Confissão;
indivisibilidade
1. O sumário de STJ 16/3/2017 (185/12.3TBSBR.G1.S1) é o seguinte:
I - Atento o disposto no art. 360.º do CC – indivisibilidade da confissão –, tendo a autora requerido o depoimento de parte do réu, nada há a censurar ao acórdão da Relação que se serviu da confissão do réu para julgar provada determinada matéria alegada pela autora e, simultaneamente, com base no depoimento do dito confitente, julgou igualmente provada matéria com esta relacionada que ao mesmo aproveitava.
I - Atento o disposto no art. 360.º do CC – indivisibilidade da confissão –, tendo a autora requerido o depoimento de parte do réu, nada há a censurar ao acórdão da Relação que se serviu da confissão do réu para julgar provada determinada matéria alegada pela autora e, simultaneamente, com base no depoimento do dito confitente, julgou igualmente provada matéria com esta relacionada que ao mesmo aproveitava.
II - O estabelecimento comercial caracteriza-se por uma diversidade de elementos ou bens de natureza corpórea (móveis e imóveis) e de natureza incorpórea ou imaterial reunidos e organizados com vista ao exercício de uma actividade comercial.
III - O estabelecimento comercial é, para além de uma unidade económica, também uma unidade em sentido jurídico e, como tal, não se resume aos móveis que possam constituir ao seu recheio.
IV - A circunstância de se ter provado que, após a partilha judicial que se seguiu ao divórcio, a autora providenciou pela remoção do prédio de todos os bens móveis que constituíam o estabelecimento que lhe foi adjudicado é irrelevante, porquanto nada obsta a que o direito de propriedade sobre o estabelecimento seja reconhecido à autora, com o complexo de bens que o compunham à data da licitação.
V - Nada tendo a autora e o réu estipulado, aquando da partilha ou posteriormente, relativamente ao uso do rés-do-chão e do 2.º andar do prédio no qual funcionava o estabelecimento de café, restaurante e residencial anteriormente explorado pelo casal, mas resultando da partilha que à autora foi adjudicado o estabelecimento e ao réu a propriedade do imóvel, tal uso deve ser configurado sob a forma de direito real de uso, nos termos previstos no art. 1484.º do CC.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"[...] a única violação da lei que a recorrente imputa à decisão da matéria de facto levada a cabo pela Relação recorrida é a do artº 360º do C. Civil, que afirma não poder ter aplicação, no caso, por ela (autora recorrente) nunca ter declarado pretender aproveitar-se da declaração confessória.
Custa a entender, porém, esta afirmação da ora recorrente, quando é certo que foi ela quem, logo na petição inicial, requereu o depoimento de parte do réu à matéria do artºs 1º a 13º desse seu articulado. Na verdade, se não queria aproveitar-se da confissão do réu, porque requereu, então, o seu depoimento de parte?
Ora, o dito artº 360º do C. Civil, epigrafado de “indivisibilidade da confissão”, estatui que «Se a declaração confessória, judicial ou extrajudicial, for acompanhada da narração de outros factos ou circunstâncias tendentes a infirmar a eficácia do facto confessado ou a modificar ou extinguir os seus efeitos, a parte que dela quiser aproveitar-se como prova plena tem de aceitar também como verdadeiros os outros factos ou circunstâncias, salvo se provar a sua inexactidão».
O Tribunal da Relação ora recorrido, em sede de reapreciação da prova e especificadamente no que à matéria do dito nº 10-A da fundamentação de facto concerne, justificou a alteração dessa matéria objecto de impugnação, do seguinte modo:
«O Réu alegou que foi por estar convencido que "o imóvel não era objecto de qualquer contrato de arrendamento ou de outra natureza o licitou pelo valor de € 250.000,00, ou seja por mais 247.042,53€ do valor atribuído na relação de bens" (cfr. item 45° da contestação) e confessou na audiência de julgamento nunca haver permitido nem permitiria que a Autora ocupasse a parte do prédio afecto ao estabelecimento, afirmando que "comprou" o prédio para habitação e comércio, e que "para si" o piso do meio, que é usado para habitação, isoladamente "não valia nada". Vai, pois, considerar-se a confissão mas, atenta a sua indivisibilidade, também o que lhe aproveita».
E, efectivamente, tendo a confissão do réu servido para julgar provada a matéria alegada pela autora (de que o Réu não permitiu que a parte do imóvel afecta ao estabelecimento fosse ocupada por ela), tinha pleno cabimento, por assim o impor o aludido artº 360º, que desse também como provada, com base no seu depoimento do dito confitente, a matéria que a este aproveitava, constante da segunda parte do referido nº 10-A: «por estar convencido que ao licitar o prédio ficava com o direito ao seu uso e fruição exclusivo», e que a recorrente vem agora defender que deveria ser eliminada da matéria provada.
Consequentemente, estando vedado a este Supremo Tribunal, como tribunal de revista, sindicar a convicção das instâncias, o eventual erro de decisão do Tribunal da Relação relativamente aos pontos da matéria de facto que achou por bem modificar, escapa à sua censura.
E daí que a decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto em análise não possa ser modificada por este Supremo Tribunal."
3. [Comentário] O acórdão não suscita nenhumas objecções. No entanto, a latere do mesmo, pode discutir-se se o STJ tem poderes para controlar uma decisão das instâncias sobre a indivisibilidade da confissão (cf. art. 360.º CC), seja no caso em que aquelas considerem (erradamente) a confissão divisível, seja no caso em que, em violação da regra da indivisibilidade da confissão, um facto seja (também erradamente) considerado não provado.
Como é conhecido, o STJ tem, em matéria de controlo da prova, uma competência decisória limitada. O regime consta do disposto no art. 674.º, n.º 3, CPC: "O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova".
Ainda assim, há que entender que essa competência decisória abrange a violação da regra da indivisibilidade da confissão pelas instâncias. A justificação é simples e é a seguinte: a violação daquela regra de indivisibilidade constitui ofensa de uma disposição expressa da lei que fixa a força de determinado meio de prova, dado que, ao não se atribuir relevância probatória à confissão in toto (isto é, tanto na parte desfavorável, como na parte favorável ao confitente), não se respeita o seu valor probatório legal. Portanto, é claro que o STJ tem competência para controlar se as instâncias respeitaram a regra da indivisibilidade da confissão, pelo que o STJ pode considerar provado um facto que as instâncias, em violação desta regra, julgaram não provado.
MTS