1. Na aquisição originária, o direito de propriedade é um direito autónomo, um direito independente do direito de propriedade anterior.
Na aquisição derivada, tem de levar-se em conta o direito do transmitente,
o qual influi no direito do adquirente. Os negócios translativos, não criam a
propriedade, apenas a transferem.
2. Na acção de reivindicação cumpre ao A. provar o seu direito por uma de três formas: pela prova de todas as aquisições derivadas percorrendo toda a série de transmissões anteriores à sua até chegar à aquisição originária; pela apresentação de uma certidão do registo predial, já que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define ou, fazendo a prova dos pressupostos de uma das formas de aquisição originária da propriedade imobiliária.
2. No relatório e na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"2. Objeto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art.ºs 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).
No caso, as questões que importa decidir são as seguintes:
A - Da exclusão da protecção dos 2ºs e 3ºs RR. resultante do art.291º do CCivil;
B - Da presunção derivada do registo a favor dos 2º RR. que determina, que a aquisição do direito de propriedade pelo contrato de compra e venda por parte da A. é inoponível aos 3º RR..
3. Fundamentação de facto
São os seguintes os factos que a 1ª instância deu como provados e que não são objecto de recurso pelo que, e não se concluindo pela existência de erro na apreciação da prova considerada pelo tribunal de 1ª instância tendo a fixação dos factos provados feita com base na prova invocada, nem tendo sido detectada qualquer deficiência, que determine a alteração da decisão proferida sobre a decisão de facto nos termos do art.º 662º, nº 1, e nº 2, al. c), 1ª parte, do Código de Processo Civil, consideram-se definitivamente provados:
«1. Mostra-se inscrito na Conservatória do registo Predial a fls 73V do livro …., com o n.ºs …. o lote de terreno para construção, com a área de 269,50 m2, sito no Lugar da …, Freguesia de …, Concelho de …, designado por lote .., inscrito na respetiva matriz sob o artigo …, desanexado do descrito sob o n.º …. a fls. 65v deste livro (cr. Certidão de registo predial de fls. 82v e 83);
2. O AF e mulher ML adquiriram a propriedade do prédio identificado em 1, por escritura pública de divisão de coisa comum de 30/04/1973, realizada no Cartório Notarial de … constante de fls. …, sendo que, a matriz cadastral rústica original era o artigo …, com a área de 40.840m2, designado …, tudo conforme também consta da certidão de teor da descrição do prédio na matriz junta como documento nº 5 e das descrições e inscrições do prédio no registo predial em vigor cuja cópia informativa está junta como documento nº 4 (Docs. 4 e 5 juntos com a PI);
3. Os primeiros réus J e E adquiriram a propriedade do imóvel identificado no ponto 1. por escritura pública de compra e venda de 04/04/1984 realizada no Cartório Notarial de …s constante de fls. 70 do Lº …, pela qual, declararam comprar a AF e ML que declararam vender, o prédio rústico, com a área de duzentos e sessenta e nove metros quadrados e cinquenta centímetros, situado no lugar da … freguesia de .., concelho de …, designado por lote 41, a destacar do prédio rústico inscrito na respetiva matriz sob o artigo … descrito na primeira secção sob o número …, a fls. ., e encontrando-se o prédio registado a favor dos vendedores pela Ap. … com o nº … conforme se pode ver dos documentos nº 3 e nº4 juntos com a PI);
4. Em 10/07/1989, depois de adquirir a parte do rústico a destacar e antes de a vender à aqui Autora, o 1º Réu marido, J, procedeu ao destaque da dita parcela de 269,50m2 a partir do terreno com a área de 40.840m2 inscrito na matriz rústica sob o nº … e,
5. junto do Ministério das Finanças – Direcção- Geral das Contribuições e Impostos, fez uma Declaração para inscrição ou alteração de inscrição de prédios urbanos na matriz pedindo a inscrição na matriz do prédio identificado em 1. (a parcela de 269,50m2) como terreno para construção, até aí inscrito sob parte do rústico artigo …, tudo conforme documento nº 6 junto com a PI);
6. tendo-lhe sido atribuído, ao dito lote de terreno para construção, o número de matriz …, com o que ficou inscrito desde essa altura, conforme a certidão de teor junta como documento nº 7 com a PI), [...]
