Taxa de justiça; dispensa;
constitucionalidade
1. O sumário de RL 28/4/2016 (473/12.9TVLSB-C.L1-2) é o seguinte:
I. A dispensa da taxa de justiça remanescente correspondente ao valor tributário do processo que exceda € 275 000,00 (n.º 7 do art.º 6.º do RCP), deverá ser concedida na decisão final do processo, na aceção que o conceito de “processo” tem no RCP.
II. As partes deverão deduzir eventual discordância acerca dessa decisão por meio de requerimento de reforma da decisão quanto a custas ou, se houver lugar a recurso da decisão final, na respetiva alegação.
III. A reclamação da conta de custas não é o meio processualmente adequado *a dedução da pretensão de dispensa da taxa de justiça remanescente ao abrigo do n.º 7 do art.º 6.º do RCP.
IV. Porém, poderá equacionar-se, na sequência da reclamação de conta de custas, a apreciação da constitucionalidade do atual regime legal, em situações de manifesta iniquidade, de insuportável desequilíbrio entre o que é reclamado das partes a título de custas e o que foi prestado pelo sistema de justiça, em termos tais que não possam deixar indiferente o aplicador do direito.
2. Da fundamentação do acórdão extrai-se a seguinte parte:
"Como se sabe [...], a possibilidade concedida ao juiz de dispensar o pagamento de taxa de justiça remanescente em ações de valor tributário superior a € 275 000,00 foi introduzida para fazer face à inconstitucionalidade material de que padecia o regime então em vigor, o qual permitia que fossem impostas às partes custas de valor absolutamente desproporcionado, sem qualquer correspondência com o serviço de administração da justiça prestado, podendo assumir montantes tais que as pessoas se viam compelidas a afastarem-se dos tribunais, num atropelo do direito de acesso à justiça.
O facto de a lei permitir, atualmente, o referido movimento corretor do valor das custas, poderá fundamentar um juízo de constitucionalidade da lei quanto a esta questão, como, por exemplo, se decidiu no acórdão do STA, de 20.10.2015, processo 0468/15. Mais, existem decisões jurisprudenciais que defendem que, tendo o tribunal rejeitado a reclamação da conta de custas consubstanciada em extemporâneo requerimento de dispensa do pagamento de taxa de justiça remanescente, a aludida questão de inconstitucionalidade nem sequer se põe (vide STA, acórdão de 29.10.2014, processo 0547/14; Relação de Lisboa, de 15.10.2015, processo 6431-09.3TVLSB-A.L1-6).
De facto, como se diz no acórdão n.º 421/2013, do Tribunal Constitucional, de 15.7.2013, “os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adoção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito”.
Se é certo que, como se disse, o sistema legal tem atualmente a referida válvula de escape, capaz de refrear a tributação que uma tabela tributária sem limites poderia implicar, e reiterando-se que tal sistema deverá ser acionado aquando da decisão final (sentença; decisão sumária ou acórdão proferido em sede de recurso), com a disponibilização de reação contra essa decisão em sede de pedido de reforma ou de recurso contra a mesma, haverá que reconhecer que, como se infere da diversidade de entendimentos que esta temática suscita, o atual dispositivo legal aparenta falta de clareza, podendo levar a que a associação de inércia desatenta do lado do julgador com descuido do lado das partes conduza a uma tributação que, pela sua exorbitância, imponha os efeitos de uma fiscalização concreta de constitucionalidade.
Aqui se sufragando o exarado pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 301/2009, de 22.6.2009, segundo o qual “…estando em causa o apuramento da proporcionalidade ou não de um valor quantitativamente determinado, as configurações casuísticas, no plano da fiscalização concreta da constitucionalidade, contam como elemento de valoração, sem pôr em cheque a natureza normativa do nosso sistema de controlo. Daí a admissibilidade, sem contradição, de juízos discordantes sobre o mesmo critério normativo, dada a sua diferente projecção consequencialista sobre distintas realidades, do ponto de vista da natureza e do valor do serviço prestado.”
Atendendo a que, como se disse, a lei já permite o controlo do montante de taxa de justiça a cobrar às partes, a correção a operar por aplicação direta de critérios constitucionais só deverá ocorrer em situações de manifesta iniquidade, de insuportável desequilíbrio entre o que é reclamado das partes e o que foi prestado pelo sistema de justiça, em termos tais que não poderão deixar indiferente o aplicador do direito.
