Apoio judiciário; requerimento; documento comprovativo;
dever de colaboração do tribunal; violação; consequências
1. O sumário de RC 24/01/2017 (465/16.9T8LRA.C1) é o seguinte:
I – Dispõe o n.º 4 do art.º 24º da Lei 34/2004, de 29 de Julho, que “quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo”.
II - Face ao assim preceituado, parece isento de dúvida que para efeitos de interrupção do prazo em curso o requerente da nomeação de patrono deve juntar à acção, naquele prazo, documento comprovativo da apresentação, na segurança social, do requerimento de apoio nessa mesma modalidade, ónus que no caso vertente não se mostra efectivamente cumprido.
III - Não se considera gravoso para o requerente, em termos de lesar o seu direito de aceder à Justiça, exigir que ele documente nos autos a apresentação do requerimento de apoio judiciário nos serviços de segurança social, no prazo judicial em curso, para que este se interrompa. Trata-se, com efeito, de uma diligência que não exige quaisquer conhecimentos jurídicos e que, portanto, a parte pode praticar por si só, com o mínimo de diligência a que, como interessada, não fica desobrigada pelo facto de se encontrar numa situação de carência económica.
IV - Se o dever de colaboração deve ser cumprido quando a parte esteja representada por advogado, não pode deixar de se entender que, não estando a parte patrocinada, deve aumentar a diligência do tribunal no cumprimento desse dever de assistência à parte.
V - A omissão de tal dever por banda do Tribunal tem o valor de nulidade que influi clara e decisivamente no exame e decisão da causa (cf. art.º 195.º, n.º 1 do nCPC).
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"O art.º do 7.º do CPC consagra o princípio da cooperação, impondo aos magistrados, mandatários e às próprias partes que na condução e intervenção no processo cooperem entre si “concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio”. Partes e juízes devem assim “cooperar entre si para que o processo realize a sua função em prazo razoável (…). O apelo à realização da função processual aponta para a cooperação dos intervenientes do processo no sentido de nele se apurar a verdade sobre a matéria de facto e, com base nela, se obter a adequada decisão de direito [cooperação em sentido material]. O apelo ao prazo razoável aponta para a sua cooperação no sentido de, sem dilações inúteis, proporcionarem as condições para que essa decisão seja proferida no menor período de tempo compatível com as exigências do processo (…)” [Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais”, 2.ª edição, pág. 163/164] [cooperação em sentido formal].
Resulta ainda das diversas manifestações do princípio assim consagrado que o mesmo cumpre uma “uma função assistencial das partes”, não podendo “ser confundido com um poder discricionário do tribunal: não se trata de atribuir ao tribunal um poder para o mesmo utilizar quando entender e como entender, mas de impor ao tribunal um dever de auxílio das partes para que seja atingida a justa composição do litígio”. Trata-se portanto, de um poder-dever, cujo incumprimento implica uma nulidade processual [...].
O dever de colaboração compreende, para além do mais [...], um “dever de prevenção ou de advertência (…), o tribunal tem o dever de prevenir as partes sobre a falta de pressupostos processuais sanáveis (cf. art. 6.º, n.º 2, e 508.º, n.º 1, al. a)) e sobre irregularidades ou insuficiências das suas peças ou alegações (cf. art. 590.º, n.º 2, al. b), 591.º, n.º 1, al. c), 639.º, n.º 3, e 652.º, n.º 1, al. a)); (…) e o dever de auxílio das partes; o tribunal tem o dever de auxiliar as partes na remoção das dificuldades ao exercício dos seus direitos ou faculdades ou no cumprimento dos seus ónus ou deveres processuais (cf. art. 7.º, n.º 4).
Por outro lado, se o dever de colaboração deve ser cumprido quando a parte esteja representada por advogado, não pode deixar de se entender que, não estando a parte patrocinada, deve aumentar a diligência do tribunal no cumprimento desse dever de assistência à parte”.
