Execução fiscal;
oposição; serviços essenciais; competência material
1. O sumário de TConf 1/3/2023 (01301/22.2T8SRE.S1) é o seguinte:
De acordo com a versão do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais resultante da Lei n.º 114/2019, de 12 de Setembro, compete aos Tribunais Judiciais a apreciação de uma oposição a uma execução fiscal destinada a obter a cobrança coerciva de fornecimento de água, saneamento de águas residuais e gestão de resíduos urbanos, por respeitar à prestação de serviços essenciais, na acepção da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"5. Os presentes autos tiveram a sua origem nos Autos de Execução Fiscal n.º ...4, instaurados em 28 de Fevereiro de 2022, para cobrança coerciva de dívidas referentes à prestação de serviços de fornecimento de água, saneamento de águas residuais e gestão de resíduos urbanos (serviços públicos essenciais, cfr. als. a), f) e g) do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho).
Posteriormente, por requerimento de 29 de Março de 2022, a executada veio deduzir, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, oposição ao aludido processo de execução fiscal.
Nos termos do artigo 149.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, “Considera-se, para efeitos do presente Código, órgão da execução fiscal o serviço da administração tributária onde deva legalmente correr a execução ou, quando esta deva correr nos tribunais comuns, o tribunal competente.”
Segundo os n.ºs 1 e 2 do artigo 150.º, “1 - É competente para a execução fiscal a administração tributária. 2 - A instauração e os atos da execução são praticados no órgão da administração tributária designado, mediante despacho, pelo dirigente máximo do serviço.”
De acordo com o disposto no artigo 151.º, “1 - Compete ao tribunal tributário de 1.ª instância da área do domicílio ou sede do devedor originário, depois de ouvido o Ministério Público nos termos do presente Código, decidir os incidentes, os embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da responsabilidade subsidiária, e a reclamação dos atos praticados pelos órgãos da execução fiscal. 2 - O disposto no presente artigo não se aplica quando a execução fiscal deva correr nos tribunais comuns, caso em que cabe a estes tribunais o integral conhecimento das questões referidas no número anterior.”
Finalmente, releva especialmente o disposto no n.º 1 do artigo 103.º da LGT (Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro), que atribui ao “processo de execução fiscal” “natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional.”
Ora, tendo em conta que a presente oposição respeita à execução fiscal requerida contra a executada, considera-se, nomeadamente para o efeito de saber qual é a lei aplicável à determinação da jurisdição competente, que a acção foi proposta em 28 de Fevereiro de 2022, data na qual foi instaurada a execução fiscal. É, portanto, aplicável a versão do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais vigente em 28 de Fevereiro de 2022.
6. Apreciando a questão de saber se a competência para apreciar oposições deduzidas contra execuções fiscais movidas por entidades públicas (ou concessionadas) também destinadas à cobrança de taxas devidas por consumo de água, mas instauradas antes da entrada em vigor da Lei n.º 114/2019, cabia aos Tribunais Judiciais ou aos Tribunais Administrativos e Fiscais, em particular aos Tribunais Tributários, o Tribunal dos Conflitos concluiu no sentido da não aplicação da exclusão hoje contida na al. e) do n.º 4 do artigo 4.º. Entendeu (cfr., a título de exemplo, o acórdão de 20 de Janeiro de 2021, www.dgsi.pt, proc. n.º 1574/20.5T8CSC.S1), em síntese, que tais oposições se inseriam em relações de natureza administrativa, já que um dos seus sujeitos era uma entidade pública que actuava com vista à prossecução de um interesse público cometido por lei e respeitavam à cobrança coerciva de taxas, contrapartida pelos serviços prestados, cujas quantias haviam sido unilateralmente definidas.
Decidiu, assim, que a respectiva apreciação competia à jurisdição administrativa e fiscal (al. d) do n.º 1 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais) e, especificamente, aos tribunais tributários (al. d) do n.º 1 do artigo 49.º, também do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais). No mesmo sentido, cfr. o acórdão de 18 de Janeiro de 2022, www.dgsi.pt, proc. n.º 0443/20.3BEALM.S1 também do Tribunal dos Conflitos.
7. Este Tribunal dos Conflitos também já teve a oportunidade de afirmar que está em causa, nestas situações, “A apreciação de litígios emergentes das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais”, condição necessária à sua inclusão na versão actual da al. e) do n.º 4 do artigo 4.º.
Assim, no acórdão de 13 de Setembro de 2021, www.dgsi.pt, escreveu-se:
“(…) a Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, consagra as regras a que deve obedecer a prestação de serviços públicos essenciais em ordem à proteção do utente. Entre os serviços públicos abrangidos encontra-se o serviço de fornecimento de água (n.º 2, alínea a), do mesmo diploma). Coloca-se então a questão de saber se deve entender-se que, nesta acção, está ou não em causa um litígio correspondente à prestação de serviços públicos essenciais, na acepção da Lei n.º 23/96. Ora, no acórdão de 17 de Fevereiro de 2021 do Supremo Tribunal Administrativo, disponível em www.dgsi.pt, proc. n.º 01685/18.7BEBRG, entendeu-se que «a ligação à rede pública de saneamento, como acto prévio ao serviço a prestar, não assume a qualificação de serviço público essencial, daí não lhe ser aplicável a Lei n.º 23/96, de 26 de Julho» e que «uma coisa é a ligação ao sistema público de saneamento, facturada uma única vez ao utilizador, ocorrida antes do início da utilização, outra, a prestação do serviço de recolha de águas residuais que são facturadas aos utilizadores, de forma periódica (artigo 67.º do Dec. Lei n.º 194/2009, de 20 de Agosto – que estabelece o regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais e de gestão de resíduos urbanos) (…)”.
8. Conclui-se, portanto, que a presente oposição, enquanto se dirige contra a cobrança coerciva de fornecimento de água, saneamento de águas residuais e gestão de resíduos urbanos respeita à prestação de serviços essenciais, na acepção da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho. Não obstante tratar-se do fornecimento por uma entidade pública, no exercício das atribuições que legalmente lhe são deferidas, e estar em causa uma taxa unilateralmente fixada como contrapartida do serviço, a competência para conhecer a oposição encontra-se subtraída à jurisdição administrativa e fiscal pela citada al. e) do n.º 4.º do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que foi acrescentada pela Lei n.º 114/2019, de 12 de Setembro, lei posterior ao n.º 1 do artigo 151.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário.
Compete, portanto, aos Tribunais Judiciais a correspondente apreciação, tendo em conta a respectiva competência residual (n.º 1 do artigo 211º da Constituição e n.º 1 do artigo 40º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, a Lei n.º 62/2013).
Refira-se, ainda, que a competência dos Juízos de Execução previsto no artigo 129.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário se viu ampliada pela Lei n.º 114/2019.
9. Nestes termos, julga-se que a apreciação da presente oposição cabe à Jurisdição dos Tribunais Judiciais; concretamente, ao Juízo de Execução de Soure do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra (n.º 1 do artigo 89.º do Código de Processo Civil)."
[MTS]
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