"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



30/05/2015

Bibliografia (135)


-- Basedow, J., Das Zeitelement in der richterlichen Rechtsfortbildung – Einleitung zum Symposium, RabelsZ 79 (2015), 237 [Nota: o artigo trata, entre outros tópicos, da eficácia temporal da mudança jurisprudencial]

-- Fornasier, M., The Impact of EU Fundamental Rights on Private Relationships: Direct or Indirect Effect?, ERPL 23 (2015), 29

-- Dastis, J. C. M., Change of Circumstances (Section 313 BGB) Trigger for the Next Financial Crisis?, ERPL 23 (2015), 85 [Nota: o artigo analisa a jurisprudência do STJ sobre a aplicação da regra da alteração das circunstâncias aos contratos de swap]

29/05/2015

Jurisprudência constitucional (36)


Responsabilidade civil por acidente de viação; seguro obrigatório


TC 19/5/2015 (273/2015) decidiu:

a) Julgar inconstitucional, por violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República em matéria de direitos, liberdades e garantias prevista no artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, a norma do n.º 7 do artigo 64.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 153/2008, de 6 de agosto, correspondente ao entendimento segundo o qual, nas ações destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado, no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao mesmo, o tribunal apenas pode valorar os rendimentos líquidos auferidos à data do acidente, que se encontrem fiscalmente comprovados, após cumprimento das obrigações declarativas legalmente fixadas para tal período; [...].



Paper (91)


-- Stephenson, G. S., Sanctions for Frivolous Civil Appeals in Louisiana (01.2015)


 

28/05/2015

Legislação europeia (Projectos e propostas) (6)


No passado dia 20, o Parlamento Europeu aprovou a nova versão do "Regulamento do Parlamento e do Conselho relativo aos processos de insolvência (Reformulação)". A Reformulação do Reg. 1346/2000 pode ser consultada em PE-CONS 31/15. Para uma apreciação geral do novo Regulamento, cf. CONFLICT OF LAWS .net.






Bibliografia (134)


-- Nolte, J. J., Die Eigenart des verwaltungsgerichtlichen Rechtsschutzes / Grund und Grenzen der Anwendung des Zivilprozessrechts im Verwaltungsprozess (Mohr: Tübingen 2015)

-- Wagner, T., Die Erledigung im Mahnverfahren (Mohr: Tübingen 2015)

Bibliografia (133)


-- Bergquist/Damascelli/Frimston/Lagarde/Odersky/Reinhartz, EU Regulation on Succession and Wills / Commentary (Verlag Otto Schmidt: Köln 2015)

-- Bergquist/Damascelli/Frimston/Lagarde/Odersky/Reinhartz, EU-Erbrechtsverordnung / Kommentar (Verlag Otto Schmidt: Köln 2015)



Jurisprudência (144)



Recurso de apelação; regra da substituição


1. É o seguinte o sumário de RC 26/3/2015 (4578-10.2TBALM.L2-6): 

- Em caso de morte do lesado, do disposto no art.º 496.º, n.ºs 2 e 3, do CCiv., resultam três danos não patrimoniais indemnizáveis: o dano da perda do direito à vida (ou dano da morte); o dano sofrido pela vítima antes de morrer; e o dano sofrido pelos familiares em consequência da morte da vítima.

- É conhecida a querela doutrinal e jurisprudencial quanto à titularidade do direito indemnizatório pela perda do direito à vida, havendo quem entenda que o direito à indemnização se constitui no património da vítima/falecido, sendo depois encabeçado pelos respectivos herdeiros mediante transmissão por morte (sucessão hereditária).

- Porém, a jurisprudência dominante do STJ vem entendendo, em contrário, que a perda do direito à vida, já não podendo integrar-se no património da vítima, não constitui um dano cuja reparação se transmita aos respectivos herdeiros.

- Constitui, em vez disso e com o que se concorda, um dano gerador de direito indemnizatório que cabe, por direito próprio, aos familiares legalmente indicados, nos termos e segundo a ordem do disposto no n.º 2 do art.º 496.º do CCiv..

- Sendo o dano um dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual (art.º 483.º, n.º 1, do CCiv.), não poderá haver obrigação indemnizatória - destinada à reparação do dano sofrido - mesmo que haja já um facto ilícito, sem que tal dano se mostre verificado, no caso o dano da morte.

- Porém, verificado este, extinta fica a personalidade jurídica do lesado/falecido, o que lhe impede a aquisição de direitos (já não pode ser sujeito de relações jurídicas), a começar pelo direito indemnizatório pelo dano da supressão da sua vida.

- A menção no art.º 496.º, n.º 2, do CCiv. de que a indemnização cabe, em conjunto, aos grupos de pessoas/familiares ali designados (a começar por cônjuge e descendentes da vítima) não significa que o tribunal não deva discriminar a parte a atribuir, em concreto, a cada um dos beneficiários.

