Recurso de apelação; regra da substituição
1. É o seguinte o sumário de RC 26/3/2015 (4578-10.2TBALM.L2-6):
- Em caso de morte do lesado, do disposto no art.º 496.º, n.ºs 2 e 3, do CCiv., resultam três danos não patrimoniais indemnizáveis: o dano da perda do direito à vida (ou dano da morte); o dano sofrido pela vítima antes de morrer; e o dano sofrido pelos familiares em consequência da morte da vítima.
- É conhecida a querela doutrinal e jurisprudencial quanto à titularidade do direito indemnizatório pela perda do direito à vida, havendo quem entenda que o direito à indemnização se constitui no património da vítima/falecido, sendo depois encabeçado pelos respectivos herdeiros mediante transmissão por morte (sucessão hereditária).
- Porém, a jurisprudência dominante do STJ vem entendendo, em contrário, que a perda do direito à vida, já não podendo integrar-se no património da vítima, não constitui um dano cuja reparação se transmita aos respectivos herdeiros.
- Constitui, em vez disso e com o que se concorda, um dano gerador de direito indemnizatório que cabe, por direito próprio, aos familiares legalmente indicados, nos termos e segundo a ordem do disposto no n.º 2 do art.º 496.º do CCiv..
- Sendo o dano um dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual (art.º 483.º, n.º 1, do CCiv.), não poderá haver obrigação indemnizatória - destinada à reparação do dano sofrido - mesmo que haja já um facto ilícito, sem que tal dano se mostre verificado, no caso o dano da morte.
- Porém, verificado este, extinta fica a personalidade jurídica do lesado/falecido, o que lhe impede a aquisição de direitos (já não pode ser sujeito de relações jurídicas), a começar pelo direito indemnizatório pelo dano da supressão da sua vida.
- A menção no art.º 496.º, n.º 2, do CCiv. de que a indemnização cabe, em conjunto, aos grupos de pessoas/familiares ali designados (a começar por cônjuge e descendentes da vítima) não significa que o tribunal não deva discriminar a parte a atribuir, em concreto, a cada um dos beneficiários.
- Tal menção, com um sentido substantivo (não adjectivo), pretende significar que os descendentes não são chamados só na falta do cônjuge, mas conjuntamente com aquele, com vista a uma repartição igualitária entre os membros desse grupo, determinando o afastamento das regras sucessórias.
- A indemnização pelo dano da morte pode ser pedida por qualquer dos titulares do direito, não sendo caso de litisconsórcio necessário activo entre esses titulares.
- Em caso de revogação de decisão que, na sentença, absolveu o demandado da instância por ilegitimidade processual do demandante, já não conhecendo do mérito da causa, a Relação deve substituir-se ao tribunal recorrido na declaração de legitimidade activa, mas não em termos de conhecer de meritis, por inexistência de decisão substancial a reapreciar e de correspondente objecto de recurso.
- Doutro modo, estar-se-ia a suprimir um grau de jurisdição em matéria de direito, com a consequente limitação de reapreciação recursória da decisão de mérito, como no caso de impossibilidade de recurso para o STJ por força da regra das alçadas (cfr. art.º 629.º, n.º 1, do NCPCiv.).
2. Da fundamentação do acórdão consta a seguinte passagem:
"Assente [...] a legitimidade da A./Apelante, pugna ela por que, em consequência, seja proferida sentença – que conheça de meritis –, a qual a 1.ª instância não prolatou, já que decidiu no sentido da dita absolvição da instância.
A questão que se poderia colocar seria, assim, a de saber se pode este Tribunal de recurso substituir-se à 1.ª instância, conhecendo de mérito quando o Tribunal recorrido dele de todo não conheceu.
Ora, nos termos do disposto no art.º 665.º, n.º 2, do NCPCiv., a Relação deve proferir decisão relativamente a questões não decididas pelo tribunal recorrido, nomeadamente, por prejudicadas pela solução dada na 1.ª instância ao litígio. Apenas no caso de os autos não disporem de todos os elementos necessários deverá remeter o processo à 1.ª instância sem essa decisão «substitutiva».
Será este regime aplicável in casu, determinando que esta Relação proferira decisão de meritis, conhecendo do pedido indemnizatório, o que equivale à prolação da sentença que cabia à 1.ª instância proferir se não tivesse julgado no sentido da ilegitimidade da demandante?
Cremos, salvo o devido respeito, que não – nem a Apelante o pediu, já que apenas pretende seja proferida sentença.
Com efeito, pode dizer-se que o regime de substituição consagrado naquele preceito legal, “oposto ao de mera cassação, implica que a Relação se situe, em substituição do tribunal recorrido, no âmbito da mesma decisão, v.g. quando se substitui ao tribunal de primeira instância na solução de uma questão que aquele não apreciou por outra prévia a tal ter obstado” ([Cfr., neste sentido, o Ac. Rel. Lisboa, de 21/02/2013, Proc. 542/10.0TBLNH.L1-6 (Rel. Ana de Azeredo Coelho), desta mesma Secção e em que o aqui relator foi adjunto, disponível em www.dgsi.pt.]).
No caso dos autos é diversa a situação, pois que o Tribunal a quo apreciou e decidiu somente a questão da (i)legitimidade processual activa, concluindo pela ilegitimidade e consequente absolvição da parte demandada da instância, sem jamais entrar no mérito da causa, sendo no contexto dessa apreciação decisória que esta Relação se situa – para reapreciação do assim decidido –, posto que o objecto do recurso não vai além da matéria do pressuposto processual da legitimidade.
Donde que seja nesse mesmo contexto que a substituição haja de operar, no âmbito, pois, apenas, da (rea)apreciação da matéria de (i)legitimidade activa e decorrente absolvição da instância.
É certo, que a consequência da revogação da decisão em crise é a prolação de decisão de mérito, que conheça do pedido indemnizatório proferido.
Porém, tal decisão de meritis – sentença a “solucionar o litígio” – é inteiramente diversa da que nesta apelação se (re)aprecia, limitando-se a ser-lhe subsequente.
Por isso, e sem o contrário ter sido pedido nos autos, a decisão da Relação nesta apelação apenas deverá ser de cassação, no sentido da exclusão da prolação da sentença que conheça de direito, mas não, obviamente, no sentido de impedir que se julgue, como importa, a A. parte legítima e se ordene o consequente conhecimento de mérito.
Doutro modo, estar-se-ia, aliás, a suprimir um grau de jurisdição em matéria de direito, ao ser a Relação a proferir a decisão de mérito que cabia à 1.ª instância, com a consequente limitação de reapreciação recursória dessa decisão [...]".
Esta argumentação não corresponde à interpretação e aplicação prevalecentes do disposto no art. 665.º, n.º 2, CPC (correspondente ao art. 715.º, n.º 2, aCPC), que vão no sentido da admissibilidade da regra da substituição sempre que a 1.ª instância tenha deixado de conhecer do mérito da causa e a Relação disponha de elementos para se pronunciar sobre esse mérito (cf., por exemplo, Lebre de Freitas/Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado III (2003), 103 s.).
MTS