"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



29/07/2016

Jurisprudência (414)



Competência internacional;
direito interno; Reg. 1215/2012


1. O sumário de RL 21/4/2016 (13/15.8YHLSB-A.L1-8) é o seguinte:

- Tendo sido alegado na petição inicial que a Autora produz e exporta produtos para o mercado moçambicano, tendo a sua marca protegida pelo registo em Portugal e em Moçambique, e sendo igualmente alegado que a Ré, aproveitando-se do prestígio da marca da Autora está a vender no mercado moçambicano, a mais baixo preço, produtos com a mesma designação dos da Autora, do que tem resultado diminuição das encomendas recebidas pela Autora com vista à exportação para aquele País, verifica-se estar preenchido um dos requisitos para atribuição de competência internacional aos tribunais portugueses.

- Com efeito, nos termos do art. 62º b) do CPC, basta que um dos elementos constitutivos da causa de pedir se localize em Portugal, para que a aludida competência esteja assegurada.


- Uma acção de condenação baseada em responsabilidade civil, apresenta uma causa de pedir complexa, integrada pela conduta ilícita e culposa da Ré, a qual é causa de prejuízo para a Autora.

- Ocorrendo o prejuízo em Portugal (no caso dos autos diminuição das encomendas e das vendas por exportação, em Portugal, onde está sediada a Autora) verifica-se uma conexão objectiva que confere ao tribunal português competência internacional. 

2. O acórdão padece de um equívoco na determinação da competência internacional dos tribunais portugueses. O acórdão (tal como, aliás, a 1.ª instância) aplica o regime interno português, mas, atendendo a que a ré tem sede em Portugal, deveria ter aplicado o Reg, 1215/2012, dado que, como decorre do disposto no art. 6.º, n.º 1, Reg. 1215/2012, este acto europeu é aplicável sempre que o requerido tenha domicílio ou sede num Estado-Membro.

O que se pode discutir é se, referindo-se o elemento de estraneidade da acção a um Estado terceiro (no caso, Moçambique), isso afasta a aplicação do Reg. 1215/2012. Sobre o âmbito de aplicação da CBrux, o TJ fixou a seguinte jurisprudência: 

-- "[...] para efeitos da aplicação do artigo 2.° da Convenção de Bruxelas, o caracter internacional da relação jurídica em causa não tem de necessariamente decorrer da implicação de diversos Estados contratantes, devido ao mérito da questão ou ao domicílio respectivo das partes no litígio. A implicação de um Estado contratante e de um Estado terceiro, em virtude, por exemplo, do domicílio do demandante e de um demandado no primeiro Estado e da localização dos factos controvertidos no segundo, também é susceptível de conferir natureza internacional à relação jurídica em causa. Com efeito, esta situação é susceptível de suscitar no Estado contratante, como acontece no processo principal, questões relativas à determinação da competência dos órgãos jurisdicionais na ordem jurídica internacional, que constitui precisamente uma das finalidades da Convenção de Bruxelas, como resulta do terceiro considerando do seu preâmbulo" (TJ 1/3/2005 (C-281/02, Owusu/Jackson), n.º 26);

-- "Do que precede decorre que o artigo 2.° da Convenção de Bruxelas se aplica a uma situação [...] que abrange as relações entre os órgãos jurisdicionais de um único Estado contratante e as de um Estado não contratante e não as relações entre os órgãos jurisdicionais de diversos Estados contratantes" (TJ 1/3/2005 (C-281/02, Owusu/Jackson), n.º 35).

Compreende-se esta jurisprudência. Dado que as decisões proferidas pelos tribunais dos Estados-Membros circulam livremente no espaço europeu, é desejável que a competência internacional dos tribunais de origem seja determinada pelas mesmas regras em todo esse espaço. Particularmente indesejável seria que a competência internacional desse tribunal se baseasse numa competência exorbitante decorrente do direito interno de um Estado-Membro.

O que é referido quanto ao art. 2.º CBrux deve ser dito quanto ao correspondente art. 4.º, n.º 1, Reg. 1215/2012, pelo que a circunstância de a acção ter conexão com um Estado terceiro (Moçambique) não é suficiente nem para afastar a aplicação do Reg. 1215/2012, nem para excluir a competência internacional dos tribunais do Estado do domicílio do demandado que é atribuída pelo art. 4.º, n.º 1, Reg. 121572012 (na doutrina, cf. Kropholler/von Hein, Europäisches Zivilprozessrecht. 9.º ed. (2011), vor Art. 2 EuGVO 8; Schlosser/Hess, EuZPR, 4.ª ed. (2015), Vor Art. 4-35 EuGVVO 5). Noutros termos: a circunstância de a opção ser entre a competência internacional dos tribunais portugueses ou a competência internacional dos tribunais moçambicanos não é suficiente para excluir a aplicação do Reg. 1215/2012, pelo que teria bastado a aplicação do disposto no art. 4.º, n.º 1, Reg. 1215/2012 para justificar a competência internacional dos tribunais portugueses.

Dado o primado do direito europeu sobre o direito nacional, a aplicabilidade do Reg. 1215/2012 à determinação da competência internacional dos tribunais portugueses afasta a aplicação de qualquer regime interno.

MTS