- Tal menção, com um sentido substantivo (não adjectivo), pretende significar que os descendentes não são chamados só na falta do cônjuge, mas conjuntamente com aquele, com vista a uma repartição igualitária entre os membros desse grupo, determinando o afastamento das regras sucessórias.

- A indemnização pelo dano da morte pode ser pedida por qualquer dos titulares do direito, não sendo caso de litisconsórcio necessário activo entre esses titulares.

- Em caso de revogação de decisão que, na sentença, absolveu o demandado da instância por ilegitimidade processual do demandante, já não conhecendo do mérito da causa, a Relação deve substituir-se ao tribunal recorrido na declaração de legitimidade activa, mas não em termos de conhecer
de meritis, por inexistência de decisão substancial a reapreciar e de correspondente objecto de recurso.

- Doutro modo, estar-se-ia a suprimir um grau de jurisdição em matéria de direito, com a consequente limitação de reapreciação recursória da decisão de mérito, como no caso de impossibilidade de recurso para o STJ por força da regra das alçadas (cfr. art.º 629.º, n.º 1, do NCPCiv.).
 


2. Da fundamentação do acórdão consta a seguinte passagem: 

"Assente [...] a legitimidade da A./Apelante, pugna ela por que, em consequência, seja proferida sentença – que conheça de meritis –, a qual a 1.ª instância não prolatou, já que decidiu no sentido da dita absolvição da instância. 

A questão que se poderia colocar seria, assim, a de saber se pode este Tribunal de recurso substituir-se à 1.ª instância, conhecendo de mérito quando o Tribunal recorrido dele de todo não conheceu.
 
Ora, nos termos do disposto no art.º 665.º, n.º 2, do NCPCiv., a Relação deve proferir decisão relativamente a questões não decididas pelo tribunal recorrido, nomeadamente, por prejudicadas pela solução dada na 1.ª instância ao litígio. Apenas no caso de os autos não disporem de todos os elementos necessários deverá remeter o processo à 1.ª instância sem essa decisão «substitutiva».
 
Será este regime aplicável in casu, determinando que esta Relação proferira decisão de meritis, conhecendo do pedido indemnizatório, o que equivale à prolação da sentença que cabia à 1.ª instância proferir se não tivesse julgado no sentido da ilegitimidade da demandante?
 
Cremos, salvo o devido respeito, que não – nem a Apelante o pediu, já que apenas pretende seja proferida sentença.

Com efeito, pode dizer-se que o regime de substituição consagrado naquele preceito legal, “oposto ao de mera cassação, implica que a Relação se situe, em substituição do tribunal recorrido, no âmbito da mesma decisão, v.g. quando se substitui ao tribunal de primeira instância na solução de uma questão que aquele não apreciou por outra prévia a tal ter obstado” ([Cfr., neste sentido, o Ac. Rel. Lisboa, de 21/02/2013, Proc. 542/10.0TBLNH.L1-6 (Rel. Ana de Azeredo Coelho), desta mesma Secção e em que o aqui relator foi adjunto, disponível em www.dgsi.pt.]).

No caso dos autos é diversa a situação, pois que o Tribunal a quo apreciou e decidiu somente a questão da (i)legitimidade processual activa, concluindo pela ilegitimidade e consequente absolvição da parte demandada da instância, sem jamais entrar no mérito da causa, sendo no contexto dessa apreciação decisória que esta Relação se situa – para reapreciação do assim decidido –, posto que o objecto do recurso não vai além da matéria do pressuposto processual da legitimidade.
 
Donde que seja nesse mesmo contexto que a substituição haja de operar, no âmbito, pois, apenas, da (rea)apreciação da matéria de (i)legitimidade activa e decorrente absolvição da instância.
 
É certo, que a consequência da revogação da decisão em crise é a prolação de decisão de mérito, que conheça do pedido indemnizatório proferido.
 
Porém, tal decisão de meritis – sentença a “solucionar o litígio” – é inteiramente diversa da que nesta apelação se (re)aprecia, limitando-se a ser-lhe subsequente.
 
Por isso, e sem o contrário ter sido pedido nos autos, a decisão da Relação nesta apelação apenas deverá ser de cassação, no sentido da exclusão da prolação da sentença que conheça de direito, mas não, obviamente, no sentido de impedir que se julgue, como importa, a A. parte legítima e se ordene o consequente conhecimento de mérito.
 
Doutro modo, estar-se-ia, aliás, a suprimir um grau de jurisdição em matéria de direito, ao ser a Relação a proferir a decisão de mérito que cabia à 1.ª instância, com a consequente limitação de reapreciação recursória dessa decisão [...]".

