"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



24/05/2017

A problemática da dedução da compensação: breves notas



1. Pelas razões expostas em Sobre a oposição à execução com fundamento em contracrédito sobre o exequente (3)AECOPs e compensação e AECOPs e compensação (2) discorda-se de algumas das teses defendidas pelo Prof. Rui Pinto no paper A problemática da dedução da compensação no Código de Processo Civil de 2013.

2. Acrescentam-se agora apenas duas notas. A primeira é para salientar que a relevância que, no âmbito do anterior CPC, se podia conceder à situação de compensação (isto é, ao momento no qual os créditos se tornavam compensáveis) era compreensível na perspectiva, então dominante, de que a compensação devia ser deduzida, pelo menos em parte, por via de excepção. Dado que a situação legal se alterou entretanto e que agora a compensação deve ser deduzida por via de reconvenção, não se pode dar a mesma relevância a essa situação de compensação. 

A não consideração deste novo enquadramento legal leva o A. (p. 28), apoiado em alguma jurisprudência proferida no domínio do anterior CPC, a concluir que a declaração de compensação efectuada pelo réu condenado na acção declarativa depois do termo desta nem sequer pode ser alegada como fundamento de oposição à execução nos termos do art. 729.º, al, g), CPC. É muito duvidoso que assim deva ser, porque aquela orientação equivale a atribuir uma eficácia preclusiva à omissão da alegação da compensação através da reconvenção, ou seja, equivale a negar qualquer diferença, quanto às consequências preclusivas, entre a reconvenção e a excepção. Convém recordar que o ónus de concentração da defesa na contestação (cf. art. 573.º, n.º 1, CPC) vale para a defesa por impugnação e para a defesa por excepção, mas não para a reconvenção (que não é defesa, mas contra-ataque).

Há, aliás, um ponto que não é esclarecido pelos adeptos da preclusão decorrente da omissão da alegação do contracrédito na acção declarativa. Importa saber, na verdade, se o que fica precludido é a declaração de compensação com base nesse contracrédito ou é a própria alegação do contracrédito. Isto é: se o réu não alegar, através da reconvenção, o contracrédito na acção declarativa, isso significa que esse demandando perde a faculdade de o utilizar para extinguir, por compensação, o crédito do autor ou perde o seu próprio crédito? 

Admita-se que os defensores da referida orientação escolhem a resposta menos radical e entendem que apenas fica precludida a declaração de compensação. Se o réu não perde o seu crédito (será imaginável que a consequência possa ser outra?), isto significa que aquele crédito continua a integrar o activo patrimonial do anterior réu e agora executado. Se assim é, então nada obsta à penhora desse crédito na execução nos termos do disposto no art. 773.º CPC, porque, naturalmente, não há nenhum obstáculo a que sejam penhorados créditos do executado sobre o exequente. Estes créditos constituem um activo patrimonial que é penhorável como qualquer outro activo.

Cabe então perguntar: é coerente recusar a oposição à execução com base no contracrédito, mas aceitar que este mesmo contracrédito possa ser penhorado na execução? Noutros termos: o que pode justificar que uma execução que podia ter terminado através da alegação do contracrédito continue para permitir a penhora deste mesmo contracédito? Esta perguntas levam imediatamente a uma outra: não será a referida solução própria de um formalismo dificilmente justificável e compreensível e também dificilmente compaginável com os parâmetros substancialistas do actual processo civil? Todos conhecem o princípio do primado do fundo sobre a forma, mas são muitos os que o esquecem quando se trata de definir as melhores soluções processuais.

3. A segunda nota é de carácter mais geral. Importa reforçar que, quanto à dedução da compensação nas AECOPs, é a tramitação destas que tem de se adaptar ao exercício dos direitos das partes em juízo, não este exercício que pode ser coarctado por aquela tramitação. Esta orientação -- que não é de agora -- impõe-se especialmente numa época de gestão processual e de adequação formal, que -- talvez convenha lembrar -- não podem estar ausentes dos processos especiais. O que releva deixou de ser o que legislador regulou de forma geral e abstracta, para passar a ser o que o caso concreto impõe: a uma tramitação definida de forma abstracta e geral sobrepõe-se a tramitação individualizada que o caso exige.

MTS