“[u]ma vez que a sentença de habilitação já há muito se mostra transitada em julgado, procedem, assim, os argumentos da ré no sentido em que a respetiva habilitação nos autos para prosseguir a demanda do lado ativo, por virtude do falecimento do primitivo coautor, configura uma situação de impossibilidade superveniente da presente lide que, nos termos do disposto no artigo 277.º, alínea e), do CPC conduz à extinção da instância, que será declarada.
Por fim, resta referir que, contrariamente ao argumentado pela autora, presentemente, isto é, encontrando-se já a ré habilitada do lado ativo da ação, em substituição do primitivo coautor, os presentes autos nunca poderiam seguir os seus termos apenas com a autora do lado ativo, pois que a situação em litígio configura um caso de litisconsórcio necessário ativo, e não um caso de litisconsórcio voluntário como agora alegado pela autora.
Com efeito, dispõe o n.º 1 do artigo 34.º do CPC que devem «ser propostas por ambos os cônjuges, ou por um deles com consentimento do outro, as ações de que possa resultar a perda ou a oneração de bens que só por ambos possam ser alienados ou a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos, incluindo as ações que tenham por objeto, direta ou indiretamente, a casa de morada de família.”
Por seu turno, a lei substantiva estabelece que carece do consentimento de ambos os cônjuges, a alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre imóveis próprios ou comuns, salvo se entre eles vigorar o regime da separação (artigo 1682.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Civil).
Ora, a autora e o decesso autor eram casados no regime da comunhão geral de bens, pelo que destinando-se a presente ação ao reconhecimento da aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um bem imóvel, e existindo naturalmente o risco de, na sua improcedência, os autores ficarem sem esse bem no seu património, ação sempre teria de ser proposta – como foi – por ambos os cônjuges, sob pena de preterição de litisconsórcio necessário.»
Vejamos, pois.
A decisão proferida em incidente de habilitação de herdeiros, no apenso D, não constitui caso julgado formal, em relação à questão do prosseguimento ou não da ação de reconhecimento do direito e propriedade para efeitos patrimoniais (artigo 1785.º, n.º 3, do CC) a decidir nestes autos.
Tal decisão limitou-se a julgar como habilitadas para prosseguirem os termos da demanda, as herdeiras do autor (…), no caso, … (Autora) e … (Ré).
Nessa habilitação a Ré (…) surge habilitada do lado ativo apenas como representante da herança indivisa por morte de seu pai, pelo que, a esta herdeira não assiste o direito específico de propriedade sobre o bem em causa reclamado por seu pai, direito que subsiste na titularidade da herança indivisa.
Logo, não há confusão (subjetiva) de direitos e obrigações na sua pessoa, o que só acontece quando na mesma pessoa se reúnem as qualidades de credor e devedor da mesma obrigação, como previsto no artigo 868.º do Código Civil.
A habilitada (…) não alcança do ponto de vista substantivo uma indistinção de posições perante um mesmo objeto.
É certo que a habilitação-incidente prevista nos artigos 351.º e seguintes do Código de Processo Civil implica uma modificação da instância quanto às pessoas (artigo 262.º, alínea a), do CPC), ou seja, provoca a substituição de uma das partes na relação jurídica processual em litígio, pelos seus sucessores. E que, do ponto de vista processual a posição da habilitada (…) coloca-a numa sobreposição de posições processuais aparentemente antagónicas.
Sucede que para além da habilitada (…) há mais uma requerente cujo interesse na ação se mantém intocável. E que no caso é a recorrente/Autora.
No caso concreto, não pode esta ver-se privada de deduzir e defender os direitos que relativamente ao imóvel, lhe possam porventura assistir, se se considerar que a habilitação da Ré (…) gera um quadro de “confusão legalmente inadmissível e que, como tal não pode subsistir”, como ponderou a sentença recorrida.
Atendendo à sempre que possível prevalência do fundo sobre a forma que decorre da filosofia do Código de Processo Civil (cfr. preâmbulo ao D-L n.º 329-A/95, de 12/12), importará questionar se, do ponto de vista substantivo, ou seja, numa apreciação de fundo, se gerou uma situação de impossibilidade superveniente da lide que deva conduzir à extinção da instância, nos termos do disposto no artigo 277.º, alínea e), do CPC.
A resposta que se impõe é negativa. Não se está perante essa impossibilidade de fundo.
Como bem refere a recorrente nas suas conclusões V. a IX.:
“[a] decisão a proferir a final, sendo a ação julgada procedente terá influência na proporção dos quinhões de cada uma das herdeiras. Isto porque reconhecida a usucapião da A. sobre esta figurará uma quota-parte superior pois que o prédio da R. fará parte da herança do dissolvido casal. Ao invés, prevalecendo a tese da decisão recorrida temos que o direito da A. ficará sempre prejudicado na medida em que se vê privada de partilhar o bem que lhe pertence por o ter adquirido por usucapião, conjuntamente com o seu falecido marido. Aqui se centra a questão basilar do presente recurso que assenta em determinar qual o património do dissolvido casal que deverá fazer parte da herança por óbito do falecido A. É que procedendo a presente ação a quota parte da A. é manifestamente superior à da R. que terá apenas direito ao quinhão hereditário em representação de seu pai, pré-falecido.”
Não pode haver impossibilidade ou inutilidade da lide quando a ação continua a ter interesse para uma co-demandante, por ser ainda possível satisfazer-se à pretensão que esta quer fazer valer no processo.
Daí que a jurisprudência venha a afirmar que só ocorre inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, quando a extinção, por confusão, dos direitos e obrigações das partes atinja todos os litigantes – nesse sentido o Acórdão do STJ de 17-11-2021 (Nuno Pinto de Oliveira), proc. n.º 391/17.4T8GMR.G1.S1, in www.dgsi.pt.
Entendimento que tem a nossa concordância.
Assim, tendo presente que a Ré (…) surge habilitada do lado ativo apenas como representante da herança indivisa por morte de seu pai, não como titular do direito subjetivo de que este se arroga, e que a ação continua a ter interesse para a co-demandante (…), não se verifica qualquer confusão de interesses nem impossibilidade que obste ao prosseguimento da lide.
Assim, embora nada haja a objectar a que a acção continue depois do falecimento do Co-autor, talvez se deva entender que a Ré se encontra, natura rerum, impossibilitada de assumir quaisquer poderes de representação da herança indivisa agora co-demandante. O princípio da dualidade das partes e o que talvez possa ser designado como a proibição do "processo consigo mesmo" justificam esta solução.
MTS