Esta argumentação não corresponde à interpretação e aplicação prevalecentes do disposto no art. 665.º, n.º 2, CPC (correspondente ao art. 715.º, n.º 2, aCPC), que vão no sentido da admissibilidade da regra da substituição sempre que a 1.ª instância tenha deixado de conhecer do mérito da causa e a Relação disponha de elementos para se pronunciar sobre esse mérito (cf., por exemplo, Lebre de Freitas/Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado III (2003), 103 s.).

MTS
 

Paper (90)



-- Schultz, T., Arbitral Decision-Making: Legal Realism and Law & Economics (05.2015)

 

27/05/2015

Paper (89)


-- Huddleston, K., Federal Sentencing Error as Loss of Chance (05.2015)


 

Bibliografia (132)


-- Eidenmüller, H./Wagner, G. (Eds.), Mediationsrecht (Verlag Otto Schmidt: Köln 1015)


Informação (60)


O Ministério para os Assuntos Sociais austríaco publicitou um projecto sobre a resolução alternativa de litígios em matéria de consumo ("AStG"). O projecto pode ser consultado aqui.


Paper (88)


-- Kohm, L. M., Teen Courts: Children Participating in Justice (05.2015)


Jurisprudência (143)


Competência territorial; conflito negativo de competência


1. É o seguinte o sumário de STA 6/5/2015 (0391/15):

I - Os conflitos em matéria de competência relativa resolvem-se, em princípio, pela via do art. 105.º, n.º 2, conjugado com o art. 625.º, ambos do CPC.

II - Assim, a contradição entre duas decisões judiciais, transitadas em julgado, proferidas no âmbito do mesmo processo sobre a questão da competência do tribunal em razão do território para o conhecimento desse processo resolve-se ope legis pela prevalência da primeira decisão.

2. Dado que apenas está publicado o sumário do acórdão, não é possível conhecer a situação que foi resolvida pelo STA. Seja como for, é claro que o disposto no art. 625.º CPC quanto a casos julgados contraditórios e quanto à prevalência do que primeiro tenha sido obtido não obsta nem à necessidade de resolver o conflito de competência nos termos do art. 110.º, n.º 2, CPC, nem a que o conflito venha a ser resolvido com a determinação da competência do tribunal que primeiro se declarou incompetente.

MTS



Bibliografia (131)


-- Dicke, A. I., Kapitalmarktgeschäfte mit Verbrauchern unter der Rom I-VO (Mohr: Tübingen 2015)

-- Pascuzzi, G., Avvocati formano avvocati / Guida all'insegnamento dei saperi forensi (Il Mulino: Bologna 2015)


26/05/2015

Bibliografia (130)


-- Pielsticker, P., Die Teilnahme des Rechtsanwalts am elektronischen Rechtsverkehr mit den Zivilgerichten – Entwicklung unter Berücksichtigung des Gesetzes zur Förderung des ERVs mit den Gerichten – (Verlag Dr. Kovac: Hamburg 2015)
 
 

Paper (87)


-- Enoch, D./Fisher, T., Sense and 'Sensitivity': Epistemic and Instrumental Approaches to Statistical Evidence (05.2015)

 -- Menkel-Meadow, C., Mediation, Arbitration, and Alternative Dispute Resolution (ADR) (05.2015)

Jurisprudência (142)


Apensação de acções; dupla conforme


O sumário de STJ 5/5/2015 (1805/08.0TBVIG.P1-A.S1) é o seguinte:

I - Havendo apensação de processos, a decisão jurisdicional, proferida no processo principal, é única, devendo conhecer, individual e particularmente, de cada um dos pedidos formulados em cada uma das acções apensadas.

II - Prolatada uma decisão jurisdicional única e verificada uma situação de dupla conformidade relativamente ao pedido formulado numa das acções – no caso, naquela que foi apensa –, fica vedado ao vencido recorrer da parte que decidiu de mérito o pedido formulado na acção apensa, por relativamente a ela se ter constituído caso julgado.

III - Pese embora a dupla conformidade decisória precludir ou esgotar a via do recurso ordinário na ordem jurisdicional comum, nada obsta que o reclamante/recorrente defenda os seus direitos, na jurisdição constitucional.


25/05/2015

Bibliografia (129)


-- Paz, M.Os principais desafios para o Ministério Público com o novo Código de Processo Civil, RMP 141 (2015), 9

 

Jurisprudência (141)


Títulos executivos forever? (8)


I. O sumário de RC 28/4/2015 (2186/14.8TJCBR.C1) é o seguinte:

1. A norma do art. 703.º do NCPC, articulada com o art. 6.º, n.º 3, da Lei 41/2013, de 26.6, na parte que elimina os documentos particulares, não é de aplicar aos documentos constitutivos de obrigações, assinados pelo devedor antes de 31.8.2013, e que à data da sua elaboração dispunham de exequibilidade.

2. Tal norma, aplicada a tais títulos, integra uma inconstitucionalidade, por violar a segurança jurídica, a garantia de efectivação dos direitos e confiança, integradores do princípio do Estado de Direito Democrático – art. 2.º da CRP. 

