Declarações de parte;
requisitos; objecto
I. O sumário de RC 17/1/2017 (143/13.0TBCDN-A.C1) é o seguinte:
1 - A produção dos meios de prova – v. g. pericial - pode/deve incidir não apenas sobre factos que, direta e nuclearmente se reportem ao objeto do processo, mas outrossim sobre outros que, embora mediata ou indiretamente relacionados, são necessários à emanação e prova daqueles primeiros e à emergência da verdade material.
2 - Considerando a redação dada ao pretérito artº 552º do CPC - hoje 452º nº 2 - pela reforma de 1995, a delimitação legal do depoimento/declarações de parte – apenas incidente sobre factos pessoais ou de conhecimento direto –, e o sucessivo alívio da posição impugnatória do réu relativamente à p.i., a estatuição dos segmentos normativos dos artº 452º nº2 e 466º nº2, mais de que um imperioso e impiedoso dever de discriminação dos factos, consagram uma preferência legal nesse sentido, que o requerente, em princípio, deve satisfazer.
3 - Assim, o pedido de prestação de declarações de parte do autor «a todos os artigos da pi.» não acarreta o indeferimento, liminar e cerce, desta pretensão, antes devendo ser aceite com respeito por tal delimitação, ou, então, ser o impetrante convidado a cumprir com maior rigor o legalmente consagrado.
II. Na fundamentação do acórdão pode ler-se o seguinte:
"Nos termos do artº 466º do CPC: «as partes podem requerer, até ao início das alegações orais…a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto».
Este preceito foi introduzido pela reforma de 2013.
Na exposição de motivos da Proposta de Lei nº 113/XII expendeu-se:
«Prevê-se a possibilidade de prestarem declarações em audiência as próprias partes, quando, face à natureza pessoal dos factos a averiguar, tal diligência se justifique, as quais são livremente valoradas pelo juiz, na parte em que não representem confissão»
Vemos assim que o que distingue o depoimento de parte previsto no artº 452º e segs, das declarações de parte, é que aquele se destina apenas a provocar a confissão, sendo tendencialmente irrelevante se tal não se verificar.
Já estas podem ser aproveitadas mesmo que a confissão não se verifique, pois que são livremente apreciadas.
Efetivamente, e no domínio da legislação vigente à aludida reforma, já assim se entendia, quando se expendia:
«O depoimento de parte é um meio processual […] destinado a provocar a confissão judicial, ou seja, o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (art. 352.º do CC).
A confissão, como meio de prova e de prova plena contra o confitente (art. 358.º, n.º 1, do CC), pressupõe o reconhecimento da verdade de factos contrários ao interesse desse confitente.
Se a parte se limita a afirmar factos que lhe são favoráveis, não está a confessar, sendo que o depoimento de parte não constitui no nosso direito, um testemunho de parte, a apreciar livremente em todo o seu conteúdo, favorável ou desfavorável ao depoente, mas um meio de provocar a confissão.» - Ac. do STJ de 16.10.2012, p. 8020/09.3T2SNT.L1.S1.
Não obstante, ambas as figuras assentam em requisitos processuais formais essencialmente idênticos, a saber:
- ambas apenas incidem sobre factos «pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento» - artº 454º nº1 – (depoimento); ou sobre «factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto» - artº 466º nº1 – (declarações);
- E, quando o depoimento não seja determinado oficiosamente, mas seja requerido por uma das partes, tanto nele como no pedido de das declarações, devem os impetrantes «indicar logo, de forma discriminada, os factos sobre que há de recair» – artº 452º nº 2 e 466º nº 2 in fine do CPC.
A redação do nº 2 do artº 452º resulta da reforma de 1995.
Na redação pretérita o artigo correspondente – 552º - estatuía: «Quando se requeira o depoimento de parte, devem ser discriminadamente indicados os factos sobre que há-de recair, sob pena de não ser admitido».
Vemos, assim, que, na lei atual, esta cominação, pesada e definitiva, caiu.
O que, só por si, e considerando desde logo os elementos literal e histórico da hermenêutica jurídica, clama a conclusão de que tal gravosa consequência não emerge, liminarmente, se o ónus de discriminação/adequada concretização não for cumprido pelo requerente do depoimento ou das declarações.
Sendo que tais elementos exegéticos são ainda complementados pela adequada interpretação dos termos dos próprios preceitos em causa, e pela consideração de outros ónus e perspetivação de certos princípios, adjetivamente consagrados.
Assim, e desde logo quanto à letra da lei, há que que atentar que ela (de)limita o objeto do depoimento: não são atendíveis todos e quaisquer factos, vg. que constem num articulado, mas apenas os factos em que o declarante tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto.
