Processo de expropriação; oposição de julgados;
recurso de revista
I - No âmbito de processo de expropriação, existe oposição de julgados que torna admissível a revista, nos termos do art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, entre o acórdão-fundamento que decidiu que o n.º 5 do art. 635.º do CPC não obstava a que, tendo sido objecto de recurso a decisão arbitral, está em causa de novo o valor da indemnização à qual o tribunal tem de chegar “utilizando todos os factos ao seu dispor e aplicando todas as regras do CE, apenas não podendo fixar uma indemnização superior à pedida pelos expropriados nem uma indemnização inferior ao valor não posto em causa pela expropriante”, e o acórdão recorrido que considerou “transitada em julgado a percentagem de 25% aplicada na decisão arbitral a título do n.º 9 do art. 26.º do CExp”.
II - A tramitação do “recurso da arbitragem”, desenhada pelos arts. 58.º e ss. do CExp, revela que se trata de um processamento funcionalmente aproximado de um recurso – pois visa reagir contra a fixação da indemnização constante da decisão arbitral – mas que, simultaneamente, está estruturado como um processo declarativo especial, destinado à determinação final da indemnização a pagar.
III - A introdução, em 1991, no CExp da distinção entre “solo apto para a construção” e “solo para outros fins” teve como objectivo alcançar uma forma mais adequada de fixação do valor dos terrenos expropriados, em obediência aos princípios constitucionais da justa indemnização (art. 62.º, n.º 2, da CRP) e da igualdade (art. 13.º, n.º 1, da CRP), tomando em consideração a jurisprudência do TC a propósito do art. 30.º do CExp então revogado.
IV - Para que um terreno passe a ser qualificado como solo apto para construção ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 2 do art. 25.º do CExp (1999), é exigida a existência cumulativa das infra-estruturas ali enumeradas.
V - A exigência de que o solo esteja dotado de todas as infra-estruturas previstas na al. a) do n.º 2 do art. 25.º do CExp, para os casos em que um solo não pode ser considerado como apto para construção senão ao abrigo desta alínea, é a interpretação que respeita a razão que levou o legislador, em 1991, a alterar os critérios de classificação dos solos que constavam do CExp de 1976.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
Cumpre pois determinar se ocorre ofensa de caso julgado e ou contradição relevante, nos termos da al. d) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil.
4. Assim: os recorrentes sustentam que houve “trânsito em julgado para a expropriante do valor unitário por m² de € 2,31” para o cálculo da indemnização correspondente ao “solo apto para outros fins”, por ter aceitado tal valor, no recurso que interpôs da decisão arbitral.
Como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de 11 de Dezembro de 2012, www.dgsi.pt, proc. nº 179/1999.L1.S1, a propósito do regime constante do anterior Código das Expropriações (de 1991), mas em termos totalmente transponíveis para o regime aqui aplicável (transposição a que agora se procede), a tramitação do “recurso da arbitragem”, desenhada pelos artigos 58º e segs. do Código das Expropriações de 1999, revela que se trata de um processamento funcionalmente aproximado de um recurso, pois visa reagir contra a fixação da indemnização constante da decisão arbitral (no acórdão de 11 de Fevereiro de 2010, www.dsgi.pt, proc. nº 09B0280, observa-se que “fundamentalmente, o requerimento da interposição de recurso é um meio de oposição à decisão arbitral”), mas, simultaneamente, estruturado como um processo declarativo especial, destinado à determinação final da indemnização a pagar. Neste processamento, o requerimento de interposição de recurso desempenha a função de petição inicial, seguindo-se-lhe a resposta, a realização da prova, as alegações e a decisão. Ou seja: trata-se de um processamento declarativo que, como se escreve no acórdão de 11 de Fevereiro de 2010, “partindo da decisão dos árbitros, se desenvolve como uma verdadeira acção declarativa, tendo em vista a discussão e apuramento da justa indemnização, com respeito pelo princípio do contraditório e com recurso a todos os meios de prova”.