3. O documento de contrato de mútuo concedido pela Caixa Geral de Depósitos, nos termos do artigo 9.º, n.º 4, do DL 287/93, de 20 de Agosto, constitui título executivo.

II. Do acórdão consta a seguinte declaração de voto da Des. Maria João Areias:

"Concordando, embora, com a solução final a que se chegou no presente acórdão, por se reconhecer que a exequibilidade do título sempre se imporia ao abrigo da alínea d), do n.º 1 do artigo 703.º, dele se discorda na parte em que concluir pela inconstitucionalidade do artigo 703.º quando aplicado aos documentos particulares constituídos em dada anterior à publicação do Novo Código.

Para além dos argumentos já aduzidos no Acórdão de 07.10.2014, de que fui relatora e para o qual se remete (disponibilizado na DGSI), temos a referir que, entretanto, foram proferidos dois acórdãos pelo Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 847/2014, de 03.12.2014, relatado por Maria de Fátima Mata-Mouros e Acórdão n.º 161/2015, relatado por Carlos Fernandes Cadilha, disponíveis no site da DGSI). Tais acórdãos, reconhecendo embora que a restrição dos títulos executivos, quando aplicada a títulos formados antes da entrada em vigor do novo Código não implica a retroatividade da lei, encontrando-nos perante aquilo a que a doutrina classifica de “retroatividade inautêntica” ou “retrospetiva”, acabam por formular um juízo de inconstitucionalidade de tal norma, assentando, por um lado, na ideia de que a exclusão imediata de determinado tipo de documento do rol dos títulos executivos acarreta consigo não apenas o acesso imediato à ação executiva como também a privação da presunção de prova do direito de crédito, e por outro lado, na consideração de que, na ponderação entre o efeito negativo sobre o interesse do credor particular e o interesse público da segurança jurídica, deverá ser dada prevalência ao interesse particular do credor por violação do princípio constitucional da confiança.

Contudo, em meu entender, em primeiro lugar, tal norma não interfere com a validade e força probatória dos documentos particulares, que se encontra regulada nos arts. 373.º e ss. do CC., em especial no artigo 376.º, normas que não foram objeto de qualquer alteração.

Em segundo lugar, e no seguimento do defendido por Miguel Teixeira de Sousa, “a ponderação que importa fazer não é entre o interesse privado (do credor) em poder executar e um interesse público (da comunidade) em evitar execuções injustas, mas entre dois interesses privados contrapostos, ou seja, entre os interesses contraditórios do credor e do devedor”, sendo que, é esta igualdade constitucional dos interesses do credor e do devedor que permite assegurar a constitucionalidade de qualquer das opções possíveis à disposição do legislador ordinário, pois que pode haver motivos justificados quer para alargar o elenco dos títulos executivos (e abranger nele documentos anteriores), quer para restringir esse elenco (e excluir dele documentos anteriores) – “Título executivos perpétuos – anotação ao Ac. do Tribunal Constitucional n.º 847/2014, de 03.12.2014”, in Cadernos de Direito Privado, n.º 48, Outubro/Dezembro 2014”, págs. 12 a 16.

Mantenho, assim, a posição de constitucionalidade de tal norma anteriormente assumida".

III. Sobre a matéria, cf. Jurisprudência (110) e respectiva nota.

MTS


24/05/2015

Bibliografia (128)



-- Danovi, F. (Ed.), Diritto e processo: rapporti e interferenze (G. Giappichelli Editore: Milano 2015)

23/05/2015

Informação (59)


Colóquio

 
NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | Balanço da aplicação prática da reforma | Lisboa, 25 de Junho de 2015 | Salão Nobre do Supremo Tribunal de Justiça
 
 

22/05/2015

Jurisprudência (140)



Responsabilidade de mandatário judicial; perda de chance


1. O sumário de STJ 30/4/2015 (338/11.1TBCVL.C1.S1) é o seguinte: 

I - Conforme tem entendido o STJ, na execução do mandato forense o advogado deve colocar todo o seu saber e empenho na defesa dos interesses do cliente, com respeito das regras de conduta próprias da profissão, e dispõe de uma significativa margem de liberdade técnica, que tem de ser respeitada.

II - Essa liberdade, no entanto, tem âmbitos diferenciados, consoante as situações, e deve ser exercida de acordo com o fim do contrato.

III - No cumprimento desse mandato não se inclui, pelo menos em regra, a obrigação de ganhar a causa, mas apenas a de defender aqueles interesses diligentemente, segundo as regras da arte, com o objectivo de vencer a lide; trata-se, como habitualmente se refere, de uma obrigação de meios, e não de resultado.