Depois, e no atinente aos demais ónus constantes no processo, urge correlacionar o ónus do impetrante do depoimento/declarações de parte com o ónus de impugnação do próprio réu na sua contestação – artº 574º do CPC.
Ora este ónus tem vindo, ao longo das sucessivas reformas processuais, a ser aliviado.
Pois que na lei anterior à reforma de 1995, o réu tinha de «tomar posição definida perante cada um dos factos articulados na petição» - artº 490º nº1, sob pena de admissão por acordo dos factos.
Já com a reforma de 1995 o réu apenas devia apenas: « tomar posição definida perante os factos articulados na petição».
E, presentemente «deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor».
Vemos assim que, hodiernamente, o réu não é obrigado a efetivar uma contestação per positionem, sendo legítima e eficaz, a negação simples, quer dirigida a factos determinados da petição, quer mesmo, a um núcleo factual, mais ou menos homogéneo, que constitua o cerne da causa de pedir.
Ora se assim é para o réu numa matéria de elevada relevância em que uma interpretação de maior exigência e rigor do seu ónus, pode acarretar a admissão, por acordo, dos factos articulados pelo autor, com a possível consequência da perda da ação, também, por igualdade ou maioria de razão, o deve ser no campo que nos ocupa.
Pois que não é razoável impor ao requerente das declarações de parte, numa matéria que nem sequer tem a relevância e as consequências que emanam da posição do réu – a admissão, ou não admissão, do depoimento ou das declarações de parte, só por si, e por via de regra, não decide a causa - , um cuidado e um rigor de atuação acrescidos relativamente aos que são exigidos ao próprio réu quando confrontado com a pi do autor.
Finalmente, et pour cause, passe o galicismo, ou seja, não sem razão ou motivo, relevam ainda os princípios consagrados nos artºs 6º e 7º e 590º nº4 do CPC.
Aquele impondo o dever de gestão processual do juiz no sentido de promover oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da lide.
O segundo obrigando-o a cooperar com as próprias partes para se obter a justa composição do litígio.
Finalmente, o último, adstringindo-o a convidar as partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada.
Nesta conformidade, e concluindo, a menos curial e adequada atuação dos autores ao, simples e globalmente, requererem as declarações de parte a todos os artºs da petição inicial, não deveria acarretar o indeferimento, liminar e cerce, da sua pretensão -cfr. neste sentido, o Ac. da RP de 11.12.1986, CJ, 5º, 242.
Mas antes devendo ela ser aproveitada nos limites permitidos por lei – só para os factos naquela peça constantes em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha tido conhecimento direto.
Ou, então, devendo a julgadora convidar os impetrantes a cumprir escrupulosamente o que a lei, à partida e preferencialmente, pretende, ou seja, que sejam indicados o mais concretamente possível, os factos de tal jaez que devem ser objeto das declarações.
Opção esta que, por mais formal, mais adequada ao fito da lei de concretizar cabalmente o objeto das declarações com a inerente facilitação das mesmas, e mais conforme aos princípios da substanciação e do dispositivo, se tem como preferível."
[MTS]
Este preceito foi introduzido pela reforma de 2013.
Na exposição de motivos da Proposta de Lei nº 113/XII expendeu-se:
«Prevê-se a possibilidade de prestarem declarações em audiência as próprias partes, quando, face à natureza pessoal dos factos a averiguar, tal diligência se justifique, as quais são livremente valoradas pelo juiz, na parte em que não representem confissão»
Vemos assim que o que distingue o depoimento de parte previsto no artº 452º e segs, das declarações de parte, é que aquele se destina apenas a provocar a confissão, sendo tendencialmente irrelevante se tal não se verificar.
Já estas podem ser aproveitadas mesmo que a confissão não se verifique, pois que são livremente apreciadas.
Efetivamente, e no domínio da legislação vigente à aludida reforma, já assim se entendia, quando se expendia:
«O depoimento de parte é um meio processual […] destinado a provocar a confissão judicial, ou seja, o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (art. 352.º do CC).
A confissão, como meio de prova e de prova plena contra o confitente (art. 358.º, n.º 1, do CC), pressupõe o reconhecimento da verdade de factos contrários ao interesse desse confitente.
Se a parte se limita a afirmar factos que lhe são favoráveis, não está a confessar, sendo que o depoimento de parte não constitui no nosso direito, um testemunho de parte, a apreciar livremente em todo o seu conteúdo, favorável ou desfavorável ao depoente, mas um meio de provocar a confissão.» - Ac. do STJ de 16.10.2012, p. 8020/09.3T2SNT.L1.S1.
