"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



24/10/2017

Jurisprudência (711)


Extinção da instância; recurso de revista;
citação do réu; requisitos


1. O sumário de STJ 30/3/2017 (6617/07.5TBCSC.L1.S2) é o seguinte:
 
I. Ao abrigo do art. 671º, nº 1, do CPC, é admissível revista do acórdão da Relação que, incidindo sobre decisão de 1ª instância, determina a extinção total ou parcial da instância por via da absolvição de instância ou de qualquer outra forma de extinção da instância.

II. O acórdão da Relação que, incidindo sobre decisão da 1ª instância, declara a extemporaneidade da contestação/reconvenção determina, por si, a extinção da instância reconvencional, admitindo, por isso, recurso de revista.

III. Os actos processuais que hajam de ser reduzidos a escrito devem ser redigidos de modo que o seu teor se mostre inequívoco, o que é especialmente relevante quando se trata da citação do réu (art. 131º, nº 3, do CPC).

IV. Entre as formalidades a que obedece a citação efectuada por agente de execução encontra-se a entrega ao citado de uma nota de citação na qual deve ser indicada com precisão, além do mais, a data em que o acto foi realizado, a partir da qual se conta o prazo para a contestação (arts. 231º e 227º do CPC).

V. A ilegibilidade ou a falta de clareza da nota de citação deve ser apreciada sob a perspectiva do destinatário confrontado com o texto que lhe foi entregue, e não de forma genérica, por comparação grafológica desse documento com outros documentos elaborados pelo mesmo agente de execução que efectuou a citação.

VI. Os erros ou deficiências dos actos processuais, incluindo os praticados por agentes de execução, não podem prejudicar as partes (art. 157º, nº 6, do CPC).

VII. Revelando a nota de citação que foi entregue ao citado falta de clareza quanto à data em que a citação foi efectuada, deve considerar-se tempestiva a contestação que os réus apresentaram dentro do prazo legal contado a partir de uma das datas que a grafia empregue naquela nota de citação autorizava.
 
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
 
"4. Segundo o art. 671º, nº 1, do CPC, cabe recurso de revista “do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1ª instância … que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto ao pedido ou reconvenção deduzidos”.

De acordo com tal preceito que modificou o que anteriormente se prescrevia, para a aferição da admissibilidade da revista é atribuído relevo ao efeito extintivo da instância que emana do acórdão da Relação, independentemente daquele que produziria a decisão da 1ª instância sobre que incidiu. [N]ele se integra o acórdão que, conquanto não aprecie o mérito da causa (situação já contida no primeiro segmento do preceito), ponha termo (total ou parcial) ao processo quanto a todos ou algum dos réus ou quanto a todos ou algum dos pedidos ou pedido reconvencional.

Mas a formulação normativa não prima pela clareza e confronta-nos, desde logo, com uma aparente contradição entre o primeiro segmento que se refere ao acórdão que “ponha termo ao processo” (o que poderia significar a extinção total da instância) e o segundo que nos reconduz à absolvição parcial da instância (quanto ao réu ou de alguns réus ou quanto ao pedido algum dos pedidos formulados pelo autor ou pedido reconvencional). Integrando também este último segmento normativo os casos de absolvição parcial da instância (relativamente a algum dos réus ou a algum dos pedidos formulado contra o réu ou algum dos réus), o acórdão com este teor não põe rigorosamente “termo ao processo”, mas apenas a uma parte do processo decomposto em algum dos seus elementos objectivo e/ou subjectivo. Ainda assim, parece evidente que assegura a possibilidade de interposição do recurso de revista de decisões que se traduzem na extinção parcial da instância, seja da instância iniciada pelo autor, seja da que resultou de uma iniciativa do réu.

No caso estamos confrontados com a extinção da instância reconvencional que emerge do acórdão da Relação, na medida em que considerou intempestiva a contestação e determinou a ineficácia de todo esse articulado, incluindo naturalmente o segmento que tratava do pedido reconvencional.

5. Mas o preceito suscita outra dificuldade cuja resolução já não é tão evidente. Textualmente apenas alude à “absolvição da instância”, sendo pertinente inquirir se, apesar disso, obedecem ao mesmo regime os acórdãos da Relação que, incidindo sobre decisões de 1ª instância, ponham termo ao processo, ou seja, determinem a extinção da instância por uma forma diversa da “absolvição da instância”, designadamente quando é confirmada a decisão da 1ª instância que pôs termo ao processo por algum dos motivos formais anteriormente referidos e mais especificamente quando, como ocorreu no caso, é revogado o despacho recorrido que admitiu a contestação/reconvenção e declarou a extinção da instância reconvencional.

Esta mesma questão já foi abordada por este mesmo colectivo no Ac. do STJ, de 28-1-16 (www.dgsi.pt), relatado pelo ora relator, relativamente a uma situação paralela em que estava em causa a apreciação de recurso de revista de um acórdão da Relação que, por motivos formais, rejeitara o recurso de apelação interposto de sentença de 1ª instância.

Tal aresto tem o seguinte sumário:

“1. A admissibilidade do recurso de revista, nos termos que constam do art. 671º, nº 1, do NCPC, deixou de estar associada ao teor da decisão da 1ª instância, como se previa no art. 721º, nº 1, do CPC de 1961, e passou a ter por referencial o resultado declarado no próprio acórdão da Relação.