IV - Numa acção movida contra mandatário forense, com fundamento em não ter proposto, no prazo legal, acção de reparação de danos decorrentes de defeitos num imóvel, independentemente da divergência relativamente ao prazo de caducidade aplicável, a perda de oportunidade só poderia fundamentar uma indemnização se, para além da verificação dos demais pressupostos da responsabilidade civil, pudesse reconhecer-se uma elevada probabilidade de vir a ser declarada a caducidade do direito à reparação dos defeitos e, simultaneamente, uma elevada probabilidade de procedência da acção correspondente se tivesse sido instaurada a tempo.

V - Não sendo linear qual o regime aplicável, nem tendo sido uniformizada jurisprudência que, com elevada probabilidade, seria seguida se a acção tivesse sido intentada, não pode concluir-se que, se essa acção tivesse sido proposta, teria sido julgada improcedente por caducidade do direito exercido, posto que os demais elementos de facto e de direito apontassem no sentido de haver uma forte probabilidade de ganho de causa.

VI - A indemnização por perda de oportunidade de apreciação judicial, entendida como dano autónomo e susceptível de ser indemnizado mesmo que não se consiga estabelecer um nexo de causalidade entre a propositura (hipoteticamente) tardia da acção e os danos decorrentes dos defeitos do imóvel comprado pela autora, tem por base a forte probabilidade de procedência da acção, se tivesse sido proposta, e não um julgamento
a posteriori pelo tribunal da acção de indemnização.

2. Sobre a temática, cf., por exemplo, STJ 5/2/2013 (488/09.4TBESP.P1.S1) e STJ 1/7/2014 (824/06.5TVLSB.L2.S1).

MTS

 

21/05/2015

Jurisprudência europeia (TJ) (47)


Reg. 44/2001; pacto atributivo de jurisdição; requisitos de forma; comunicação por via electrónica que permite o registo duradouro do pacto; condições gerais de venda que podem ser consultadas e impressas a partir de uma hiperligação que permite a sua visualização numa nova janela; técnica de aceitação por ‘clic'


É a seguinte a parte dispositiva de TJ 21/5/2015 (C‑322/14, El Majdoub/ CarsOnTheWeb.Deutschland):
 
O artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 de Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que a técnica de aceitação por «clic» das condições gerais de um contrato de compra e venda, como o que está em causa no processo principal, celebrado por via eletrónica, que contêm um pacto atributivo de jurisdição, constitui uma comunicação par via eletrónica que permite um registo duradouro desse pacto, na aceção desta disposição, quando esta técnica torna possível imprimir e gravar o texto dessas condições gerais antes da celebração do contrato.

Jurisprudência europeia (TJ) (46)



Reg. 44/2001; competências especiais (art. 6.°, n.° 1); acção contra vários demandados domiciliados em diferentes Estados‑Membros que participaram num cartel declarado contrário ao art. 81.° CE e ao art. 53.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, destinada a obter a sua condenação solidária ao pagamento de uma indemnização e à prestação de informações – competência, em relação aos co‑demandados, do órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se; desistência relativamente ao demandado domiciliado no Estado‑Membro onde está situado o órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se; competência em matéria de responsabilidade extracontratual (art. 5.°, n.° 3); cláusulas atributivas de jurisdição (art. 23.°)



É a seguinte a parte dispositiva de TJ 21/5/2015 (C‑352/13, Cartel Damage Claims (CDC) Hydrogen Peroxide/Akzo Nobel et al.):


1)      O artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que a regra de concentração de competências, em caso de pluralidade de demandados, que esta disposição prevê pode ser aplicada no âmbito de uma ação de condenação solidária ao pagamento de uma indemnização e, no âmbito da mesma, à prestação de informações intentada contra empresas que participaram de forma diferente, nos planos geográfico e temporal, numa infração única e continuada à proibição de cartéis prevista pelo direito da União, declarada por uma decisão da Comissão Europeia, ainda que o demandante tenha entretanto desistido do pedido relativamente ao único dos co‑demandados que está domiciliado no Estado‑Membro onde está situado o órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se, a menos que se demonstre a existência de um conluio entre o demandante e o referido co‑demandado com o objetivo de criar ou manter, de forma artificial, as condições de aplicação da referida disposição no momento da propositura da ação.
2)      O artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que, no caso de uma ação de indemnização ser intentada contra demandados estabelecidos em vários Estados‑Membros, por terem participado numa infração única e continuada, em vários Estados‑Membros e em locais e em épocas diferentes, tendo essa infração ao artigo 101.° TFUE e ao artigo 53.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992, sido declarada pela Comissão Europeia, o facto danoso teve lugar relativamente a cada demandado individualmente considerado, podendo cada um deles, por força do referido artigo 5.°, n.° 3, optar por intentar a sua ação quer no tribunal do lugar onde foi definitivamente celebrado o acordo em questão, ou eventualmente do lugar onde foi celebrado um acordo específico e identificável como sendo, por si só, o evento causal do dano alegado, quer no tribunal do lugar da sua própria sede social.
3)      O artigo 23.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que permite, em caso de pedido de indemnização em razão de uma infração ao artigo 101.° TFUE e ao artigo 53.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992, ter em conta cláusulas atributivas de jurisdição contidas em contratos de fornecimento, mesmo que isso implique a derrogação das regras de competência internacional previstas nos artigos 5.°, n.° 3 e/ou 6.°, n.° 1, do referido regulamento, desde que essas cláusulas se reportem aos litígios relativos à responsabilidade decorrente de uma infração ao direito da concorrência.