Os recorrentes, no fundo, pretendem aplicar ao recurso da decisão arbitral o regime (hoje) constante do nº 5 do artigo 635º do Código de Processo Civil, cuja aplicabilidade teórica agora se não discute, por não haver qualquer utilidade nessa discussão, e antes se assume para o efeito de avaliar a invocação de ofensa de caso julgado.
Sucede, todavia, que, no recurso que interpôs da decisão arbitral (cfr. fls. 152), a expropriante questionou o valor da indemnização a pagar pela parcela no seu todo e por cada uma das suas duas partes (solo apto para construção/ solo para outros fins), às quais o acórdão arbitral efectivamente atribuíra áreas diferentes daquelas que vieram a ser consideradas na sentença de fls. 847.
Ora, a aplicação do nº 5 do artigo 635º – “Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso (…)” – pressupõe que se possam identificar “decisões distintas” na decisão recorrida, nos termos previstos no nº 2 do mesmo artigo 635º; o que, no caso, não sucede. O valor por metro quadrado da parte da parcela expropriada que agora interessa foi apenas um dos factores utilizados no cálculo do montante indemnizatório correspondente; não pode ser qualificado como decisão distinta das demais no acórdão arbitral, de forma a considerar-se definitivamente assente quando, em recurso, se fosse reapreciar o referido montante indemnizatório. No contexto da definição daquele montante, é tão somente um dos seus fundamentos. O respectivo cálculo resulta da consideração de diversos elementos; não está “parcialmente” estabilizado quanto a um deles.
No mesmo sentido pronunciaram-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Outubro de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 4925/07.4TBGMR.G1.S1 ou de 30 de Dezembro de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº1333/06.8TBFLG.G2.S1, citados pelos recorrentes. Neste último, diz-se expressamente que “ainda que, relativamente a algum ponto parcelar, o expropriado [o recorrente, generalizando] não tenha suscitado objecção relativamente ao que foi considerado na decisão arbitral, o Tribunal pode considerá-lo de modo diverso, não se devendo entender haver aqui caso julgado, pois a indemnização a atribuir, agora no plano do recurso interposto da decisão arbitral, não pode deixar de tomar em linha de conta, para ser uma justa indemnização (artigo 23.º do CE99), o correto valor a atribuir a cada um dos elementos que se considera concorrerem para a fixação da indemnização por expropriação sem o que estaria posto em causa a reponderação do critério de avaliação e, consequentemente, a possibilidade de fixação de justa indemnização (artigo 62.º/2 da Constituição da República e artigo 23.º/1 do CExp99).”
Não ocorre, portanto, ofensa de caso julgado.
Os recorrentes, no fundo, pretendem aplicar ao recurso da decisão arbitral o regime (hoje) constante do nº 5 do artigo 635º do Código de Processo Civil, cuja aplicabilidade teórica agora se não discute, por não haver qualquer utilidade nessa discussão, e antes se assume para o efeito de avaliar a invocação de ofensa de caso julgado.
Sucede, todavia, que, no recurso que interpôs da decisão arbitral (cfr. fls. 152), a expropriante questionou o valor da indemnização a pagar pela parcela no seu todo e por cada uma das suas duas partes (solo apto para construção/ solo para outros fins), às quais o acórdão arbitral efectivamente atribuíra áreas diferentes daquelas que vieram a ser consideradas na sentença de fls. 847.
Ora, a aplicação do nº 5 do artigo 635º – “Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso (…)” – pressupõe que se possam identificar “decisões distintas” na decisão recorrida, nos termos previstos no nº 2 do mesmo artigo 635º; o que, no caso, não sucede. O valor por metro quadrado da parte da parcela expropriada que agora interessa foi apenas um dos factores utilizados no cálculo do montante indemnizatório correspondente; não pode ser qualificado como decisão distinta das demais no acórdão arbitral, de forma a considerar-se definitivamente assente quando, em recurso, se fosse reapreciar o referido montante indemnizatório. No contexto da definição daquele montante, é tão somente um dos seus fundamentos. O respectivo cálculo resulta da consideração de diversos elementos; não está “parcialmente” estabilizado quanto a um deles.
