"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



28/07/2016

Jurisprudência (410)


Competência material; divórcio;
prestação de contas


1. O sumário de RL 14/4/2016 (522-14.6T8CSC.L1-8) é o seguinte:

Os tribunais judiciais são materialmente competentes para a acção de prestação de contas, subsequente ao divórcio, fundada na detenção por um dos ex-cônjuges de bens comuns do casal.


2. Para se compreender o que foi decidido pela RL é indispensável conhecer esta parte da fundamentação do acórdão: 

"A definição abstrata da competência material encontra-se plasmada na Lei, designadamente na que procede ao enquadramento e organização do sistema judiciário, a Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (LOSJ). 

[...] a decisão recorrida fundamentou-se, essencialmente, na consideração de que, pretendendo-se com a ação a partilha de bens comuns do dissolvido casal, a competência material caberia ao Cartório Notarial, face ao disposto na Lei n.º 23/2013, de 5 de Março.

A determinação da competência material do Tribunal é feita, desde logo, em função do efeito jurídico pretendido com a ação, nomeadamente o pedido formulado. Em certas situações, porém, pode ser necessário atender ainda ao facto jurídico que fundamenta a pretensão jurídica, isto é, à causa de pedir, para se apurar o âmbito material da ação. Por isso, interessa considerar o pedido e, em caso de insuficiência, também a causa de pedir da ação, para se averiguar a quem, em função da matéria, compete o julgamento da ação.

Na situação sub iudicio, a Apelante pretende, com a ação instaurada, ao pedido de partilha de bens comuns do ex-casal, nomeadamente contas bancárias e produtos financeiros, de que F... ficou em seu poder. Ora: - desde logo, o pedido especificamente formulado não se identifica com sendo de partilha de bens comuns, nomeadamente do dissolvido casal, sendo certo que começa pelo pedido a aferição da competência material do Tribunal.

Dito isto.

O fim da ação de prestação de contas é o de estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efetuadas de modo a obter-se a definição de um saldo e de determinar a situação do Réu -- de devedor, ou de credor -- perante o titular dos interesses geridos. Com o julgamento das contas apresentadas por uma ou por outra parte, visa-se apurar o montante em dívida e quem é o devedor (Alberto dos Reis, RLJ 74º/pp. 46).

Como refere Alberto dos Reis (“Processos Especiais”, II, pp.303) a obrigação de prestação de contas pressupõe que alguém administrou ou está a administrar bens ou interesses alheios e, por isso, deve prestar contas dessa administração, mesmo que se trate de mera administração de facto, sem que ao administrador assistam poderes legais ou convencionais para estar a administrar os bens ou interesses em causa, mas a que a Lei faz corresponder a fonte dessa obrigação.

A obrigação de prestação de contas só pode ser assumida por quem administre bens ou interesses alheios, e a referida prestação pode ser espontânea ou provocada. Trata-se de uma obrigação de natureza material ou substantiva, pelo que o artigo 1014º do C. P. Civil pressupõe a existência de norma legal ou de contrato que imponha a prestação de contas.

De acordo com o nº 1 do art. 1681º do C. Civil, o cônjuge que administrar bens comuns ou próprios do outro cônjuge não é obrigado a prestar contas, respondendo, contudo, pelos factos intencionalmente praticados em prejuízo do casal ou do outro cônjuge. Se a administração por um dos cônjuges dos bens comuns ou próprios do outro se fundar em mandato, são aplicáveis as regras deste contrato. Contudo, salvo acordo em contrário, o cônjuge administrador apenas tem de prestar contas e entregar o respetivo saldo, se o houver, relativamente a atos praticados durante os últimos cinco anos.
Assim, diferentemente do que ocorre com a generalidade dos administradores de bens alheios, o cônjuge não está obrigado a prestar contas.

A situação é diferente após a dissolução do casamento:

Tendo as partes se divorciado, como é o caso, e ficado um dos ex-cônjuges a deter a posse de bens comuns deles retirando os frutos e utilidades, deve prestar ao outro contas desde a data da propositura da ação de divórcio (nº 1 do art. 1789º do C. Civil), ou da data em que foi declarada cessada a coabitação, no caso previsto no nº 2 do art. 1789º do C. Civil (Cf. neste sentido: - Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 29.10.92, proferido no Processo 9130093, e de 29 de Outubro de1992, proferido no Processo 9130093, disponíveis em www.dgsi.pt.)."

[MTS]