Paper (86)


-- Feinman, J. M., Liability of Lawyers and Accountants to Non-Clients: Negligence and Negligent Misrepresentation (04.2015)



Jurisprudência (139)


Recurso de revista; questão nova; qualificação jurídica; apreciação oficiosa


I. O sumário de STJ 30/4/2015 (1187/08.0TBTMR-A.C1.S1) é o seguinte:

1. Tendo sido reclamado um crédito emergente do incumprimento definitivo de um contrato-promessa, ainda antes da prolação do AUJ do STJ n.º 4/2014, de 19/05/2014, sem que a reclamante tenha alegado a sua qualidade de consumidora, não tendo as partes nem as instâncias se debruçado sequer sobre tal questão, que só vem suscitada em sede de revista, tal questão assume a natureza de uma questão nova não estritamente jurídica de que já não cumpre conhecer.

2. A sindicância do erro na apreciação das provas em sede de presunções judiciais pelo tribunal de revista, nos termos do n.º 3 do artigo 674.º do CPC, conforme jurisprudência consolidada, está circunscrita à averiguação de ofensa de qualquer norma legal ou de alguma incoerência ou ilogicidade que afete esse raciocínio probatório.

3. A vontade inequívoca de não cumprir, para efeitos de dispensa de interpelação admonitória, pode não ser expressa, admitindo-se que possa resultar de uma declaração negocial tácita estribada “em comportamentos concludentes apreensíveis pela atuação da parte inadimplente, em função dos deveres coenvolvidos na sua prestação, sendo de atender ao grau e intensidade dos atos por si perpetrados na inexecução do contrato, desde que objetivamente revelem inquestionável censura, não sendo justo que o credor esteja adstrito à vontade lassa do devedor.”

4. No quadro circunstancial apurado e atentos os ditames da boa fé na integração da declaração negocial como se preceitua no artigo 239.º do CC, é forçoso reconhecer, à luz do disposto no artigo 217.º, n.º 1, do mesmo Código, que o comportamento da promitente-vendedora evidencia uma inequívoca vontade de não cumprir a obrigação assumida para com a promitente-compradora, que é inteiramente imputável àquela, dispensando assim qualquer interpelação prévia admonitória.
 


II. Além de outros aspectos que se encontram referidos no sumário, convém esclarecer (i) que o que estava em causa no acórdão era decidir se o STJ se podia pronunciar sobre a qualidade de consumidor da reclamante de um crédito numa execução singular e (ii) que a recorrente negava essa qualidade àquela reclamante. 

O STJ afirmou o seguinte:

"[...] afigura-se que a questão, só agora levantada na presente revista, sobre a falta de qualidade de consumidor da reclamante não se integra no núcleo de questões que foram suscitadas perante as instâncias e aí discutidas, além de que não se trata de uma questão estritamente jurídica, envolvendo também uma componente factual que não fora, oportunamente, trazida aos autos e cujo relevo não era então razoável supor.

Nessas circunstâncias, não tendo sido, como não foi, suscitado o vício de omissão de pronúncia sobre essa questão nova, nem tão pouco fornecendo os autos uma base factual alegada pelas partes que permita entrosá-la nas questões suscitadas perante as instâncias e por estas decididas, está vedado a este tribunal de revista empreender, oficiosamente, a sua apreciação. Por outro lado, nada de essencial tendo sido alegado, nesse particular, pelas partes não se impõe sequer usar dos poderes de ampliação da matéria de facto previstos no n.º 3 do art.º 682.º do CPC".
 

Esta justificação é um pouco flutuante: tanto argumenta que a recorrente não suscitou a questão nas instâncias e não invocou nenhuma omissão de pronúncia (o que dá a entender que as instâncias podiam ter-se ocupado da questão), como alega que não há matéria de facto suficiente para apreciar oficiosamente a questão no STJ (o que leva a concluir que, afinal, as instâncias não podiam ter conhecido da questão). 

Numa outra passagem do acórdão, o STJ afirma o seguinte: 

"Acresce que a aqui recorrente de revista não arguiu qualquer vício de omissão de pronúncia daquele acórdão, circunscrevendo o objeto do recurso às questões de mérito, incluindo nelas a enunciada questão da falta de alegação e prova da qualidade de consumidor por parte da credora-reclamante, sendo que a nulidade do referido acórdão com fundamento em omissão de pronúncia não é de conhecimento oficioso por parte do tribunal de recurso. 