8. A Autora adquiriu a propriedade do imóvel identificado em 1. por compra aos 1º RR, por escritura pública de compra e venda realizada, no dia 24 de Fevereiro de 1993, no Cartório Notarial de Lisboa, pela qual, os 1ºs Réus declararam vender e a Autora declarou comprar, o lote de terreno para construção, com a área de 269,50m2, sito no Lugar …., Concelho de …., designado por lote 41, inscrito na respetiva matriz sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de …., sob o nº … a fls 73V do livro ., pelo preço de um milhão e quinhentos mil escudos, tudo conforme consta da certidão da escritura de compra e venda, emitida pelo Cartório Notarial de …, extraída do instrumento lavrado no dia 24/02/1993 de fls. …do Livro…, junta como documento nº 2, com a PI. [...]
10. A Autora não procedeu ao registo do prédio junto da Conservatória do Registo Predial competente, apesar de se encontrar inscrito na matriz a seu favor, conforme resulta da certidão de teor junta como documento nº 1. [...]
12. Na posse de uma caderneta predial comprovativa da descrição do prédio na matriz sob o nº … a seu favor, os 1ºs Réus procederam à venda do prédio que indicaram, fisicamente, como sendo o identificado em 1., bem sabendo que não lhes pertencia e que estavam a vender coisa pertencente à A. com base em documentos obtidos com recurso à prestação de falsas declarações perante entidades públicas.
13. No dia 22 de Setembro de 2011, os 1ºs Réus, por escritura pública de compra e venda realizada no Cartório Notarial …, declararam vender o prédio que fisicamente é o identificado em 1., mas objeto de um segundo destaque fictício que foi inscrito na matriz a favor dos 1ºs Réus com o nº … e descrito na primeira conservatória do registo predial … sob o nº …. da freguesia de S…, aos 2ºs Réus, que declararam comprar pelo preço de trinta mil e um euros, tudo conforme documento, junto com o n.º 10 junto com a PI.
14. Neste negócio os 1.ºs RR foram auxiliados pela sua filha que tinha uma imobiliária sita na … nas proximidades do terreno. [...]
17. No dia 20 de Fevereiro de 2016 foi celebrado contrato promessa de compra e venda entre os 2ºs RR e os 3ºs RR … (vide Doc. 1 junto com a contestação dos 2.ºs RR).
18. Através do qual os 2ºs RR prometeram vender aos
3ºs RR, que, por sua vez, prometeram comprar, o prédio urbano - terreno para
construção - com 269,50m2, sito na Rua de …., Lugar da … lote 41, freguesia de
…, concelho de …., descrito na Primeira Conservatória do Registo … sob o número
…. da referida freguesia, pelo preço declarado de €38.000,00 (trinta e oito mil
euros), [...]
21. No dia 12 de Março de 2016 foi celebrado contrato de compra e venda (contrato prometido) entre os 2ºs RR e os 3ºs RR, sobre o identificado prédio urbano (Cfr. Doc. 11 junto com a P.I.). [...]
23. À data da celebração de ambos os contratos (promessa e prometido), o bem imóvel em apreço encontrava-se registado a favor dos 2ºs RR pela apresentação 2884 de 22/09/2011 (conforme doc. 11 junto com a PI); [...]
30. A realização do dito contrato de compra e venda autenticado apenas foi possível porque foi exibida uma caderneta predial, obtida com base num falso destaque e em declarações falsas, para do número P… (anteriormente parte do 748 Secção 41) quando o número verdadeiro de matriz do prédio era o …, matriz essa, inscrita a favor da autora, pois que o prédio lhe pertencia;
31. os 1ºos réus sabiam, sem poder ignorar, que o terreno era pertença da autora porque lho venderam e porque procederam a duas operações de destaque da mesma parcela de terreno a primeira em 10/07/1989 e a segunda em 08/11/2010 conseguiram assim uma duplicação dos elementos matriciais e registrais do mesmo prédio.
32. Até ao mês de Março do ano 2017, a A. não se apercebeu que o prédio que adquiriu foi inscrito na matriz com outro n.º o …. e esteve registado a favor dos 2.ºs RR entre 22/03/2011 e 12/03/2016.
33. Os 2ºs Réus nunca se apresentaram à autora como proprietários do prédio.
34. Os 3ºs Réus são vizinhos do imóvel em causa residindo em imóvel que confronta com o terreno em questão (traseiras), sito na Rua …. [...]
