Reg. 44/2001; contrato de fretamento;
lugar de cumprimento da obrigação
1. O sumário de RL 7/4/2016 (402/14.5TNLSB.L1-6) é o seguinte:
À luz dos critérios legais definidos no art.º 5.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001 de 16 de janeiro, o Tribunal Marítimo de Lisboa é internacionalmente competente para conhecer do litígio nos termos do qual a Autora requer a condenação da Ré no pagamento de indemnização, por cumprimento defeituoso de contrato de transporte de mercadorias com origem no porto de Aveiro e entregues no porto de Terneuzen, na Holanda.
2. Da fundamentação do acórdão consta o seguinte:
"A Autora interpôs a presente acção por via da qual peticiona a condenação da Ré no pagamento à Autora da quantia de 153.430,32€, a título de indemnização pelo cumprimento defeituoso do transporte de mercadorias efectuado pela Demandada ao abrigo de quatro Bills of Lading, emitidos em virtude de uma carta-partida. Mais precisamente, a Ré transportou 1.731 atados com pasta de papel, carregados no porão do navio Norderau, no Porto de Aveiro, com destino ao Porto de Terneuzen, na Holanda, onde o navio chegou no dia 16.12.2013. Porém, no dia seguinte, após a descarga foram detectadas impurezas no topo dos fardos, tendo 491.931Kg da carga sido contaminados por resíduos de mercadorias, cereais, transportados anteriormente nos porões daquele navio.
Com base nestes factos, o Tribunal a quo entendeu qualificar o contrato celebrado entre a segurada da Autora e a Ré como um contrato de fretamento e não de transporte marítimo, ao contrário da ora Apelante que o qualifica como contrato de transporte marítimo.
Porém, para decisão da questão em causa, não é relevante tal distinção, sendo apenas relevante que nos encontramos perante uma situação de responsabilidade por incumprimento contratual.
O que não sofre discussão é a aplicabilidade, ao presente caso, do Regulamento (CE) n.º 44/2001 de 16 de Janeiro relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, pois ambas as partes e o tribunal a quo a aceitam.
Na verdade, as normas do Regulamento, ao definirem a competência dos tribunais dos Estados comunitários, constituem uma “lei especial” perante as normas reguladoras da competência internacional previstas nas leis internas. Assim, “sempre que o caso concreto cabe no âmbito de aplicação do citado Regulamento, as respectivas normas prevalecem sobre a regulamentação geral interna de cada Estado” [Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25/11/2004, Processo 04B3758 e de 03-03-2005, Processo 04A4283, ambos disponíveis em www.dgsi.pt]. Por isso dispõe o art.º 59.º do CPC que a competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação dos factores de conexão aí previstos “ sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais.” Aplica-se, pois, à questão em apreço o Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 16 de Janeiro.
Nos termos do art.º 5.º n.º1 a) daquele Regulamento, “uma pessoa com domicílio no território de um Estado – Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro, em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão.”
Ora, a questão está, portanto, em saber, no caso concreto, onde foi ou devia ser cumprida a obrigação.
Aceitando até a argumentação da sentença recorrida, no sentido de estarmos perante um contrato de fretamento de navio, vem este definido no art.º 1.º do DL 191/87 de 29 de Abril como aquele em que “uma das partes (fretador) se obriga em relação à outra (afretador) a pôr à sua disposição um navio, ou parte dele, para fins de navegação marítima, mediante uma retribuição pecuniária denominada frete.” E no art.º 2.º “designa-se carta-partida o documento particular exigido para a válida celebração do contrato de fretamento”.
“Constituem obrigações do fretador:
a) Apresentar o navio ao afretador na data ou época e no local acordados;
Com base nestes factos, o Tribunal a quo entendeu qualificar o contrato celebrado entre a segurada da Autora e a Ré como um contrato de fretamento e não de transporte marítimo, ao contrário da ora Apelante que o qualifica como contrato de transporte marítimo.
Porém, para decisão da questão em causa, não é relevante tal distinção, sendo apenas relevante que nos encontramos perante uma situação de responsabilidade por incumprimento contratual.
O que não sofre discussão é a aplicabilidade, ao presente caso, do Regulamento (CE) n.º 44/2001 de 16 de Janeiro relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, pois ambas as partes e o tribunal a quo a aceitam.
Na verdade, as normas do Regulamento, ao definirem a competência dos tribunais dos Estados comunitários, constituem uma “lei especial” perante as normas reguladoras da competência internacional previstas nas leis internas. Assim, “sempre que o caso concreto cabe no âmbito de aplicação do citado Regulamento, as respectivas normas prevalecem sobre a regulamentação geral interna de cada Estado” [Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25/11/2004, Processo 04B3758 e de 03-03-2005, Processo 04A4283, ambos disponíveis em www.dgsi.pt]. Por isso dispõe o art.º 59.º do CPC que a competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação dos factores de conexão aí previstos “ sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais.” Aplica-se, pois, à questão em apreço o Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 16 de Janeiro.
Nos termos do art.º 5.º n.º1 a) daquele Regulamento, “uma pessoa com domicílio no território de um Estado – Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro, em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão.”
Ora, a questão está, portanto, em saber, no caso concreto, onde foi ou devia ser cumprida a obrigação.
Aceitando até a argumentação da sentença recorrida, no sentido de estarmos perante um contrato de fretamento de navio, vem este definido no art.º 1.º do DL 191/87 de 29 de Abril como aquele em que “uma das partes (fretador) se obriga em relação à outra (afretador) a pôr à sua disposição um navio, ou parte dele, para fins de navegação marítima, mediante uma retribuição pecuniária denominada frete.” E no art.º 2.º “designa-se carta-partida o documento particular exigido para a válida celebração do contrato de fretamento”.