No mesmo sentido pronunciaram-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Outubro de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 4925/07.4TBGMR.G1.S1 ou de 30 de Dezembro de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº1333/06.8TBFLG.G2.S1, citados pelos recorrentes. Neste último, diz-se expressamente que “ainda que, relativamente a algum ponto parcelar, o expropriado [o recorrente, generalizando] não tenha suscitado objecção relativamente ao que foi considerado na decisão arbitral, o Tribunal pode considerá-lo de modo diverso, não se devendo entender haver aqui caso julgado, pois a indemnização a atribuir, agora no plano do recurso interposto da decisão arbitral, não pode deixar de tomar em linha de conta, para ser uma justa indemnização (artigo 23.º do CE99), o correto valor a atribuir a cada um dos elementos que se considera concorrerem para a fixação da indemnização por expropriação sem o que estaria posto em causa a reponderação do critério de avaliação e, consequentemente, a possibilidade de fixação de justa indemnização (artigo 62.º/2 da Constituição da República e artigo 23.º/1 do CExp99).”
Não ocorre, portanto, ofensa de caso julgado.
5. Os recorrentes sustentam ainda que o acórdão recorrido, ao considerar “transitada em julgado a percentagem de 25% aplicada na decisão arbitral a título do nº 9 do artigo 26º do Código das Expropriações”, contrariou o que se decidiu, nomeadamente, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2 de Junho de 2016, proferido no processo nº 4698/11.6TBGDM e que se verificou estar transitado em julgado.
Nenhuma dúvida se levanta quanto ao preenchimento dos requisitos exigidos pela al. d) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil: nem quanto à identidade das questões apreciadas, fáctica e juridicamente, nem quanto à inadmissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça por motivo estranho à alçada (nº 5 do artigo 66º do Código das Expropriações).
No acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2 de Junho de 2016, seguindo aliás a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça revelada, nomeadamente, nos já citados acórdãos de 12 de Outubro de 2010 ou de 30 de Dezembro de 2011, entendeu-se expressamente que o nº 5 do artigo 635º do Código de Processo Civil não obstava a que, tendo sido objecto de recurso a decisão arbitral, quanto ao montante da indemnização, “está em causa de novo o valor da indemnização, à qual o tribunal de 1ª instância (e agora este tribunal de recurso) tinha de chegar utilizando todos os factos ao seu dispor e aplicando todas as regras de CE, apenas não podendo fixar uma indemnização superior à pedida pelos expropriantes nem uma indemnização inferir ao valor não posto em causa pela expropriante”.
O recurso é, portanto, admissível; e, quanto a este ponto, reconhece-se desde já razão, aos recorrentes, pelas razões apresentadas no ponto anterior."
[MTS]
Nenhuma dúvida se levanta quanto ao preenchimento dos requisitos exigidos pela al. d) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil: nem quanto à identidade das questões apreciadas, fáctica e juridicamente, nem quanto à inadmissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça por motivo estranho à alçada (nº 5 do artigo 66º do Código das Expropriações).
No acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2 de Junho de 2016, seguindo aliás a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça revelada, nomeadamente, nos já citados acórdãos de 12 de Outubro de 2010 ou de 30 de Dezembro de 2011, entendeu-se expressamente que o nº 5 do artigo 635º do Código de Processo Civil não obstava a que, tendo sido objecto de recurso a decisão arbitral, quanto ao montante da indemnização, “está em causa de novo o valor da indemnização, à qual o tribunal de 1ª instância (e agora este tribunal de recurso) tinha de chegar utilizando todos os factos ao seu dispor e aplicando todas as regras de CE, apenas não podendo fixar uma indemnização superior à pedida pelos expropriantes nem uma indemnização inferir ao valor não posto em causa pela expropriante”.
O recurso é, portanto, admissível; e, quanto a este ponto, reconhece-se desde já razão, aos recorrentes, pelas razões apresentadas no ponto anterior."
[MTS]