36. Na data da realização da escritura em 24/02/1993, o prédio foi entregue à autora que desde essa data atuou na convicção de ser legitima proprietária e possuidora do terreno;
37. fazendo a A. dele coisa sua, pública, pacificamente e de boa-fé, certa que
não lesava interesses alheios. [...]
39. A Autora chegou a ter o prédio à venda em 2011 por 65.000,00€ na imobiliária ….. Cfr. Contrato junto com req. Ref. 31249032 e a colocar placa a publicitar que o terreno estava à venda em 2010/2011. [...]
49. Os 2ºs RR. estavam convictos da legitima propriedade dos 1ºs RR quando celebraram o contrato de compra e venda com aqueles. [...]
4. Fundamentação de Direito
Conforme se anotou acima, está provado que desde a data da escritura de compra e venda ou seja, desde 24 de Fevereiro de 1993 a A. adquiriu dos 1º RR. a propriedade e posse do imóvel, propriedade e posse que, e conforme resulta da matéria de facto dada como provada, a A. adquiriu por efeito do contrato de compra e venda celebrado com os 1º RR. como, sendo que, só em Março de 2017, veio a ter conhecimento de que os 1º RR. haviam procedido a alienação do mesmo imóvel aos 2º RR e após, estes aos 3º RR. Cfr. Factualidade Provada sob os n.ºs 32, 45, 46 e 47.
Provado ficou que só em Março de 2017, veio a
ter conhecimento de que os 1º RR. haviam procedido a alienação do mesmo imóvel
aos 2º RR e após, estes aos 3ºRR. Preceitua a respeito o art.º 1267º, nº 1, al.
d) do CCivil sob a epígrafe «Perda da Posse»: «1. O
possuidor perde a posse: (…) d) Pela posse de outrem, mesmo contra a vontade do
antigo possuidor, se a nova posse houver durado por mais de um ano.». Esta
perda da posse conta-se desde o início se foi tomada publicamente, ou desde que
é conhecida do esbulhado, se foi tomada ocultamente. Assim, a A. interpôs a
presente acção em 2 de Agosto de 2017 pelo que, antes de decorrido um ano
contado a partir de tal conhecimento.
Anote-se, também, que desde 24 de Fevereiro de
1993, até à data em que os 1º RR. procederam à venda aos 2º RR. -22 de Setembro
de 2011-, decorreram cerca de 18 anos, período de tempo que, se considerarmos a
data da entrada da presente acção em juízo ascende a 24 anos.
Não houve dúvidas que esta segunda venda só foi
possível uma vez que os 1º RR. e 2º RR fizeram constar na mesma um novo número
de inscrição na matriz bem sabendo os 1º RR. que tal prédio já fora objecto de
um destaque e que o prédio pertencia à A.. Veja-se o ponto 15 da matéria de
facto provada.
Verificamos, assim, que o mesmo prédio foi
vendido pelos primitivos proprietários (1º RR.) à A. e, recorrendo a uma nova
inscrição na matriz, como se tratasse de um novo prédio, os 1º RR. lograram
vender o mesmo prédio aos 2º RR. que por sua vez o venderam aos 3º RR.
Resulta, assim, sem margem para dúvidas que,
quando os 1º RR., procederam à venda aos 2º RR., já não eram os proprietários
do imóvel. Não está posta em causa a conclusão de que os 1º RR. ao procederem à
venda do imóvel aos 2º RR. efectivaram uma venda de coisa alheia coisa essa que
haviam validamente vendido à A.. Lograram fazer a segunda venda do mesmo bem,
com base em falsas declarações levadas a registo.
A lei comina com a nulidade a venda de bens
alheios. É o que resulta do disposto no art.º 892º do CCivil. E também não está
em causa que a venda aos 2º RR. foi feita por quem já não era seus
proprietários pelo que, a situação se enquadra no referido art.º 892º,
estando-se pois, perante um negócio nulo. Porém, tal nulidade funciona para as
relações entre vendedor e comprador. Relativamente ao verdadeiro dono da coisa,
a venda é ineficaz, podendo, assim, reivindicar a coisa sem necessidade de
demonstrar a invalidade da venda.
Porém, os apelantes, aqui 3º RR. entendem que a
subsunção jurídica realizada pelo Tribunal “a quo” relativamente
aos factos dados por provados resultou de uma incorrecta interpretação do
artigo 291.º do CC, que determinou a sua não aplicação. Entendem que sendo
terceiros de boa fé a sua situação está protegida pela subsunção a este
normativo.
