Audiência de julgamento; repetição:
junção de documentos
I. O sumário de RC 6/6/2017 (2890/13.8TBPRD-A.C1) é o seguinte:
1. Perante a anulação da sentença proferida nos autos principais apenas e tão só para ser reinquirida uma testemunha, dada a inaudibilidade da gravação do depoimento por ela prestado, não estamos em face da realização ab initio da audiência de julgamento mas somente perante a repetição de um concreto acto que dela faz parte – a inquirição de uma testemunha.
2. Dado que a audiência de discussão e julgamento já tinha tido lugar e a autora poderia ter requerido a junção dos documentos que agora pretendeu fazer, desde que apresentados até 20 dias antes da data em que se realizou, atento o disposto no n.º 2 do artigo 423.º do CPC, já não é admissível a pretendida junção de documentos.
3. O dever de gestão processual e inquisitório que subjaz ao disposto nos artigos 6.º, 411.º e 436.º do NCPC não pode servir para “remediar” a inércia da parte, a quem incumbe a alegação e prova dos factos (a que está inerente a junção/indicação dos respectivos meios probatórios) em que assenta a sua pretensão, só se justificando quando a parte não tem facilidade em os obter ou os não pode obter, devendo esta justificar a dificuldade de, ela própria, os obter.
II. Na fundamentação do acórdão escreve-se o seguinte:
"In casu, [...] os autos apenas baixaram à 1.ª instância para ser reinquirida a supra identificada testemunha.
Não se trata, pois, contrariamente ao defendido pela recorrente de “uma nova audiência de julgamento”.
O que se determinou foi a anulação da sentença proferida nos autos principais, pelos já mencionados motivos, apenas e tão só para ser reinquirida a testemunha em causa, dada a inaudibilidade da gravação do depoimento por ela prestado.
Ou seja, não estamos em face da realização ab initio da audiência de julgamento (caso em que, cf. n.º 2 do artigo 423.º do CPC), se poderia requerer a junção de documentos, desde que apresentados até 20 dias antes da data em que se realize), mas apenas e tão só da repetição de um concreto acto que dela faz parte – a inquirição de uma testemunha – sendo que a audiência de discussão e julgamento já tinha tido lugar e, oportunamente, poderia a autora ter requerido a junção dos documentos que agora pretendeu fazer, o que, nos termos exposto, a lei não lhe consente.
Nesta sede, não se trata de fazer qualquer juízo de valor quanto à relevância probatória dos documentos em causa, mas apenas de aferir da viabilidade legal, da respectiva junção, por reporte ao momento em que foi requerida, concluindo-se que não se trata de “nova audiência de julgamento”, em face do que, atento o disposto no n.º 2 do artigo 423.º do CPC, já não é admissível a pretendida junção de documentos.
Igualmente não tem viabilidade a pretensão da recorrente, para que os mesmos sejam admitidos ao abrigo do disposto nos artigos 6.º e 411.º (e acrescentamos nós do artigo 436.º do NCPC).
O dever de gestão processual e inquisitório que subjaz a tais preceitos não pode servir para “remediar” a inércia da parte, a quem incumbe a alegação e prova dos factos (a que está inerente a junção/indicação dos respectivos meios probatórios) em que assenta a sua pretensão, só se justificando, em nosso entender, o recurso a estes preceitos quando a parte não tem facilidade em os obter ou os não pode obter, devendo esta justificar a dificuldade de, ela própria obter o documento, como refere Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2.ª edição, 2004, Almedina, a pág. 474, em anotação ao disposto no artigo 535.º do CPC (a que corresponde o actual 436.º).
Ora, nada é alegado no sentido de justificar a substituição do tribunal à parte na apresentação dos documentos, pelo que, igualmente, por este prisma, não pode proceder o recurso.
De resto, como acima já referido, os documentos foram emitidos nos meses de Agosto e Outubro de 2011, fazendo parte da contabilidade das empresas envolvidas na operação de transporte em causa (alguns emitidos pela própria autora e ora recorrente), nada tendo sido sequer alegado, no sentido da impossibilidade de os mesmos terem sido anterior e oportunamente apresentados.
Ou seja, a ora recorrente só não os apresentou quando o devia fazer, nos termos legalmente previstos, porque assim entendeu agir/proceder."
III. [Comentário] No acórdão -- que não suscita nenhuma objecção quanto ao decidido -- fala-se d'«o dever de gestão processual e inquisitório». Há aqui alguma imprecisão terminológica, porque uma coisa é o dever de gestão processual (cf. art. 6.º CPC) e outra o princípio inquisitório em matéria probatória (cf. art. 411.º CPC). Em concreto, quando, quanto à requisição de documentos estabelecida no art. 436.º CPC, o tribunal os solicita por sua iniciativa, está a exercer um poder inquisitório que nada tem a ver com a gestão processual.
Acresce que o referido "dever de gestão processual e inquisitório" é relacionado no acórdão com a dificuldade de a parte obter um documento. Também aqui há uma imprecisão: a situação encontra-se regulada no art. 7.º, n.º 4, CPC no âmbito do dever de cooperação do tribunal, que não se confunde nem com o dever de gestão processual, nem com os poderes inquisitórios do tribunal.
MTS
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