“Constituem obrigações do fretador:
a) Apresentar o navio ao afretador na data ou época e no local acordados;
b) Apresentar o navio, antes e no início da viagem, em estado de navegabilidade, devidamente armado e equipado, de modo a dar integral cumprimento ao contrato;
c) Efectuar as viagens previstas na carta-partida.”
É o que dispõe o art.º 7.º do D.L.191/87.
Ora, no caso em apreço, ao abrigo da carta- partida que titulou o contrato, o transporte da mercadoria teve origem no porto de Aveiro, com destino ao porto de Terneuzen.
Portanto, por força do contrato de fretamento em apreço, a Ré obrigou-se a pôr à disposição da segurada da Autora (Portucel) o navio, no porto de Aveiro, para deslocar a mercadoria para o porto de Terneuzen. Portanto, parece-nos, ao contrário do que é entendido na decisão recorrida, que a obrigação devia e foi cumprida no Porto de Aveiro. Ali é que a obrigação principal de colocar o navio à disposição do afretador foi cumprida.
É ainda obrigação do afretador apresentar o navio em estado de navegabilidade, devidamente armado e equipado, antes e no início da viagem: Ora esta obrigação também tinha de ser cumprida no porto de Aveiro, pois ali ocorreu o início da viagem.
Por fim, é obrigação do fretador efectuar as viagens previstas na carta-partida. No caso em apreço, a viagem iniciou-se em Aveiro e terminou no porto holandês de Terneuzen.
Em rigor, estamos perante uma obrigação duradoura continuativa, ou seja não se se circunscreve a uma actividade momentânea do devedor, antes trata-se de um comportamento continuado que se estende no tempo [Vide a este propósito da qualificação das obrigações. MÁRIO JÚLIO ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 10.ª edição, Almedina, p.699], ou seja, durante o tempo que demora a viagem entre Portugal e Holanda. E assim, não só se estende no tempo, como também no espaço. Ou seja, há deveres que integram essa obrigação complexa cujo cumprimento ocorre num Estado e outros deveres cujo cumprimento ocorre noutro. É neste contexto que se coloca a questão inicial: onde deve entender-se que a obrigação foi cumprida: no porto de Aveiro onde começou a viagem ou no porto de Terneuzen onde a mesma terminou?
Como decorre do que supra ficou exposto, dos três deveres fundamentais que integram a obrigação complexa do fretador, dois deles, claramente, tinham de ser cumpridos no Porto de Aveiro. Apenas no terceiro dever – efectuar a viagem prevista na carta – se estabelece uma conexão com o Estado Holandês. Nestas condições, teremos forçosamente de concluir que, pelo menos parte significativa da obrigação complexa e duradoura a cargo do Réu, devia ser cumprida no Porto de Aveiro. Tanto basta para atribuir competência aos Tribunais portugueses para conhecer do litígio em questão.
Por conseguinte, à luz dos critérios legais definidos no artigo 5.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, temos de concluir que os tribunais portugueses – neste caso o Tribunal Marítimo de Lisboa -- é competente para conhecer o presente litígio. [...]"
Ora, no caso em apreço, ao abrigo da carta- partida que titulou o contrato, o transporte da mercadoria teve origem no porto de Aveiro, com destino ao porto de Terneuzen.
Portanto, por força do contrato de fretamento em apreço, a Ré obrigou-se a pôr à disposição da segurada da Autora (Portucel) o navio, no porto de Aveiro, para deslocar a mercadoria para o porto de Terneuzen. Portanto, parece-nos, ao contrário do que é entendido na decisão recorrida, que a obrigação devia e foi cumprida no Porto de Aveiro. Ali é que a obrigação principal de colocar o navio à disposição do afretador foi cumprida.
É ainda obrigação do afretador apresentar o navio em estado de navegabilidade, devidamente armado e equipado, antes e no início da viagem: Ora esta obrigação também tinha de ser cumprida no porto de Aveiro, pois ali ocorreu o início da viagem.
Por fim, é obrigação do fretador efectuar as viagens previstas na carta-partida. No caso em apreço, a viagem iniciou-se em Aveiro e terminou no porto holandês de Terneuzen.
Em rigor, estamos perante uma obrigação duradoura continuativa, ou seja não se se circunscreve a uma actividade momentânea do devedor, antes trata-se de um comportamento continuado que se estende no tempo [Vide a este propósito da qualificação das obrigações. MÁRIO JÚLIO ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 10.ª edição, Almedina, p.699], ou seja, durante o tempo que demora a viagem entre Portugal e Holanda. E assim, não só se estende no tempo, como também no espaço. Ou seja, há deveres que integram essa obrigação complexa cujo cumprimento ocorre num Estado e outros deveres cujo cumprimento ocorre noutro. É neste contexto que se coloca a questão inicial: onde deve entender-se que a obrigação foi cumprida: no porto de Aveiro onde começou a viagem ou no porto de Terneuzen onde a mesma terminou?
Como decorre do que supra ficou exposto, dos três deveres fundamentais que integram a obrigação complexa do fretador, dois deles, claramente, tinham de ser cumpridos no Porto de Aveiro. Apenas no terceiro dever – efectuar a viagem prevista na carta – se estabelece uma conexão com o Estado Holandês. Nestas condições, teremos forçosamente de concluir que, pelo menos parte significativa da obrigação complexa e duradoura a cargo do Réu, devia ser cumprida no Porto de Aveiro. Tanto basta para atribuir competência aos Tribunais portugueses para conhecer do litígio em questão.
Por conseguinte, à luz dos critérios legais definidos no artigo 5.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, temos de concluir que os tribunais portugueses – neste caso o Tribunal Marítimo de Lisboa -- é competente para conhecer o presente litígio. [...]"
[MTS]