Vejamos se assim é.
Recordemos o corpo do art.º 291º do C.Civil, sob
a epígrafe «Inoponibilidade da nulidade e da anulação»: «1.
A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens
imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos
sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da
aquisição for anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação ou ao
registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio. 2. Os
direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a acção for proposta e
registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio. 3. É
considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição
desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável.»
Institui este
preceito que não são prejudicados os direitos de terceiros, adquiridos de boa
fé e a título oneroso e que registem a aquisição antes de inscrita qualquer
acção de nulidade ou anulação ou qualquer acordo quanto à validade do negócio
(nº 1), porém esse regime apenas se aplica quando tenham decorrido três anos
sobre a conclusão do negócio.
Conforme escreve Menezes Cordeiro, são três os
requisitos a considerar na aplicação deste regime:
«-um negócio nulo ou anulado;
- um terceiro de boa fé;
- que adquira a título oneroso;
- e sendo decorridos 3 anos sobre a celebração do negócio em causa.
Os terceiros são protegidos por estarem de boa fé e por terem realizado o investimento de confiança: o título oneroso e o decurso de 3 anos atestam-no. Este preceito não se confunde com o art.17/2 do CRP: exige-se, aqui, um registo prévio, nulo ou anulado, não requerido pela lei civil.» Cfr. «Tratado de Direito Civil» II, Almedina, 5ª ed., pág. 939.
Este preceito constitui um desvio ao princípio
geral sobre a nulidade ou anulabilidade consagrado no art.º 289º, quando está
em causa a restituição de bens imóveis ou móveis sujeitos a registo «na
medida em que permite ao titular da inscrição efectuada no registo, embora só a
partir de certo período posterior à conclusão do contrato nulo ou anulável,
fazer prevalecer o seu direito (real)referente ao imóvel ou ao móvel sujeito a
registo, a registo sobre direito relativo à mesma coisa, do beneficiário da nulidade
ou da anulação» Cfr. Antunes Varela, na «Rev. de Legislação e
Jurisprudência», ano 118º, pág.310 e ss., citado in Código Civil Anot.,
Vol.I, Pires de Lima e Antunes Varela, Coimbra Editora, 4ª ed..
Relativamente ao nº 2, não se reconhecem os
direitos de terceiro constituídos sobre as coisas a restituir, mesmo que haja
registo de aquisição anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação, se
esta for proposta e registada dentro do prazo de três anos. Decorrido este
prazo são protegidas as aquisições a título oneroso por terceiro de boa fé, se
o registo da aquisição for anterior ao registo da acção.
Consagra-se, pois, um regime de equilíbrio
entre, por um lado, o interesse que alguém poderá ter na declaração de nulidade
ou na anulação de um negócio jurídico relativo a direitos sobre bens imóveis ou
móveis sujeitos a registo e o interesse que um terceiro, relativamente a esse
negócio, possa ter em não ser prejudicado pelos efeitos dessa declaração de
nulidade ou dessa anulação. Cfr. neste sent. «Código Civil Anotado», Coord. Ana
Prata, 2017, Vol.I, pág. 358.
Relativamente à protecção de terceiros, deste
regime resulta que nem todos os terceiros de boa fé são protegidos, estando
este regime previsto apenas para os terceiros de boa fé que adquiram bens
imóveis ou bens móveis sujeitos a registo e que os tenham adquirido a título
oneroso. Note-se, também, que tais direitos não são protegidos nos três anos
posteriores à conclusão do negócio inválido e, após esses três anos, só o são
se o registo da aquisição do direito de terceiro anteceder o registo da acção
judicial em que se peticione a declaração de nulidade ou a anulação do negócio
inválido ou se anteceder o registo de um eventual acordo a que as partes tenham
chegado sobre a invalidade do negócio. O terceiro de boa fé, há-de ser aquele
que, no momento da aquisição, sem culpa, desconhecia o vício do negócio nulo ou
anulável.
Assim, «…se durante os três primeiros
anos de vida do negócio o terceiro não é protegido; já decorrido que estiver
esse prazo, o mesmo terceiro desde que registe primeiro, vê ser-lhe inoponível
a anulação ou a declaração de nulidade do negócio inválido, conservando este
terceiro o seu direito tal como putativamente o havia adquirido» Cfr.
Ana Prata, ob. Cit. pág.359.
