Prova; poder inquisitório;
factos instrumentais ou probatórios
1. O sumário de RL 6/4/2017 (10413/15.8T8LSB.L1-2) é o seguinte:
I – O princípio do inquisitório, consagrado no artigo 411º, do Código de Processo Civil, apenas opera relativamente aos factos que ao juiz é lícito conhecer.
II – Tal não é o caso relativamente a factos instrumentais que não tendo sido alegados pelas partes, também não são apontados como tendo resultado da discussão da causa.
III – Nem quando se trate de factos instrumentais, de que o juiz possa conhecer, isso autoriza que fique por explicar o próprio meio que permitiu ao juiz firmar o facto instrumental, a indicação precisa dos termos em que o julgador acedeu ao facto instrumental.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"3.-Tratando agora estritamente dos convocados depoimentos – e em quanto não se antecipou já relativamente ao de DA, temos que da reprodução do registo áudio respetivo decorre a justeza da apreciação feita na 1ª instância.
Assim, e, na circunstância, apenas respigando, constata-se que:
MM, amiga da A., foi absolutamente inconsequente no que respeita ao período em que as obras alegadamente feitas pela A. no locado, teriam tido lugar, situando-as, reiteradamente, ao longo do seu depoimento, em 2000/2001, sendo assertiva quanto a não ter havido mais obras depois disso: “Não houve mais obras”.
Quando certo é que as obras cujo pagamento a A. reclama, teriam sido, alegadamente, realizadas “ainda no decurso” da ação que intentada foi pela A. “No ano de 2006”…
S. A. – arquiteta, filha da A. – e DA - caíram, nos seus depoimentos, em inúmeras incongruências e inverosimilhanças, que abalaram definitivamente a credibilidade daqueles.
Assim, a primeira, pretendeu ter conhecido o segundo por isso que “na altura esse senhor era dono desta empresa («…») nós contactámo-lo para fazer esta obra eu acabei por o conhecer no decurso da obra (…)”.
E terem sido contactadas várias empresas acabando por ser a obra adjudicada à «…», por ser a que havia apresentado a melhor proposta a ela e a sua mãe.
Quando certo é que em 23 de Março de 2007 já a testemunha constava no registo comercial como gerente daquela empresa...
Tendo dito que “Começámos a pedir orçamentos em 2006”, mas como tiveram que pedir empréstimos, “estas obras, quando elas foram feitas foi no verão seguinte, Agosto de 2007”.
Ou seja, quando as alegadas obras foram “adjudicadas” à United Family…já a testemunha, filha da A., era gerente daquela empresa… desconhecendo porém o “dono” daquela que só veio a conhecer no decurso da obra…
…E com o qual estabeleceu um relacionamento, que refere ter terminado, embora ressalvando que “continuamos a dar-nos bem”, mas quanto a viverem em união de facto “neste momento não”… “agora não”, sendo mesmo que, “Provavelmente desde 2010” que não vive com DA…
…Contra o que é afirmado pelo dito DA, que se assumiu “atualmente”, como “genro” da A., vivendo com a SA: “Vivemos sim”.
Referindo-se a testemunha MM, a DA, como sendo o “marido” da filha da A.
Sendo que confrontado aquele último, pela Senhora Juíza, com o facto de ter a filha da A. afirmado que de momento já não viviam juntos, referiu, nestes “lapidares” termos:
“Nós temos moradas em locais diferentes se for ser visto do ponto de vista legal vivemos separados se formos ver do ponto de vista objetivo 90% das vezes estamos juntos.”…
E “eu posso ver do ponto de vista legal se eu estou no tribunal se formos ver do ponto de vista legal nós vivemos separados temos moradas separadas”…
Para além de que “Peço desculpa mas não vou discutir a minha vida pessoal” (sic).
Manifestando, a SA, quando inquirida pela Senhora Juíza, desconhecer que sua mãe tinha sido, entretanto, despejada do locado: “Isso eu não tenho conhecimento e nem sabia isso é uma novidade para mim”…?!.
Justificando que a sua mãe era muito orgulhosa e muito ciosa das suas coisas relacionadas com a loja, pelo que as não partilhava…
Como também que aquela “é muito específica nas coisas dela, em termos de pagamentos”, posto o que não lhe referiu como é que ela “entregou o dinheiro”.
Embora, em desarmonia – de acordo com o senso comum – já assuma que os alegados empréstimos para realizar as obras no locado foram tratados com toda a colaboração da sua parte, à sua mãe: “eu ajudei no que pude, a fazer as hipotecas, incluindo (?) o meu nome, créditos pessoais e tudo, que depois foram incorporados na nossa hipoteca de casa, própria”. Garantindo que o dinheiro dos empréstimos foi “direto” para os “empreiteiros”…sem saber porém concretizar como foram feitos tais pagamentos, se em cheque, por transferência ou “em numerário”… sendo gerente da empresa emissora das faturas em causa.
