"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



01/05/2017

AECOPs e compensação (2)


1. Na sequência de um post anterior importa esclarecer dois pontos.

Um primeiro é o seguinte: a escolha quanto à alegação da compensação judicial nas AECOPs só pode ser entre a sua invocação através de reconvenção (como resulta do disposto no art. 266.º, n.º 2, al. c), CPC) e a não invocação da compensação nas referidas AECOPs. Dado que a reconvenção é a única forma prevista no CPC para a alegação da compensação nas acções declarativas, a opção nunca pode ser entre a invocação da compensação por reconvenção e a sua alegação por excepção. 

A admitir-se a invocação da compensação nas AECOPs, isso só pode suceder através da forma prevista no CPC. Qualquer outra forma de alegação da compensação -- nomeadamente ope exceptionis -- implica uma interpretação correctiva do CPC, dado que determina a não aplicação da forma prevista no CPC para a invocação da compensação judicial nos processos declarativos. 

Em teoria, pode discutir-se se a compensação pode ser invocada nas AECOPs; mas, se se concluir que essa invocação é admissível, então só o pode ser através da forma prevista na lei. Recorde-se ainda que, tendo presente os poderes de gestão processual e de adequação formal que são concedidos ao juiz (cf. art. 6.º, n.º 1, e 547.º CPC), dificilmente se pode aceitar, hoje em dia, qualquer argumento baseado na inadequação da tramitação das AECOPs para justificar a inadmissibilidade da reconvenção nessas acções. Aliás, a alternativa por vezes sugerida -- a invocação da compensação ope exceptionis -- não se afasta significativamente, em termos de tramitação da acção, daquela que é exigida quando a compensação é alegada por via de reconvenção.

Acresce que a solução reconvencional é a única que é coerente com o estabelecido no art. 848.º, n.º 1, CC, no qual se dispõe que a compensação se torna efectiva mediante declaração de uma das partes à outra. Dito de outro modo: a alegação da compensação judicial é um "ataque" do credor demandado (e é por isso que opera por via de reconvenção), e não uma "defesa" desse credor (e é por isso que não pode operar por via de excepção).

Como se referiu no post anterior, não é justificável recusar a alegação da compensação nas AECOPs e (ter de) admitir a sua invocação na oposição à execução nos termos estabelecidos no art. 729.º, al. h), CPC. Sendo assim, estando excluída qualquer interpretação correctiva do disposto no CPC quanto à forma de invocar a compensação judicial nas acções declarativas, a alegação da compensação nas AECOPs só pode ser realizada ope reconventionis. Qualquer outra forma de alegação da compensação seria contra o disposto no CPC e, portanto, contra legem.

2. A alegação da compensação como fundamento da oposição à execução justifica o segundo esclarecimento.

O art. 729.º, al. h), CPC permite que, numa execução baseada numa sentença, o executado alegue um contracrédito como fundamento de oposição à execução; o regime é estendido a execuções baseadas noutros títulos executivos pelos art. 730.º e 731.º CPC. A solução é paralela àquela que se encontra estabelecida no art. 266.º, n.º 2, al. c), CPC para a alegação da compensação na acção declarativa. Tal como decorre do disposto no art. 266.º, n.º 2, al. c), CPC, também os art. 729.º, al. h), 730.º e 731,º CPC exigem que a alegação da compensação em juízo seja realizada através da formulação de um pedido de compensação do crédito exequendo com um contracrédito próprio.

Em concreto: segundo o disposto no art. 266.º, n.º 2, al. c), CPC, a compensação judicial opera, nos processos declarativos, através da formulação de um pedido reconvencional relativo ao reconhecimento do contracrédito e da respectiva compensação dos créditos; de acordo com o estabelecido nos art. 729.º, al. h), 730.º e 731.º CPC, a compensação judicial opera, nos processos executivos, através da formulação de um pedido de reconhecimento do contracrédito e da respectiva compensação deduzido nos embargos de executado. Este pedido formulado pelo credor demandado ou executado é a tradução processual da declaração estabelecida no art. 848.º, n.º 1, CC. A ideia é sempre a mesma: o credor que procura obter em juízo a compensação assume uma posição de "ataque" (ou de "contra-ataque"), diferente, portanto, da posição defensiva que toma quando alega uma excepção peremptória.

É precisamente esta diferença que está subjacente ao disposto nas al. g) e h) do art. 729.º CPC e que implica que não se possa (nem se deva) aplicar o regime que consta daquela primeira alínea à compensação regulada na última das referidas alíneas. Nomeadamente, se se compreende que haja uma preclusão quanto a um meio de defesa (e, por isso, que não possam ser alegadas excepções peremptórias que podiam ter sido invocadas no anterior processo declarativo), já não é aceitável que haja qualquer preclusão quanto à invocação do contracrédito. Enfim, é preciso não esquecer a diferença entre a alegação de um facto extintivo ou modifcativo (tal como está previsto na al. g)) e a alegação de um contracrédito (tal como está previsto na al. h)), ou seja, é necessário considerar a diferença entre a defesa por excepção peremptória (que é defesa, e não ataque) e a alegação de um direito através da reconvenção (que é contra-ataque, e não defesa). 

Aliás, se não houvesse nenhuma diferença entre a alegação de uma excepção peremptória e a invocação de um contracrédito como fundamento dos embargos de executado não tinha valido a pena acrescentar a actual al. h) do art. 729.º no elenco desses fundamentos. Quem transpõe para a al. h) do art. 729.º as exigências que constam da al. g) do mesmo preceito terá também de defender que o acrescento daquela al. h) foi inútil, porque, de outro modo, não se compreende a transposição de requisitos que são próprios da alegação de um facto extintivo ou modificativo para a invocação de um contracrédito. Se, afinal, tudo está submetido aos mesmos requisitos, é porque tudo é igual. A verdade é que não é tudo igual e que a introdução da al. h) no art. 729.º não foi inútil, porque se destinou precisamente a demarcar a invocação de um contracrédito da alegação de um facto extintivo ou modificativo. O regime é coerente e, atendendo à diversidade de situações a ele subjacente, deve ser respeitado pelos seus aplicadores.

Se o contracrédito for reconhecido nos embargos de executado, isso implica a extinção, total ou parcial, do crédito exequendo. O art. 732.º, n.º 5, CPC estabelece que a decisão de mérito proferida nesses embargos constitui caso julgado material quanto à inexistência da obrigação exequenda. Disto decorre -- necessariamente -- que também se forma caso julgado material quanto à existência do contracrédito, porque não teria sentido que o houvesse quanto à inexistência do crédito exequendo e não o houvesse quanto ao contracrédito que determina aquela inexistência.

3. Para prevenir qualquer mal-entendido, importa lembrar que o que acima se referiu vale apenas para a compensação judicial, isto é, para a compensação que é requerida e obtida em juízo. Se o crédito do autor ou do exequente já se encontrar extinto por uma compensação que operou antes da acção ou da execução, então tudo se resume à invocação da extinção desse mesmo crédito através da alegação da respectiva excepção peremptória extintiva (cf. art. 576.º, n.º 3, 729.º, al. g), 730.º e 731.º CPC).

MTS