Através deste preceito se hão-de solucionar os
casos de conflito de direitos entre o primeiro adquirente, o verdadeiro
proprietário e o terceiro, subadquirente de boa fé, que desconhecia sem culpa o
vício do negócio.
De acordo com o disposto no art.º 291º, nº 2 do
CCivil, o momento relevante para se aferir da boa fé é o da data da conclusão
do negócio em que interveio o terceiro adquirente (no caso sub judice está em
causa a aquisição dos 3ºs RR.).
Vejamos a esta luz, o caso concreto.
Ambas as partes invocam serem proprietários do
imóvel por terem adquirido mediante escritura pública de compra e venda. Os AA.
por terem adquirido dos proprietários e os 3º RR. por estarem convictos, de boa
fé, que o estavam a adquirir também dos verdadeiros proprietários.
Provado está que ao mesmo prédio e por força das
declarações falsas dos 1º RR., corresponderam duas descrições matriciais duas
descrições prediais do mesmo imóvel.
As primeiras serviram de base ao contrato de
compra e venda efectuado pelos 1º RR com a A. e as segundas, serviram de base à
venda dos 1º RR. aos 2º RR. e, posteriormente, aos 3º RR.
Temos assim duas inscrições na matriz e duas
inscrições na conservatória do registo predial correspondente ao mesmo prédio.
Vale para esta situação, a jurisprudência fixada
no AUJ nº 1/2017, de 23 de Fevereiro de 2016, proc.
1373/06.7TBFLG.G1.S1-A, Diário da República, I Série, nº 38/2017, de 22 de
Fevereiro de 2017, e www.dsgi.pt, no sentido de que «Verificando-se uma dupla descrição, total ou
parcial, do mesmo prédio, nenhum dos titulares registais poderá invocar a seu
favor a presunção que resulta do artigo 7º do Código do Registo Predial,
devendo o conflito ser resolvido com a aplicação exclusiva dos princípios e das
regras de direito substantivo, a não ser que se demonstre a fraude de quem
invoca uma das presunções». Afastado fica assim, o argumento invocado
pelos recorrentes de que o contrato de compra e venda celebrado entre A. e os
1º RR. porque não foi levado ao Registo Predial, não produz efeitos em relação
a si.
Na verdade, a actuação dos 1º RR. gerou uma
situação de dupla descrição no registo predial de um mesmo prédio. Decorre da
jurisprudência do AUJ que verificando-se uma dupla descrição, total ou parcial,
do mesmo prédio, nenhum dos titulares registais poderá invocar a seu favor a
presunção que resulta do artigo 7º do Código do Registo Predial, devendo o
conflito ser resolvido com a aplicação exclusiva dos princípios e das regras de
direito substantivo, a não ser que se demonstre a fraude de quem invoca uma das
presunções.
Como se defendeu no Ac. STJ de 5 de Julho de
2007, www.dgsi.pt, proc. nº 07B1361: «O artigo 291º do Código Civil
aplica-se, pois, às hipóteses em que o interveniente num negócio
substantivamente inválido pretende a respectiva invalidação, mas se vê
confrontado com terceiros (não intervenientes nesse negócio) que adquiriram, de
boa fé e a título oneroso, direitos sobre os bens (imóveis ou móveis sujeitos a
registo) cuja subsistência depende do primeiro negócio. Se esses terceiros
registaram o correspondente acto aquisitivo, a invalidade não lhes é oponível,
salvo se a acção de anulação ou de declaração de nulidade for instaurada e
registada nos três anos posteriores à celebração do primeiro negócio. Entre a
tutela da validade substancial do negócio e da confiança depositada no registo,
o equilíbrio encontrado pela lei foi assim definido».
Aqui, é a
protecção da confiança baseada no registo que justifica o afastamento da
eficácia retroactiva da anulação ou da declaração de nulidade de «negócio
jurídico que respeite a bens imóveis», nos termos previstos do artigo 291º
do Código Civil, ou que permite proteger terceiros de boa fé em caso de
declaração de nulidade do registo (nº 2 do artigo 17º do CRP).
O Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou
por diversas vezes no sentido de que o disposto no artigo 291º do CCivil, que
excepciona dos efeitos retroactivos da declaração de nulidade ou da anulação
certas aquisições inválidas (cfr. nº 1 do artigo 289º do Código Civil),
fazendo-as subsistir, não se aplica em caso de ineficácia do acto, como sucede,
in casu, já que em relação à A. estamos perante uma compra e venda eficaz,
porque efectuada entre os seus verdadeiros proprietários que assumiram a posição
de vendedores sendo as seguintes, relativamente a si, e nesta ordem de ideias,
ineficazes.
