compensação por via de excepção (e não por via de reconvenção) retira ao autor reconvindo a possibilidade do exercício do contraditório em articulado próprio (art. 584.º, n.º 1, CPC), criando uma situação de desigualdade entre as partes; trata-se, por isso, de uma solução ilegal e até inconstitucional;
-- A situação referida no item anterior é tanto mais grave quanto é a demandada que, escolhendo a via da excepção peremptória, obsta a que a autora possa apresentar uma defesa em articulado próprio, originando, quanto ao exercício do contraditório, uma situação de desigualdade entre o crédito da autora e o seu próprio contracrédito.
b) Se a RE entendia não dever prejudicar a demandada, bastar-lhe-ia ter utilizado o disposto no art. 193.º, n.º 3, CPC e convolado a dedução de excepção peremptória em reconvenção. Aliás, com esta atitude não só não tinha prejudicado a demandada, como tinha dado a oportunidade à autora de se defender por escrito, evitando, assim, violar o princípio da igualdade das partes (art. 4.º CPC).
MTS