Também a testemunha da não sabendo por que meio esses alegados pagamentos à «…» foram efetuados, justificando que “na altura deveria estar preocupado com outro tipo de situações” (sic).
Não podendo deixar de se assinalar a postura evasiva, se não hostil, de ambas as testemunhas, designadamente quando a instâncias do Mandatário da Ré, ou a interrogatório da Senhora Juíza, e perante pedidos de esclarecimento relativos ao seu relacionamento recíproco – absolutamente justificados atentas as contradições constatadas, e sendo tal importante para o contextualizar da “emissão” das faturas em causa – responderam – a primeira – “o que é que isso é relevante para o processo em questão?”, ou – a segunda – “peço desculpa mas não vou discutir a minha vida pessoal”.
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Em suma, e como antecipado, também nesta vertente dos convocados depoimentos de testemunhas, não logra a Recorrente encontrar sustentáculo para o provado da realização, a expensas suas, de obras no locado.
E nem se diga, como o faz a Recorrente, que “Se dúvidas existissem sobre a genuidade” das faturas e recibos juntos com a petição inicial, “deveria o Tribunal «a quo» ter diligenciado a junção de mais prova, referente à participação destes montantes à Autoridade Tributária, de acordo com o Artigo 602º nº1 do CPC, o qual estatui que «o Juiz goza de todos os poderes necessários para assegurar a justa decisão da causa»”.
Por um lado, a participação do recebimento dos correspondentes montantes à Autoridade Tributária, não seria prova definitiva da entrega daqueles – para pagamento das obras alegadamente realizadas no locado – pela A., à empresa de que sua filha era, já à data daquelas, gerente…vivendo, ainda hoje, ou tendo vivido pelo menos até 2010 – consoante as versões – em “união de facto”com o “dono” , da mesma empresa…que à data das alegadas obras já era sócio “de facto”.
Ademais quando se considere o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas da Ré, que contrariam a efetividade de tais obras.
Por outro – e para lá de o concitado artigo 602º, do Código de Processo Civil, interessar apenas à gestão da audiência final – conquanto o princípio do inquisitório se mostre consagrado no artigo 411º, do mesmo Código, estabelecendo incumbir “ao juizrealizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer” – aflorando ainda em várias outras disposições do mesmo Código do Processo Civil, v.g., 436º - “Requisição de documentos” - 477º - “Perícia oficiosamente determinada” - 526º - “Inquirição por iniciativa do tribunal” – ponto é que, como refere Paulo Pimenta [In “Processo Civil Declarativo”, 2014, Almedina, pág. 342] “É evidente que as partes têm o ónus de indicar os meios de prova de que pretendem fazer uso nos autos, sendo previsível que a omissão de tal indicação lhes seja desfavorável. De resto, não seria próprio as partes confiarem em exclusivo nos poderes inquisitórios do tribunal, esperando que fosse o juiz a determinar toda e qualquer diligência de prova, o que redundaria, as mais das vezes, num exercício errático e infrutífero, por falta de um critério mínimo para tal. Na verdade, o inquisitório deve orientar-se por um mínimo de objectividade, condição para ser exigível que o juiz adopte certa conduta em matéria instrutória. Para isso, muito contribuirá o zelo probatório das partes. De todo o modo, uma vez verificados os pressupostos que lhe impõem exercer as incumbências previstas no art 411º, é vedado ao juiz justificar a sua inércia com a tal auto-responsabilidade das partes.”.
Pois bem, a participação à Autoridade Tributária, dos alegados pagamentos, sendo um facto meramente instrumental – posto que, em tese, servindo de base a presunções judiciais no sentido da efetividade de tal pagamento – não tendo sido alegado pela A., também não emergiu da discussão da causa, nem, de resto, foi apontado como tal.
Sendo assim que se não tratava, tal “participação”, de facto de que ao juiz fosse lícito conhecer oficiosamente, cfr. artigo 5º, n 2, alínea a), do Código de Processo Civil.
Nem, logo, se lhe impunha, “diligenciar” pela “junção de mais prova, referente à participação destes montantes à autoridade tributária.”.
Certo, em qualquer caso, que nem quando se trate de factos instrumentais, de que o juiz possa conhecer, isso “autoriza que fique por explicar o próprio meio que permitiu ao juiz firmar o facto instrumental (que é o facto conhecido que suporta a ilação que conduzirá ao facto desconhecido, isto é ao facto essencial). É que faz necessariamente parte da motivação da convicção subjacente ao julgamento de facto baseado em factos instrumentais a indicação precisa dos termos em que julgador acedeu ao facto instrumental. Caso contrário, por muito esclarecida que fosse a dedução feita a partir do facto instrumental, sempre ficaria por explicitar o quadro subjacente à dedução e, com isso, por fundamentar devidamente o juízo relativo ao próprio facto essencial.”[Idem, págs. 328-329].
[MTS]