Quando os 1ºs RR procederam à venda do mesmo
prédio aos 2ºRR, ou seja, vendendo o imóvel que já tinham validamente alienado
à A., estavam a alienar um imóvel que já não lhes pertencia e, por isso,
estavam a vender coisa alheia, valendo, aqui a jurisprudência dos Ac. de 16 de
Novembro de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 42/2001.C1.S1, de 29 de Março de 2012,
www.dgsi.pt, proc.nº 2442/05.8TBVIS.C1.S1 ou de 1 de Agosto de 2015,
www.dgsi.pt, proc. nº 129/11.0TCGMR.G1.S1, todos do STJ. Concorda-se, pois, que
o disposto no artigo 291º do Código Civil, que excepciona dos efeitos
retroactivos da declaração de nulidade ou da anulação certas aquisições
inválidas (cfr. nº 1 do artigo 289º do Código Civil), fazendo-as subsistir, não
se aplica em caso de ineficácia do acto, como sucede, em relação ao verdadeiro
proprietário, com a venda de coisa alheia.
Relativamente à conclusão dos recorrentes de que
na sentença sob recurso se excluíram indevidamente os 2º e 3º RR. da protecção
conferida pelo art.º 291º do CCivil por considerar, erradamente, que aquando da
celebração do negócio entre os 1ºs e os 2º RR. já a propriedade do imóvel
físico se encontrava na esfera jurídica da A. por via da aquisição derivada
translativa, pela aquisição originária e pela usucapião cumpre apreciar.
Por via da aquisição derivada - negócio de
compra e venda - a questão já se mostra analisada supra.
Já quanto à aquisição originária cumpre
apreciar.
É certo que a A. tornou-se possuidora por ter
estabelecido com o imóvel uma relação de poder de facto com animus possedendi.
A posse destes trata-se de posse titulada, já que foi adquirida de modo
abstractamente idóneo à aquisição do direito real nos termos do qual possui
(art.1316º do CCivil) e trata-se de posse de boa fé. (art.1261º, nº2). Trata-se
de igual modo de posse pacífica e pública. Cfr. arts.1261º e 1262º do CCivil.
Quando a posse de um direito real de gozo seja
pública e passiva e se mantenha durante um certo período de tempo fica o
possuidor autorizado a invocar a aquisição desse direito por usucapião, forma
de aquisição originária dos direitos reais de gozo. Cfr. arts.1292º, 303º e
1287º do CCivil.
Considerando que não haverá registo da mera
posse, a usucapião poderá ocorrer decorridos que sejam quinze anos se a posse
for de boa fé e de vinte anos se for de má-fé, contados a partir do início da
posse. Cfr. art.º 1296º do CCivil.
Procedendo a invocação da usucapião, retrotrai o
efeito aquisitivo, nos termos do disposto no art.1317º, nº1, al. c) do CCivil.
De tudo resulta que, e tal como se decidiu na
sentença sob recurso, e atendendo aos factos dados como provados sob os n.ºs 8
e 36 a 45º, que a A. adquiriu o imóvel por usucapião. Na verdade, considerado o
tempo que decorreu desde a celebração da escritura de compra e venda mesmo que
só contado até ao ano de 2011, ano em que os 1º RR. declararam vender o prédio
aos 2º RR., vemos que decorreram mais de quinze anos. Não sofre dúvidas que, em
face dos factos provados, estão preenchidos ambos os requisitos do animus e do
corpus ponderados os poderes de facto sobre o imóvel evidenciados no pagamento
de impostos, limpeza, pagamentos a associação de moradores, não se podendo
concluir que a não ida frequente ao prédio demonstrasse o abandoo do mesmo, até
porque provado ficou, o imóvel destinava-se a ser vendido. Reitera-se que,
sendo característica do direito de propriedade a sua tendencial perpetuidade, a
não ser nos casos especialmente previstos na lei, não se extingue pelo não uso.
Não merece pois qualquer censura a decisão
recorrida quando afasta in casu a aplicação do o artigo 291º Código Civil.
Já quanto à invocada presunção derivada do
registo, como está bem de ver, mostra-se ilidida pela prova pela A. de uma
forma de aquisição originária: a usucapião."
[MTS]