"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



09/05/2017

Jurisprudência (615)


Resolução em benefício da massa insolvente;
impugnação; ónus da prova

1. O sumário de RP 23/1/2017 (4058/12.1TBGDM-B.P1) é o seguinte:

I - A acção de impugnação da resolução de acto em benefício da massa insolvente onde apenas sejam impugnados factos invocados para fundamentar a resolução é uma acção de simples apreciação negativa.

II - Como assim, compete ao Administrador de insolvência a alegação e prova dos factos constitutivos do direito potestativo de resolução de acto em benefício da massa insolvente que exerceu.

III - Fora dos casos previstos no artigo 120.º, nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas a resolubilidade dos actos prejudiciais à massa insolvente pressupõe a prejudicialidade do acto, requisito que se não verifica se apenas se prova que determinado imóvel foi vendido pelo preço referido no respectivo acto notarial e onde se declara que já foi recebido dando-se a respectiva quitação.

2. Na fundamentação do acórdão pode ler-se o seguinte:

"O direito de resolução é um direito potestativo de natureza extintiva e, tratando-se de resolução em benefício da massa insolvente, o seu nascimento depende do preenchimento dos requisitos legais.

No que concerne à resolução condicional ao abrigo do artigo 120.º do CIRE, são requisitos gerais da resolução em benefício da massa insolvente os seguintes:

a) Realização pelo devedor de actos ou omissões;

b) Prejudicialidade do acto ou omissão em relação à massa insolvente;

c) Verificação desse acto ou omissão nos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência;

d) Existência de má fé do terceiro. [Cfr. neste sentido Luís Meneses de Leitão, Direito da Insolvência, Almedina, pág. 218.]

Se o nascimento do direito potestativo de resolução do acto em benefício da massa insolvente depende dos referidos pressupostos legais, dir-se-á, que o ónus da prova dos mencionados requisitos legais necessários àquele nascimento compete à massa insolvente [Neste sentido, quanto à prejudicialidade e à má fé do terceiro veja-se, Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Almedina 2008, Fernando de Gravato Morais, páginas 54 e 69], pois é esta entidade que invoca o direito potestativo extintivo a seu favor e que o pretende fazer valer em face da contraparte no negócio resolvido.

Todavia, a questão que se pode colocar é a de saber se, a circunstância da resolução ser declarada por via extrajudicial e de ser atacada por via de impugnação judicial, altera os dados da questão.

No seu configuração geral, a impugnação, como até o próprio nome indica, visará a negação dos factos invocados pelo Administrador da Insolvência para fundamentar a resolução que extrajudicialmente declarou.

Neste circunstancialismo, parece que a qualificação mais acertada para esta acção é a de mera apreciação negativa, na medida em que no referido figurino geral visará tão-só a demonstração da inexistência ou inverificação dos pressupostos legais da resolução declarada pelo administrador da insolvência [artigo 4º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil].

Na acção de impugnação, o impugnante está apenas, de modo antecipado, a exercer o seu direito à contraprova (artigo 346.º do Código Civil), alegando factos que constituem negação dos factos invocados como fundamento do direito de resolução exercido pelo administrador da insolvência ou, noutra vertente, articulando factos extintivos do mesmo direito de resolução.

Alguma jurisprudência [Vejam-se os acórdãos da Relação de Lisboa de 24 de Setembro de 2009, relatado pelo Sr. Desembargador António Valente, no processo nº 725/06.7TBTVD-I.L1-8 e de 09 de Março de 2010, relatado pelo Sr. Desembargador Pires Robalo, no processo nº 520/06.3TBLNH-F.L1-7 [...]] e alguma doutrina [Veja-se, Fernando de Gravato Morais, obra citada página 167, que começa por referir, de forma correcta, a nosso ver, que cabe ao impugnante o encargo de provar todos os factos extintivos do direito de resolução invocado, para depois afirmar, inexplicavelmente e em contradição com o que anteriormente afirmara na página 54, que compete ao impugnante a demonstração de que o acto não foi prejudicial à massa insolvente], sustenta que cabe aos impugnantes a demonstração da inexistência de prejuízo para a massa insolvente e de má fé da sua parte, olvidando-se quer a natureza da acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente, quer ainda a natureza de simples contraprova das alegações de inexistência de prejudicialidade no acto resolvido [...] ou da má fé por parte do terceiro interveniente no acto objecto de resolução, neste último caso sempre que o autor da resolução não beneficie de uma presunção legal juris tantum de má fé. [Nesta última hipótese, o impugnante não se poderá cingir a uma simples contraprova (artigo 346º do Código Civil), estando obrigado a produzir prova do contrário, em ordem a ilidir a presunção legal juris tantum de má fé (artigos 120º, nº 4, do CIRE e 350º, nº 2, do Código Civil)]

Acontece que, a alegação de inexistência de prejuízo para a massa insolvente ou a inexistência de má fé da contraparte no negócio objecto de resolução não constituem factos extintivos do direito de resolução, mas antes a impugnação dos factos invocados para fundamentar o exercício do direito de resolução pelo administrador da massa insolvente.

Só se pode falar de um facto extintivo de um direito quando previamente existem um ou vários factos constitutivos que originaram esse direito.

“É manifesto que a alegação da inexistência de prejudicialidade ou de má fé não constituem factos extintivos do direito de resolução, sendo antes a negação dos factos necessários ao nascimento do direito de resolução que, por via extrajudicial, foi exercido pelo administrador da insolvência.

A inexistência de prejudicialidade ou de má fé alegadas pelo impugnante, a provarem-se, não determinam a extinção de um direito potestativo, antes contendem com o nascimento desse direito, pois integram a negação dos factos constitutivos daquele direito.

Se o nascimento desse direito potestativo depende da prejudicialidade do acto e da má fé do terceiro, a alegação da inexistência de prejudicialidade ou de má fé não constitui qualquer facto impeditivo do nascimento do direito em apreço. É que, em tal caso, não se trata de defesa por excepção peremptória, mas antes e simplesmente de uma defesa por impugnação antecipada que pode ou não ser motivada.

Na verdade, tais alegações, ainda que envolvam a alegação de factos novos, o que sucede em regra na impugnação motivada, caso se provem, não obstam à produção ab initio dos efeitos jurídicos próprios do direito de resolução, antes contendem com o próprio nascimento do direito em apreço ”. [Neste sentido Acórdão da Relação de Coimbra de 24/05/2011 in www.dgsi.pt e que aqui seguimos de perto]

3. [Comentário] Não se acompanha a posição da RP, remetendo-se para o que se disse em Jurisprudência (564).

MTS