Trata-se, por conseguinte, de uma questão nova, não apreciada pelas instâncias em relação à qual não foi arguido o vício formal de a omissão de pronúncia".

Também esta argumentação não é facilmente perceptível: ou a questão é nova no recurso de revista, hipótese em que não pode ter havido nenhuma omissão de pronúncia nas instâncias; ou há uma omissão de pronúncia destas instâncias que a recorrente deveria ter invocado na revista interposta, caso em que a questão não pode ser considerada nova, mas antes precludida.

A isto acresce que o que a recorrente pedia era que, ao contrário do entendimento do acórdão recorrido, não fosse reconhecida a qualidade de consumidora à reclamante do crédito. Sendo assim, também não é fácil perceber em que contexto aquela recorrente podia invocar uma omissão de pronúncia sobre a atribuição dessa qualidade pelas instâncias.

Seja como for, o que o STJ era chamado a decidir era se à reclamante do crédito podia ser reconhecida a qualidade de consumidora (o que a recorrente negava). Trata-se de uma questão de direito que o STJ podia ter decidido, em qualquer dos sentidos possíveis, com a matéria de facto adquirida no incidente de reclamação e verificação de créditos.

MTS


20/05/2015

Bibliografia (127)


-- Damaska, M. R., El derecho probatorio a la deriva (trad. esp., Marcial Pons: Madrid/Barcelona/Buenos Aires/São Paulo 2015)
 
 

Jurisprudência (138)


Procuração forense; suprimento da falta


O sumário de TCAS 30/4/2015 (09217/12) é o seguinte:

I - O n.º 2 do artigo 40.º do CPC impõe ao juiz a fixação de prazo para a parte suprir a falta [de procuração forense].

II - Se o juiz apenas determina a notificação da parte para juntar procuração sem fixar qualquer prazo para o efeito, não pode, em caso de incumprimento, aplicar a sanção aí estipulada, isto é, considerar sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário e condená-lo nas custas respectivas.

III - Apresentada petição inicial subscrita por advogado que protesta juntar procuração sem que tal ocorra, impõe-se, num primeiro momento, notificá-lo para regularizar a falta dentro de determinado prazo.

IV - Caso a omissão persista no prazo concedido, deve ser notificada a parte para juntar a procuração e ratificar o processado em determinado prazo.

V - Só há lugar à aplicação da sanção prevista no n.º 2 do artigo 40.º do CPC se se repetir a inércia da parte.


19/05/2015

Jurisprudência (137)


Depoimento de parte; livre apreciação


1. É o seguinte o sumário de STJ 5/5/2015 (607/06.2TBPMS.C1.S1):

O depoimento de parte prestado por um dos litisconsortes que se revele não possuir a virtualidade de servir como confissão, ainda que reduzido a escrito no momento em que é prestado, pode/deve ser livremente apreciado pelo julgador, no momento da apreciação de toda a prova produzida para a, ou na, formação do seu juízo conviccional. 

2. Na fundamentação do acórdão consta a seguinte passagem: 

"A assentada vertida numa acta de uma declaração do depoente a que foi atribuída, pelo julgador, uma capacidade confessória, e que, posteriormente se veio a declarar inábil ou inapta para os fins endoprocessuais para que tendia e que dela poderiam/deveriam ser extraídos, não se constitui como acto inválido, ou processualmente irregular, dado que foi assumido e produzido por quem tinha competência para o formular e ditar (desde que observadas as formalidades que a lei determina e compele para que possa adquirir uma validade intrínseca e material-formal).

Assim, se no final da produção da prova, se vier a constatar que a assentada vertida na acta não contém as virtualidades para que tendia e para os fins probatórios que dela deveriam ser extraídos, não deve ser indicada como meio de prova dos factos para que foi indicada, ou pelo menos não deve ser adiantada como meio de prova valorada contrariamente aos enunciados fácticos para que havia sido indicada.

Pode, no entanto, ser integrada no cômputo dos demais meios de prova para apreciação/valoração dos enunciados fácticos postos à consideração do tribunal no julgamento da factualidade indicada para fazer valer o direito para que é pedida tutela jurisdicional".

MTS
 

Bibliografia (126)


-- Prütting / Gehrlein (Eds.), ZPO Kommentar, 7.ª ed. (Luchterhand: München 2015)


18/05/2015

Informação (58)


Está disponível o n.º 1/2015 da Civil Procedure Review. São especialmente interessantes os artigos de Antônio Cabral (Interesse ad agire e zone d'interesse) e de Freddie Didier Jr. (Extensão da coisa julgada à resolução da questão prejudicial incidental no novo Código de Processo Civil brasileiro). Embora este artigo não trate da matéria por esta óptica, o problema nele discutido prende-se com a questão de saber o que pode justificar -- como resulta do disposto no art. 91.º CPC -- que se forme caso julgado material sobre a actio (pretensão do autor), mas não sobre a exceptio (contra-pretensão do réu).