Vêm estas considerações a propósito da posição assumida pelo Mm.º juiz quanto à irrelevância da junção aos autos pela ora recorrente do requerimento acompanhado da carta dirigida à AO, por o mesmo não corresponder “a qualquer pedido de apoio judiciário tal qual o mesmo vem definido no art.º 22.º e 24.º da lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, sendo tão só um requerimento dirigido à Ordem dos Advogados solicitando “uma nova nomeação para 2.ª opinião”. É verdade que assim é, mas do seu teor resulta a nosso ver indubitável que pretendia a nomeação de um advogado para a assistir neste processo, tanto assim que foi aos presentes autos que requereu a respectiva junção. Reconhece-se que a alusão à obtenção de uma segunda opinião não é rigorosamente a mesma coisa que pretender o patrocínio “para contestar a acção”, mas a declaração tem que ser interpretada atendendo ao seu contexto e ainda, quer à pessoa do declarante, quer ao seu particular destinatário, neste caso o juiz a quem vinha dirigido o requerimento. Acresce que, em nosso entender, mesmo lançando mão dos critérios interpretativos consagrados no art.º 236.º do CC, valendo a declaração com o sentido que o declaratário possa razoavelmente deduzir do comportamento do declarante, parece-nos inequívoco que a ora recorrente pretendia a nomeação de um advogado para a patrocinar no âmbito deste processo, compreendendo-se a alusão a 2.ª opinião quando se atente na existência do processo anterior, sendo certo que nele havia sido proferido acórdão há meses transitado em julgado. E por assim ser, uma vez que o requerimento em causa deu entrada em juízo escassos dias depois da citação, deveria o Tribunal na apreciação do mesmo, e dando cumprimento ao assinalado dever de cooperação, esclarecer a requerente que não era aquele o meio adequado à obtenção do patrocínio pretendido, devendo portanto dirigir-se à SS para o efeito e, mais relevante, que para obter a interrupção do prazo em curso, tal só ocorreria com a junção aos autos, a efectuar pela própria, do documento certificativo de que tal pedido havia sido formulado. É certo que, por ter a secção de processos inobservado o prazo prescrito no art.º 162.º, n.º 1 do CPC, o requerimento apresentado só veio a ser presente ao Mm.º juiz depois de ter decorrido o prazo de contestação, mas tal inobservância não pode, obviamente, prejudicar a parte - cf. art.º 157.º, n.º 6 do CPC - não invalidando a conclusão de que foi omitido pelo Tribunal o assinalado dever de cooperação.
Acresce que tendo a recorrente solicitado entretanto na segurança social a concessão do apoio judiciário também na modalidade de nomeação de patrono, o que fez ainda em prazo e seguramente esclarecida pela delegação de Leiria da OA, tal pedido veio a ser-lhe deferido, conforme o Centro Distrital respectivo informou o Tribunal (o que permite questionar mais incisivamente a racionalidade da solução legal quando faz recair sobre o requerente o ónus de trazer ao processo o documento certificativo da apresentação do pedido, associando para mais ao incumprimento do ónus gravosas consequências, quando nada parece obstaculizar a que, com toda a facilidade, fosse o Centro Regional a efectuar tal comunicação).
Dir-se-á que a ora apelante deveria e poderia ter cumprido então o ónus legal, tanto mais que no impresso que subscreveu se encontra a menção de que tomou conhecimento de que devia “entregar cópia do presente requerimento no tribunal onde decorre a acção, no prazo que me foi fixado na citação/notificação”. Todavia, para além do dito impresso ser absolutamente omisso quanto às consequências associadas ao incumprimento de tal ónus, não poderá a nosso ver deixar de se relevar a circunstância da requerente ter já antes, e por via do mencionado requerimento que fez juntar aos autos anexando a carta enviada à AO, dado a conhecer que pretendia a nomeação de um advogado para a acompanhar nesta acção, donde não poder afirmar-se que, neste caso, era tal facto absolutamente desconhecido no processo. Com efeito, e conforme se deixou já referido, face a tal informação ficou adquirido no processo que a requerente pretendia a nomeação de patrono para a assistir nestes precisos autos -mostrando-se deste modo cumprida a finalidade visada pela lei com a junção do documento comprovativo da formulação do pedido junto da SS- cabendo ao Tribunal assegurar-se de que a esclarecia dos exactos termos em que a sua pretensão devia ser formulada e da prática dos actos necessários a garantir que exercia efectivamente o seu direito de defesa, como era inequivocamente sua intenção.
A omissão de tal dever por banda do Tribunal tem o valor de nulidade que influi clara e decisivamente no exame e decisão da causa (cf. art.º 195.º, n.º 1) e que, para além do mais, e tanto quanto resulta dos autos, foi arguida pela recorrente em tempo, quando solicitou ao Mm.º juiz que substituísse o despacho ora em apreciação por outro que determinasse que os autos aguardassem a decisão a proferir pela SS. O assim requerido veio a ter resposta apenas aquando da prolação da sentença, tendo-se o Mm.º juiz limitado a remeter para o antes decidido, passando a conhecer do mérito da causa e servindo-se para tanto da factualidade que havia julgado assente por confissão, atendendo ao preceituado no n.º 1 do art.º 567.º do CPC.
Resulta do que se deixou exposto que o despacho impugnado, valendo-se e dando cobertura a nulidade com influência na decisão da causa, não pode subsistir, impondo-se a sua anulação e, bem assim, dos termos subsequentes, incluindo portanto a sentença recorrida (art.º 195.º, nºs 2 e 3)."
Por outro lado, se o dever de colaboração deve ser cumprido quando a parte esteja representada por advogado, não pode deixar de se entender que, não estando a parte patrocinada, deve aumentar a diligência do tribunal no cumprimento desse dever de assistência à parte”.