Não obstante, ambas as figuras assentam em requisitos processuais formais essencialmente idênticos, a saber:
- ambas apenas incidem sobre factos «pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento» - artº 454º nº1 – (depoimento); ou sobre «factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto» - artº 466º nº1 – (declarações);
- E, quando o depoimento não seja determinado oficiosamente, mas seja requerido por uma das partes, tanto nele como no pedido de das declarações, devem os impetrantes «indicar logo, de forma discriminada, os factos sobre que há de recair» – artº 452º nº 2 e 466º nº 2 in fine do CPC.
A redação do nº 2 do artº 452º resulta da reforma de 1995.
Na redação pretérita o artigo correspondente – 552º - estatuía: «Quando se requeira o depoimento de parte, devem ser discriminadamente indicados os factos sobre que há-de recair, sob pena de não ser admitido».
Vemos, assim, que, na lei atual, esta cominação, pesada e definitiva, caiu.
O que, só por si, e considerando desde logo os elementos literal e histórico da hermenêutica jurídica, clama a conclusão de que tal gravosa consequência não emerge, liminarmente, se o ónus de discriminação/adequada concretização não for cumprido pelo requerente do depoimento ou das declarações.
Sendo que tais elementos exegéticos são ainda complementados pela adequada interpretação dos termos dos próprios preceitos em causa, e pela consideração de outros ónus e perspetivação de certos princípios, adjetivamente consagrados.
Assim, e desde logo quanto à letra da lei, há que que atentar que ela (de)limita o objeto do depoimento: não são atendíveis todos e quaisquer factos, vg. que constem num articulado, mas apenas os factos em que o declarante tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto.
Depois, e no atinente aos demais ónus constantes no processo, urge correlacionar o ónus do impetrante do depoimento/declarações de parte com o ónus de impugnação do próprio réu na sua contestação – artº 574º do CPC.
Ora este ónus tem vindo, ao longo das sucessivas reformas processuais, a ser aliviado.
Pois que na lei anterior à reforma de 1995, o réu tinha de «tomar posição definida perante cada um dos factos articulados na petição» - artº 490º nº1, sob pena de admissão por acordo dos factos.
Já com a reforma de 1995 o réu apenas devia apenas: « tomar posição definida perante os factos articulados na petição».
E, presentemente «deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor».
Vemos assim que, hodiernamente, o réu não é obrigado a efetivar uma contestação per positionem, sendo legítima e eficaz, a negação simples, quer dirigida a factos determinados da petição, quer mesmo, a um núcleo factual, mais ou menos homogéneo, que constitua o cerne da causa de pedir.
Ora se assim é para o réu numa matéria de elevada relevância em que uma interpretação de maior exigência e rigor do seu ónus, pode acarretar a admissão, por acordo, dos factos articulados pelo autor, com a possível consequência da perda da ação, também, por igualdade ou maioria de razão, o deve ser no campo que nos ocupa.
Pois que não é razoável impor ao requerente das declarações de parte, numa matéria que nem sequer tem a relevância e as consequências que emanam da posição do réu – a admissão, ou não admissão, do depoimento ou das declarações de parte, só por si, e por via de regra, não decide a causa - , um cuidado e um rigor de atuação acrescidos relativamente aos que são exigidos ao próprio réu quando confrontado com a pi do autor.
Finalmente, et pour cause, passe o galicismo, ou seja, não sem razão ou motivo, relevam ainda os princípios consagrados nos artºs 6º e 7º e 590º nº4 do CPC.
Aquele impondo o dever de gestão processual do juiz no sentido de promover oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da lide.
O segundo obrigando-o a cooperar com as próprias partes para se obter a justa composição do litígio.
Finalmente, o último, adstringindo-o a convidar as partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada.
Nesta conformidade, e concluindo, a menos curial e adequada atuação dos autores ao, simples e globalmente, requererem as declarações de parte a todos os artºs da petição inicial, não deveria acarretar o indeferimento, liminar e cerce, da sua pretensão -cfr. neste sentido, o Ac. da RP de 11.12.1986, CJ, 5º, 242.
Mas antes devendo ela ser aproveitada nos limites permitidos por lei – só para os factos naquela peça constantes em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha tido conhecimento direto.
Ou, então, devendo a julgadora convidar os impetrantes a cumprir escrupulosamente o que a lei, à partida e preferencialmente, pretende, ou seja, que sejam indicados o mais concretamente possível, os factos de tal jaez que devem ser objeto das declarações.
Opção esta que, por mais formal, mais adequada ao fito da lei de concretizar cabalmente o objeto das declarações com a inerente facilitação das mesmas, e mais conforme aos princípios da substanciação e do dispositivo, se tem como preferível."
[MTS]