2. Esta alteração não teve como objectivo restringir o âmbito da revista, mas prever a sua admissibilidade, para além dos casos em que o acórdão da Relação, incidindo sobre decisão da 1ª instância, aprecia o mérito da causa, aqueles em que, nas mesmas circunstâncias, põe termo total ou parcial ao processo por razões de natureza adjectiva.

3. É admissível recurso de revista do acórdão da Relação que, incidindo sobre sentença de 1ª instância, se abstém de apreciar o mérito do recurso de apelação por incumprimento dos requisitos constantes do art. 640º do CPC e/ou por extemporaneidade do recurso”.
 
Foi para esse acórdão, aliás, que este mesmo colectivo remeteu no anterior acórdão proferido nos presentes autos (Ac. do STJ, de 9-6-16, em www.dgsi.pt) no âmbito do primeiro recurso de revista que foi interposto do acórdão da Relação que, a pretexto da falta de acatamento do despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões respeitantes ao recurso de apelação interposto pela A., se absteve de apreciar o seu mérito.

É deste último acórdão o seguinte segmento do sumário:

“Ao abrigo do art. 671º, nº 1, do CPC, é susceptível de revista o acórdão da Relação que se abstém de apreciar o mérito da apelação com fundamento no incumprimento do ónus de alegação previsto nos arts. 639º e 640º do CPC”.
 
A mesma questão surge agora relativamente a um efeito semelhante que afecta a pretensão reconvencional, sendo transponíveis para o caso os argumentos que já anteriormente foram utilizados.

6. Tal como já o afirmámos nos anteriores arestos mencionados, é de admitir recurso de revista dos acórdãos da Relação em que, por motivos formais, seja determinado, no todo ou em parte, o efeito extintivo da instância. Tal ocorre designadamente com a verificação ou confirmação de circunstâncias reveladoras da impossibilidade ou da inutilidade superveniente da lide, da deserção do recurso de apelação, da sua rejeição por inverificação dos respectivos pressupostos (v. g. ilegitimidade, extemporaneidade) ou de requisitos formais (v. g. falta de alegações ou de conclusões) ou, como ocorre in casu, com a extinção da instância reconvencional.

Com efeito, emergindo de todas estas situações a extinção total ou parcial da instância, ainda que por uma via não coincidente com a absolvição da instância, não se detecta fundamento racional que implique uma diferenciação quanto aos mecanismos impugnatórios, como já o explicámos nos referidos arestos com argumentos que conjugam a evolução histórica do recurso de revista com a teleologia do preceituado no art. 671º, nº 1, do NCPC.

De modo mais sintético:

a) Na versão do CPC de 1961, antes da reforma de 2007, cabia recurso de agravo do acórdão da Relação sobre decisão da 1ª instância que pusesse “termo ao processo”, salvo nos casos em que havia lugar a revista. Consequentemente, do acórdão da Relação proferido no âmbito de recurso de apelação, mas que não tivesse tomado conhecimento do seu objecto, cabia agravo continuado, nos termos gerais, ao abrigo do art. 754º, nº 3, com referência ao art. 734º, nº 1, al. a).;

b) Com reforma do regime dos recursos de 2007 o recurso de agravo em 2ª instância foi absorvido pelo recurso de revista, nos termos que ficaram a constar do art. 721º do CPC de 1961. Mas relativamente a tais situações continuou a ser assegurada a impugnação para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos gerais, já que o acórdão da Relação determinativo de qualquer forma de extinção da instância era proferido no âmbito de recurso de apelação interposto de sentença de 1ª instância, como o exigia expressis verbis o nº 1 do art. 721º;

c) A norma do art. 671º, nº 1, do NCPC procurou integrar os casos em que do próprio acórdão da Relação – e já não necessariamente a decisão de 1ª instância sobre a qual incidiu – decorre a extinção parcial da causa, por envolver apenas algum dos réus ou algum dos pedidos, devendo ser colocado num plano secundário o segmento que se reporta à forma de extinção da instância;

d) Sendo verdade que, em termos puramente literais, o acórdão da Relação que, incidindo sobre decisão da 1ª instância, determina a ineficácia da contestação/reconvenção, não corresponde formalmente a uma decisão de “absolvição do réu da instância”, não se antolham motivos para que na interpretação do preceito nos centremos nesse pormenor em lugar de se privilegiar o efeito extintivo da instância. Nesta medida a alusão à “absolvição da instância” encontra justificação no facto de se tratar da forma mais comum de extinção da instância, bem distante, aliás, das demais vias previstas no art. 277º, als. b) a e), do NCPC, ou noutras normas avulsas, designadamente em matéria de recursos (art. 652º, nº 1, als. b) e h), e art. 655º);

e) Enfim, como já o fizemos nos dois acórdãos anteriormente citados (e o ora relator em Recursos no NCPC, 3ª ed.), propugnamos uma interpretação do art. 671º, nº 1, do NCPC, que equipara as situações em que o efeito extintivo total ou parcial é consequência de qualquer motivo de ordem formal aos casos em que o acórdão da Relação põe termo ao processo mediante “absolvição da instância” do réu ou de algum dos réus quanto a algum dos pedidos as demais.

Em conclusão, desde que o acórdão da Relação determine a extinção total ou parcial da instância quanto ao réu ou a algum dos réus, relativamente ao pedido ou a algum dos pedidos do autor ou a pedido reconvencional, é de admitir a revista, verificados os demais pressupostos gerais."
 
[MTS]