MTS


Bibliografia (125)


-- Marandola, A. (Ed.), Le invalidità processuali / Profili statici e dinamici (UTET: Torino 2015)


Competência material: jurisdição administrativa ou comum?




Procura-se responder à seguinte questão: a natureza administrativa do contrato alegado na ação é atributiva da competência material à jurisdição administrativa?

1. Parece-nos que é muito discutível que se possa dar uma resposta afirmativa à pergunta colocada.

Desde logo, o n.º 3 do art. 212.º da CRP não estabelece como critério atributivo de competência aos tribunais administrativos e fiscais a natureza administrativa do contrato, mas antes a natureza administrativa da relação jurídica controvertida. O litígio até pode emergir de um contrato administrativo, mas a apreciação das questões relativas a esse litígio ser da competência dos tribunais judiciais, caso essas questões não se fundamentem numa relação jurídica administrativa.

Por consequência, os tribunais comuns podem ser competentes para apreciar questões emergentes de contratos de natureza administrativa. Basta pensar que os órgãos da Administração Pública tanto podem celebrar contratos administrativos sujeitos a um regime substantivo de direito público-administrativo, como contratos submetidos a um regime de direito privado (cf. art. 200.º, n.º 1, do novo CPA). 

Vejamos os seguintes exemplos: 

1) uma ação executiva fundada no título a que se reporta o art. 14.º-A da Lei n.º 6/2006, de 27.02 (NRAU) – contrato de arrendamento acompanhado da comunicação ao arrendatário do montante em dívida – quando esse contrato esteja sujeito ao regime de renda apoiada previsto no Dec.-Lei n.º 166/93, de 07.05; 

2) uma ação declarativa de simples apreciação que tem por objeto a apreciação da propriedade ou posse de bens do domínio público marítimo no decurso da vigência de um contrato de concessão de exploração firmado entre as partes.

No exemplo n.º 1, ainda que a pretensão executiva tenha por finalidade o pagamento de quantia certa, se a questão submetida a apreciação do tribunal for a aplicação do regime de renda apoiada, a competência material cabe à jurisdição administrativa, porque o tribunal terá de aplicar normas de direito público. Por isso, o litígio que o tribunal é chamado a dirimir emerge de uma relação jurídico-administrativa; no exemplo n.º 2, embora a atuação de uma das partes (a entidade pública) tenha por base um contrato administrativo, a competência para decidir da propriedade ou posse dos leitos e margens ou suas parcelas pertence aos tribunais comuns, nos termos do art. 17.º, n.º 7, da Lei n.º 54/2005, de 15.11, na redação dada pela Lei n.º 34/2014, de 19.06.

Aqui chegados, importa retirar a seguinte conclusão: a competência material dos tribunais administrativos, como a dos tribunais em geral, afere-se pela natureza do objeto processual (pedido e fundamentos), atendendo à relação jurídica controvertida tal como a configura o demandante.

As considerações que vimos de expor estão, de algum modo, refletidas no art. 4.º do ETAF, maxime, na al. f) do n.º 1 deste preceito legal.

2. É nesta base que cabe responder à seguinte pergunta: a fixação pelo tribunal de uma indemnização por benfeitorias à parte contratante que tem a obrigação de entregar a coisa, ainda que o contrato que rege a atuação das partes tenha natureza administrativa, é um litígio que emerge de uma relação jurídico-administrativa?

De acordo com os argumentos atrás expostos, parece que não. Com efeito, o tribunal é chamado a aplicar um regime substantivo específico de direito privado, mais concretamente o que resulta dos art. 216.º, 754.º e 1273.º a 1275.º do CCiv. Por consequência, a questão a decidir não é relativa a nenhum dos litígios a que se reporta a al. f) do n.º 1 do art. 4.º do ETAF. O litígio emerge, antes, de uma relação jurídico-privada, pois trata-se de uma questão que irá ser dirimida com o recurso a regras de direito privado. E porque o litígio será solucionado no quadro do direito privado, a especificidade da matéria não justifica a atribuição de competência aos tribunais administrativos e fiscais, por causa da competência residual dos tribunais judiciais (cf. art. 211.º, n.º 1, da CRP).

Assim, numa execução para entrega de coisa certa baseada num contrato que tenha por objeto a exploração e administração de um parque de campismo, não havendo dissentimento quanto à eficácia da denúncia desse contrato pela entidade pública contratante, e traduzindo-se a pretensão executiva na entrega desse parque e dos elementos que o compõem, livre de pessoas e bens, a competência para decidir a atribuição ao embargante de uma indemnização por benfeitorias por este realizadas no parque a entregar, e a que tenha direito nos termos contratuais e legais, pertence aos tribunais judiciais.  

J. H. Delgado Carvalho