Vêm estas considerações a propósito da posição assumida pelo Mm.º juiz quanto à irrelevância da junção aos autos pela ora recorrente do requerimento acompanhado da carta dirigida à AO, por o mesmo não corresponder “a qualquer pedido de apoio judiciário tal qual o mesmo vem definido no art.º 22.º e 24.º da lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, sendo tão só um requerimento dirigido à Ordem dos Advogados solicitando “uma nova nomeação para 2.ª opinião”. É verdade que assim é, mas do seu teor resulta a nosso ver indubitável que pretendia a nomeação de um advogado para a assistir neste processo, tanto assim que foi aos presentes autos que requereu a respectiva junção. Reconhece-se que a alusão à obtenção de uma segunda opinião não é rigorosamente a mesma coisa que pretender o patrocínio “para contestar a acção”, mas a declaração tem que ser interpretada atendendo ao seu contexto e ainda, quer à pessoa do declarante, quer ao seu particular destinatário, neste caso o juiz a quem vinha dirigido o requerimento. Acresce que, em nosso entender, mesmo lançando mão dos critérios interpretativos consagrados no art.º 236.º do CC, valendo a declaração com o sentido que o declaratário possa razoavelmente deduzir do comportamento do declarante, parece-nos inequívoco que a ora recorrente pretendia a nomeação de um advogado para a patrocinar no âmbito deste processo, compreendendo-se a alusão a 2.ª opinião quando se atente na existência do processo anterior, sendo certo que nele havia sido proferido acórdão há meses transitado em julgado. E por assim ser, uma vez que o requerimento em causa deu entrada em juízo escassos dias depois da citação, deveria o Tribunal na apreciação do mesmo, e dando cumprimento ao assinalado dever de cooperação, esclarecer a requerente que não era aquele o meio adequado à obtenção do patrocínio pretendido, devendo portanto dirigir-se à SS para o efeito e, mais relevante, que para obter a interrupção do prazo em curso, tal só ocorreria com a junção aos autos, a efectuar pela própria, do documento certificativo de que tal pedido havia sido formulado. É certo que, por ter a secção de processos inobservado o prazo prescrito no art.º 162.º, n.º 1 do CPC, o requerimento apresentado só veio a ser presente ao Mm.º juiz depois de ter decorrido o prazo de contestação, mas tal inobservância não pode, obviamente, prejudicar a parte - cf. art.º 157.º, n.º 6 do CPC - não invalidando a conclusão de que foi omitido pelo Tribunal o assinalado dever de cooperação.
Acresce que tendo a recorrente solicitado entretanto na segurança social a concessão do apoio judiciário também na modalidade de nomeação de patrono, o que fez ainda em prazo e seguramente esclarecida pela delegação de Leiria da OA, tal pedido veio a ser-lhe deferido, conforme o Centro Distrital respectivo informou o Tribunal (o que permite questionar mais incisivamente a racionalidade da solução legal quando faz recair sobre o requerente o ónus de trazer ao processo o documento certificativo da apresentação do pedido, associando para mais ao incumprimento do ónus gravosas consequências, quando nada parece obstaculizar a que, com toda a facilidade, fosse o Centro Regional a efectuar tal comunicação).
Dir-se-á que a ora apelante deveria e poderia ter cumprido então o ónus legal, tanto mais que no impresso que subscreveu se encontra a menção de que tomou conhecimento de que devia “entregar cópia do presente requerimento no tribunal onde decorre a acção, no prazo que me foi fixado na citação/notificação”. Todavia, para além do dito impresso ser absolutamente omisso quanto às consequências associadas ao incumprimento de tal ónus, não poderá a nosso ver deixar de se relevar a circunstância da requerente ter já antes, e por via do mencionado requerimento que fez juntar aos autos anexando a carta enviada à AO, dado a conhecer que pretendia a nomeação de um advogado para a acompanhar nesta acção, donde não poder afirmar-se que, neste caso, era tal facto absolutamente desconhecido no processo. Com efeito, e conforme se deixou já referido, face a tal informação ficou adquirido no processo que a requerente pretendia a nomeação de patrono para a assistir nestes precisos autos -mostrando-se deste modo cumprida a finalidade visada pela lei com a junção do documento comprovativo da formulação do pedido junto da SS- cabendo ao Tribunal assegurar-se de que a esclarecia dos exactos termos em que a sua pretensão devia ser formulada e da prática dos actos necessários a garantir que exercia efectivamente o seu direito de defesa, como era inequivocamente sua intenção.
A omissão de tal dever por banda do Tribunal tem o valor de nulidade que influi clara e decisivamente no exame e decisão da causa (cf. art.º 195.º, n.º 1) e que, para além do mais, e tanto quanto resulta dos autos, foi arguida pela recorrente em tempo, quando solicitou ao Mm.º juiz que substituísse o despacho ora em apreciação por outro que determinasse que os autos aguardassem a decisão a proferir pela SS. O assim requerido veio a ter resposta apenas aquando da prolação da sentença, tendo-se o Mm.º juiz limitado a remeter para o antes decidido, passando a conhecer do mérito da causa e servindo-se para tanto da factualidade que havia julgado assente por confissão, atendendo ao preceituado no n.º 1 do art.º 567.º do CPC.
Resulta do que se deixou exposto que o despacho impugnado, valendo-se e dando cobertura a nulidade com influência na decisão da causa, não pode subsistir, impondo-se a sua anulação e, bem assim, dos termos subsequentes, incluindo portanto a sentença recorrida (art.º 195.º, nºs 2 e 3)."
[MTS]