"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



27/10/2017

Jurisprudência (714)


Deserção da instância;
dever de gestão processual


1. O sumário de RL 27/4/2017 (239/13.9TBPDL-2) é o seguinte:

I – Com a extinção da figura da interrupção da instância, o requisito da negligência das partes em promover o impulso processual transitou para a deserção, devendo aquela ser verificada, quanto ao processo declarativo e aos recursos, no despacho previsto no art.º 281º, n.º 4, do Código de Processo Civil. 

II – O artigo 281º, n.º 1, do Código de Processo Civil, não consagra nenhuma presunção de negligência da parte a propósito.

III – Do dever de gestão processual decorre que ao juiz cabe, em geral, a direção formal do processo, nos seus aspetos técnicos e de estrutura interna.

IV – Essa direção implica a concessão de poderes tendentes a assegurar a regularidade da instância e o normal andamento do processo, só excecionalmente cabendo às partes o ónus de impulso processual subsequente, ligado ao princípio do dispositivo.

V – Assim, deferida em audiência prévia, a requerimento das partes, a suspensão da instância, na perspetiva de aquelas chegarem a acordo, se decorrido o prazo da suspensão e notificadas as mesmas para esclarecerem se o acordo se concretizou, nada disserem, deverá o senhor juiz determinar o prosseguimento dos normais trâmites do processo.

VI – Não sendo assim de declarar a instância extinta, por deserção, na circunstância do decurso do prazo de seis meses sobre a data da sobredita notificação, sem nada ser dito ou requerido pelas partes. 

2. Na fundamentação da acção escreveu-se o seguinte:
 
"No processo declarativo e nos recursos, sendo a deserção “julgada (…) por simples despacho do juiz ou do relator”, e mesmo quando seja de atribuir a tal despacho natureza meramente declarativa, s
empre importará que, o tribunal verifique a inobservância, por negligência, do ónus de impulso processual.

Ora, como anotam José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre [In “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 1º, 3ª Ed., Coimbra Editora, 2014, pág. 555], “No esquema do código revogado, tal como no do C.P.C. de 1939, a deserção da instância pressupunha uma anterior interrupção da instância, quando as partes, maxime o autor, tivessem o ónus de impulso subsequente.”.

Sendo “controvertido se a interrupção da instância dependia de despacho judicial ou se bastava com a inércia da parte e, no primeiro caso, se o despacho tinha natureza constitutiva, só com a sua notificação se iniciando a contagem do prazo conducente à interrupção, ou natureza declarativa, limitando-se a alertar a parte para a pendência do prazo já iniciado. A primeira questão era dominantemente resolvida, nos tribunais superiores, no primeiro sentido, pois as razões da paralisação deviam ser apreciadas pelo julgador(…), embora se entendesse bastar um despacho que mandasse aguardar o decurso do prazo da interrupção, por conter uma decisão implícita (ac. do STJ de 14.9.06, DUARTE SOARES, www.dgsi.pt. proc. 06B2400).” [...]

Quanto à deserção – e no confronto do disposto no art.º 291º, n.º 1, do Código de Processo Civil, de 1961, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro – era pacífico, como igualmente dão nota aqueles AA., que aquela causa de extinção da instância operava, nesse anterior quadro normativo, ope legis [In op. cit., pág. 556],

A norma do n.º 4 do art.º 281º do novo Código de Processo Civil, corresponde, ipsis verbis, à do n.º 4 do referido art.º 291º, do Código de Processo Civil de 1961.

E, “não se vê que tenha hoje sentido mais forte do que o que tinha já então, quando era sentida, apesar dela, a necessidade de a lei expressamente dispensar o despacho judicial prévio. Esta dispensa era justificada, pela jurisprudência dominante, com a exigência de despacho para a interrupção da instância. Com o desaparecimento desta -- e dos seus dois anos - e a redução a metade do prazo (de um ano) para a deserção, justifica-se que a exigência anterior passe de requisito da interrupção para requisito da deserção; e, para quem entendia que a lei não fazia essa exigência (assim nas edições anteriores desta obra), ela ganha hoje justificação em virtude, precisamente, desse drástico encurtamento do prazo global conducente à deserção.” [Idem, págs. 556-557] [...].

Também Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro [In “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, 2013, Vol. I, Almedina, págs. 249, 250], referindo que, “Com a extinção da figura da interrupção da instância, o requisito da negligência das partes em promover o impulso processual transita para a deserção (…) Diferentemente do que ocorria no direito anterior, a instância não se considera deserta "independentemente de qualquer decisão judicial". A ideia de negligência das partes não é conciliável com a ausência de uma decisão do juiz que a verifique. Embora a decisão prevista no nº 4 seja meramente declarativa, até ser proferida não pode, pois, a instância ser considerada deserta, designadamente pela secretaria judicial.” [...].

Nesta linha referindo José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre [In op. cit., pág. 557] que “O prazo de seis meses conta-se, pois, não a partir do dia em que a parte deixou de praticar o ato que condicionava o andamento do processo, isto é, a partir do dia em que se lhe tornou possível praticá-lo ou, se para o efeito tinha um prazo (não perentório), a partir do dia em que ele terminou, mas a partir do dia em que lhe é notificado o despacho que alerte a parte para a necessidade do seu impulso processual. Segue-se assim o regime que anteriormente se aplicava, pelo menos, quando, não obstante a parte não tivesse o ónus de impulso subsequente, o juiz ordenasse que o processo aguardaria o requerimento das partes, sem prejuízo do disposto no art. 29-3-a RegCustas: o prazo conta-se a partir da notificação do despacho judicial e a deserção produz-se automaticamente com o seu decurso” [...].

Destarte, verificada que seja a existência de um ónus de impulso processual, importará ainda que a não atuação do mesmo se fique a dever à omissão da diligência do homem normal (um bom pai de família), em face das circunstâncias do caso concreto [Assim, Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10ª Ed. (reimpressão), Almedina, 2003, págs. 573-581]".

[MTS]