"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



17/05/2017

Jurisprudência (621)





Processo de insolvência; 
créditos laborais; privilégio imobiliário especial


1. O sumário de RL 19/1/2017 (1436/14.5T8PDL-C.L1-2) é o seguinte:

I – O privilégio imobiliário especial, concedido aos créditos laborais pelo artigo 333.º, n.º 1, al, b), do Código do Trabalho, abrange todos os bens imóveis integrantes do património da insolvente afetos ao desenvolvimento da respetiva atividade empresarial, exigindo-se uma conexão, em termos funcionais, entre a atividade dos trabalhadores reclamantes e a unidade empresarial da insolvente, integrada por tais imóveis.  

II – Tendo sido apreendidos para a massa insolvente dois imóveis pertencentes à insolvente, sendo um, um armazém e o outro um espaço destinado em exclusivo ao comércio, é de presumir terem estado tais imóveis afetos à organização empresarial da insolvente, uma sociedade comercial por quotas, tendo por objeto o comércio de mobiliário, artes decorativas, eletrodomésticos, eletrificações e colocação de alcatifas. 

III – Nessa circunstância, os créditos dos trabalhadores da insolvente – distribuidores, vendedores, empregados de limpeza, fiéis de armazém, gerente de loja, administrativos – gozam de privilégio imobiliário sobre os referidos imóveis.”

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Escrevendo-se, em Acórdão desta Relação, de 14-04-2016: [Proc. 5327/11.3TBFUN-A.L1-8, Relator: LIMA GONÇALVES [...]].

“O privilégio imobiliário especial, concedido aos créditos laborais pelo referido artº. 333.º, n.º 1, al, b), do CT, abrange todos os bens imóveis integrantes do património da insolvente afectos ao desenvolvimento da respectiva actividade empresarial, exigindo-se uma conexão, em termos funcionais, entre a actividade dos trabalhadores reclamantes e a unidade empresarial da insolvente, integrada por tais imóveis.

E essa conexão é a «…conexão entre a actividade profissional do trabalhador e os imóveis do seu empregador e deve ser entendida em termos funcionais e não naturalísticos. Isto é, quando a lei diz que o privilégio imobiliário incide sobre os "bens do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade" está a referir-se à ligação funcional do trabalhador a determinado estabelecimento ou unidade produtiva e não propriamente à localização física do seu posto de trabalho» - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22/10/2012. (Cfr., ainda, Acórdão do STJ, de 13/11/2014)

E só ficam excluídos os imóveis do património do empregador não afetos à sua organização empresarial, quer os destinados à fruição pessoal do empregador ou integrados em estabelecimento diverso daquele em que o trabalhador reclamante desempenhou o seu trabalho.

É esta a posição que é mais consentânea com a interpretação do artigo 333º, do Código de Trabalho por assentar nos princípios da igualdade e não discriminação injustificada dos trabalhadores, sendo que uma interpretação meramente literal do preceito e sem atender aos critérios plasmados no nº 1 do artigo 9º do Código Civil, conduziria a uma iníqua situação de desproteção de uns trabalhadores face a outros da mesma entidade patronal.

Como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra de 26/11/2013 (in www.dgsi.pt), «basta pensar em todos aqueles trabalhadores que desenvolvem atividades que, pela sua natureza, recusam um centro estável ou permanente, ou ainda naqueles que, desempenhando idênticas funções, desenvolvem a sua atividade em imóvel arrendado, caso em que os seus créditos concorreriam sem proteção, no confronto com colegas de trabalho que, por desempenharem funções em imóvel pertencente à entidade patronal, veriam os seus créditos dotados de reforçada garantia».

Assim, o privilégio imobiliário especial previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 333º do Código de Trabalho abrange todos os imóveis do empregador afetos à respectiva organização empresarial.”.

Na mesma linha indo o Acórdão desta Relação, também de 07-07-2016, mas com diverso Relator do citado supra em nota 3: [Proc. 286/16.9T8BRR-B.L1-2, Relator: JORGE LEAL]“I. Para o efeito de graduação de créditos reclamados no processo de insolvência, o juiz poderá reconhecer aos trabalhadores da insolvente privilégio imobiliário especial sobre imóvel apreendido, ainda que na respetiva reclamação aqueles não tenham alegado terem exercido a sua atividade no referido imóvel, embora tenham invocado a natureza privilegiada do seu crédito, se dos elementos constantes no processo se colher que o imóvel em causa estava afetado à atividade empresarial da insolvente, existindo por conseguinte e em princípio uma ligação funcional entre o mesmo e o trabalhador, enquanto elementos da mesma organização produtiva.”.

Não podemos estar mais de acordo, subscrevendo integralmente os argumentos e conclusões, assim alinhados nestes últimos arestos.

4.-Revertendo à situação dos autos, verificamos que conquanto os reclamantes de créditos laborais se hajam limitado a invocar e provar a relação laboral, a origem e montantes daqueles, sem especificar sobre que imóvel recai o privilégio em causa, ponto é que se trata, os imóveis da insolvente apreendidos para a massa – e como se dá nota na resposta do Exm.º Administrador da Insolvência à impugnação deduzida pelo credor Banif, para aquela se remetendo na sentença recorrida, e sendo esse ponto que não sofre crise – “((…) um de armazém e de um outro espaço destinado em exclusivo ao comércio, como se pode ver pela descrição constante do Auto de Apreensão). Por outro lado, haverá que ter em consideração o afirmado pelo insolvente na sua petição inicial e documentos que a anexam.” [...].

Ora, é efetivamente de presumir terem estado tais imóveis afetos à organização empresarial da insolvente, consabidamente uma sociedade comercial por quotas, tendo por objeto o comércio de mobiliário, artes decorativas, eletrodomésticos, eletrificações e colocação de alcatifas.

Não podendo recusar-se a existência de uma conexão funcional – que não naturalística – entre a atividade dos trabalhadores da insolvente – distribuidores, vendedores, empregados de limpeza, fiéis de armazém, gerente de loja, administrativos – ora credores reclamantes, e tal organização, integrante dos referidos imóveis, estes, por sua vez, reconduzíveis ao plano dos meios de produção da insolvente.

O que tudo tinha o julgador de ter em atenção, certo que por força do princípio do inquisitório, consagrado no artigo 11º do C.I.R.E. e do disposto nos artigos 5º, 7º, nº 2, 411º, 412º, nº 2, e 413º do Código de Processo Civil, deve aquele considerar todos os dados do processo principal e apensos (para além de, sendo caso disso, determinar as diligências instrutórias adequadas para apurar aquela ligação)."
 
[MTS]