Ora, numa ação em que a A. pretendia obter uma utilidade económica no montante total de € 2 370 325,31, foi-lhe exigida a taxa de justiça de € 25 704,00. E, na apelação, em que a A. contra-alegou tendo em vista a defesa do que lhe havia sido reconhecido pelo tribunal de primeira instância, no valor de € 1 050 000,00, e contra o que a R. nesse recurso pretendia, que era a perda do sinal por parte da A., no montante de € 525 000,00, foi-lhe cobrada taxa de justiça no montante de € 8 772,00. No recurso de revista, em que a A. pretendia a reposição do decidido pela primeira instância, foi-lhe exigida taxa de justiça no valor de € 2 346,00 e, pela contra-alegação do recurso subordinado interposto pela R., mais € 5 559,00 de taxa de justiça.
Se a estes valores se somarem as taxas de justiça exigidas à R. (embora não esteja demonstrado nos autos que a R. pagou a totalidade das taxas liquidadas e as já reclamou da A. a título de custas de parte), conclui-se que o custo total suportado pela A., pela atuação nas três instâncias, a título de taxa de justiça, poderá somar € 82 416,00, sendo € 51 408,00 na primeira instância, € 17 544,00 na Relação e € 13 464,00 no STJ (não se contabilizando aqui as custas do incidente que suscitou a deliberação do STJ em conferência). Trata-se de valores elevados, porventura exagerados face às circunstâncias do litígio, embora não se possa dizer que o processo tivesse sido linear e desprovido de complexidade jurídica. Quanto à alegada singeleza jurídica, invocada pela apelante, a disparidade das decisões proferidas em todas as instâncias e a necessidade, sentida pela A., de apresentar perante o STJ um parecer de um ilustre jurisconsulto, desmentem-na. E no que concerne à leveza da tramitação processual, o número de articulados (quatro, na primeira instância) e a realização de quatro audiências (audiência preliminar e sessões de julgamento), a que se seguiu apelação com reapreciação da prova gravada e documental e duas revistas seguidas de convocação, após o julgamento, de conferência, retiram-lhe evidência.
Afigura-se-nos, ainda assim e tudo ponderado, que se justificaria, se assim as partes o tivessem atempadamente requerido, se não a dispensa total, pelo menos a redução das taxas de justiça incidentes sobre o valor superior a € 275 000,00 (solução intermédia – redução da taxa de justiça remanescente, em lugar da dispensa integral - cuja admissibilidade não tem suscitado controvérsia, estando proficientemente fundamentada, v.g., no acórdão do STJ, de 12.12.2013, processo 1319/12.3TVLSB-B.L1.S1).
Porém, tendo as partes omitido atempada intervenção naquele sentido, decisão contrária à lei ordinária só se justificaria se, como se disse, os valores cobrados à A. ultrapassassem flagrantemente padrões de proporcionalidade, em termos qualificáveis de iníquos, atingindo níveis que impusessem o afastamento do regime legal. Situações como algumas daquelas que demandaram do Tribunal Constitucional a sua intervenção corretora da legislação tributária-processual, antes da alteração do direito ordinário já exposta, seja no RCP, seja, anteriormente, no CCJ: cobrança de € 118 360,80 de taxa de justiça (sem considerar a devida pela parte vencedora), em ação, com o valor tributário de € 10 000 000,00, que terminara ainda antes de decorrido o prazo da contestação, com a homologação da desistência do pedido apresentada pelo autor (TC 421/2013, de 15.7.2013); cobrança de custas no valor total (sem consideração de custas da outra parte) de € 584 403,82, num procedimento cautelar com recurso para a Relação, com o valor tributário de € 51 742 000,00 (TC 227/2007, de 28.3.2007); cobrança de € 15 204,39 (sem consideração das custas das outras partes) de taxa de justiça pela mera interposição de recurso de decisão interlocutória por terceiro por ela afetado, em ação com o valor tributário de € 2 334 408,57.
Como se disse supra, a A., quando propôs a ação, tinha todas as condições para calcular antecipadamente o montante que provavelmente lhe seria cobrado, a título de taxa de justiça, pelo recurso aos tribunais. Cálculo esse a que, enquanto entidade empresarial, naturalmente vocacionada para a ponderação da relação custo-benefício no exercício da sua atividade, seguramente procedeu. Ora, nada ocorreu que tenha contrariado essas expetativas. Inclusivamente, o pedido reconvencional deduzido pela contraparte não foi considerado autonomamente pela primeira instância para o efeito de fixação do valor tributário da ação. Sendo certo que a lei possibilitava à A. exonerar-se ou mitigar tais encargos, nos termos supra explanados, o que não fez. Assim, a A. deve a si própria as consequências do encargo que ora terá de suportar.."
[MTS]