Extinção de sociedade;
inutilidade superveniente da lide
1. O sumário de RP 12/7/2017 (4911/11.0TBVFR.P1) é o seguinte:
I - Encontramo-nos perante uma situação de impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, que determina a extinção da instância, nos termos do art.º 277.º al. e) do C.P.C. quando devido a novos factos, verificados na pendência do processo, não existe qualquer efeito útil na decisão a proferir, quando já não é possível o pedido ter acolhimento ou quando o fim visado com a acção foi atingido por outro meio.
II - À luz do disposto neste art.º 162.º do C.S.C. a extinção da sociedade R. não determina, por si só, qualquer situação de impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, com respeito ao pedido reconvencional por ela formulado na acção que se encontra pendente.
III - Nem a extinção da sociedade, nem a declaração feita pelos sócios quando do encerramento da liquidação no sentido de não haver passivo nem activo a partilhar, determinam qualquer inutilidade ao prosseguimento da acção declarativa, com vista à afirmação do efectivo direito das partes.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
O art.º 277.º do C.P.C. dispõe sobre as causas de extinção da instância, prevendo na sua al. e) que a instância se extingue com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.
Encontramo-nos perante uma situação de impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, quando devido a novos factos, verificados na pendência do processo, não existe qualquer efeito útil na decisão a proferir, quando já não é possível o pedido ter acolhimento ou quando o fim visado com a acção foi atingido por outro meio – vd. neste sentido, Alberto dos Reis, in. Comentário ao Código de Processo Civil, Vol III, pág. 367 ss.
Diz-nos o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto [rectius, do STJ] de 19/10/2015, no proc. 122702/13.5YIPRT.P1 in. www.dgsi.pt: “A instância extingue-se sempre que se torne supervenientemente impossível, ou seja, sempre que a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento do objecto do processo, determinando impossibilidade de atingir o resultado visado. A instância extingue-se porque se tornou impossível o prosseguimento da lide. Verificado o facto, o Tribunal não conhece do mérito da causa, limitando-se a declarar aquela extinção.”
Também o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05/12/2012, no proc. 1124/11.4TBTMR.C1 in. www.dgsi.pt refere a respeito da inutilidade superveniente da lide: “A instância extingue-se ou finda de forma anormal de todas as vezes que, ou por motivo atinente ao sujeito, ou por motivo atinente ao objecto, ou por motivo atinente à causa, a respectiva relação jurídica substancial se torne inútil, i.e. deixe de interessar a sua apreciação.”
Para a situação que se discute nos autos, importa ainda ter em conta, em conexão com este art.º 277.º al. e) do C.P.C., o art.º 269.º n.º 3 do C.P.C. que dispõe que a morte ou extinção de alguma das partes não dá lugar à suspensão mas à extinção da instância, quando torne inútil ou impossível a continuação da lide.
Com referência à extinção das sociedades comerciais quando estas são parte numa acção pendente, o art.º 162.º do Código das Sociedades Comerciais vem consagrar expressamente uma regra de substituição processual da sociedade pela generalidade dos seus sócios, que na acção são representados pelo liquidatário, ao estabelecer: “As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.º 2 e 5.” O n.º 2 deste artigo, ao referir que a instância não se suspende, nem é necessária habilitação, vem apontar para uma substituição da sociedade extinta pelos sócios, que são representados na acção pelo liquidatário, sem a necessidade de se despoletar qualquer incidente formal de habilitação no processo.
À luz do disposto neste art.º 162.º do C.S.C. já se vê que a extinção da sociedade R. não determina, por si só, qualquer situação de impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, com respeito ao pedido reconvencional por ela formulado.
Uma sociedade dissolve-se, entre outros casos, por deliberação dos sócios, conforme prevê o art.º 141.º n.º 1 al. b) do C.S.C., o que aconteceu na situação da R. nestes autos, em que através de deliberação dos seus dois únicos sócios, tomada em reunião de 30 de Abril 2012, declararam dissolver a sociedade indicando não ser possível continuar a sua actividade.
De acordo com o que dispõe o art.º 146.º n.º 1 e n.º 2 do C.S.C., a sociedade dissolvida entra imediatamente em liquidação, mantendo a sua personalidade jurídica e continuando a ser-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as normas que regem as sociedades não dissolvidas. A liquidação da sociedade, que passa a competir ao liquidatário, de acordo com o disposto no art.º 152.º n.º 1 e n.º 2 do C.S.C. visa no essencial ultimar os negócios pendentes da sociedade, cumprir as suas obrigações, cobrar os seus créditos, reduzir a dinheiro o património residual, com o objectivo de se efectuar de seguida a partilha entre os sócios.
Uma vez encerrada a liquidação, esta deve ser registada, considerando-se a partir daí a sociedade extinta, conforme dispõe o art.º 160.º n.º 1 e n.º 2 do C.S.C.
Revertendo ao caso concreto, verificamos que na situação da sociedade R. a par da deliberação da sua dissolução, os sócios declararam desde logo proceder ao encerramento da sua liquidação, referindo não haver activo nem passivo a liquidar, efectuando o registo da dissolução e do encerramento da liquidação da sociedade. Conforme se apurou, a sociedade R. foi dissolvida e logo de imediato declarado o encerramento da sua liquidação, não tendo verdadeiramente existido uma liquidação nos termos previstos no art.º 146.º do C.S.C., tendo sido referido pelos sócios não haver activo nem passivo a liquidar.
A decisão recorrida ao concluir pela inutilidade superveniente da lide quanto aos pedidos formulados pelo A. na petição inicial sob as alíneas b), c) e e) e quanto ao pedido reconvencional apresentado pela R., fundamenta a inutilidade na circunstância da sociedade R. ter sido dissolvida e encerrada, sem que nada tenha sido liquidado ou partilhado entre os sócios, ou seja, dá como assente a exactidão das declarações prestadas pelos sócios e constantes da acta junta aos autos, que documenta a existência da sua deliberação sobre a dissolução e liquidação da sociedade, dizendo nada mais haver a partilhar ou liquidar.
Contudo, o tribunal não pode sem mais considerar como verdadeiras ou exactas aquela declarações prestadas pelos sócios, apenas resultando como certo que as mesmas foram proferidas, mas já não que correspondem à verdade.
Esta afirmação dos sócios da sociedade R. de que não há activo ou passivo a partilhar não é necessariamente contrariada pela existência destes autos, uma vez que, quer os invocados créditos do A. sobre a R., quer o invocado direito da R. sobre o A., em sede de pedido reconvencional, são litigiosos e não certos, não se encontrando por isso definida a sua existência concreta à data do encerramento da liquidação da sociedade. Ao liquidarem a sociedade R. os seus dois sócios (marido e mulher) sabiam da pendência da presente acção, tendo sido a procuração da R. subscrita pelo sócio marido, que agora representa os dois sócios da R. na acção, como liquidatário. Mas ainda que assim não fosse, as declarações dos sócios de que não há passivo social e de que não há nada a partilhar, não podem, sem mais, ser consideradas pelo tribunal como verdadeiras em substância, não se impondo como tal."
[MTS]