"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



18/12/2017

Jurisprudência (751)



Arresto; bens comuns;
separação de bens

 

1. O sumário de RP 12/7/2017 (159/17.8T8AVR.P1) é o seguinte:  

I - Não é possível ao cônjuge não devedor no âmbito do procedimento cautelar de arresto-diferentemente do que acontece na execução, no caso de penhora-requerer a separação de bens.

II - Também por esse motivo não cabe no procedimento de arresto, proceder à citação do cônjuge não devedor nos termos do artigo 740.º, nº 1 do CPCivil.


III - Por conseguinte não podem ser arrestados bens comuns do casal para garantia de pagamento de crédito de um dos cônjuges em relação ao outro.


IV - Da mesma forma que não é admissível o arresto do direito à meação ou do quinhão de um dos cônjuges na partilha que venha a ocorrer em cada um dos concretos bens que façam parte do património comum do casal, por tal direito não existir, enquanto tal, no património de cada um deles.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte: 
 
"Dúvidas não existem de que, tal como preceitua o artigo 391.º, nº 1 do CPCivil, o credor para garantia patrimonial do seu crédito só pode requerer o arresto em bens do devedor.

E será um bem próprio o direito à meação do requerido na globalidade dos bens comuns do casal ou do seu quinhão na partilha que venha a ocorrer na sequência do divórcio?


Ensina o Professor Pereira Coelho [In “Curso de Direito da Família”, página 397] que o património comum dos cônjuges constitui uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação, a lei concede certo grau de autonomia - embora limitada e incompleta - mas que pertence aos dois cônjuges, em bloco, sendo ambos titulares de um único direito sobre ela.


Do disposto no artigo 1730.º do Código Civil decorre que ambos os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão - propriedade colectiva ou de mão comum - , assim se conferindo um direito à meação, a realizar no momento em que a divisão do património conjugal venha a ter lugar.

As relações patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução do casamento ou pela separação judicial de pessoas e bens - cfr. artigos 1688.º e 1795.º-A do Código Civil.


Cessadas as relações patrimoniais entre os cônjuges, procede-se à partilha dos bens do casal. Em tal operação, os cônjuges recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a esse património - cfr. artigo 1689.º, nº 1, do Código Civil.


Ou seja, com a cessação das relações patrimoniais dos cônjuges, não está em causa apenas uma divisão dos bens comuns, mas também a liquidação das responsabilidades mútuas bem como das dívidas do casal, quer as comunicáveis, quer as incomunicáveis.


Assim, na comunhão conjugal, podem existir situações jurídicas activas e situações jurídicas passivas.


Se os bens comuns constituem uma massa patrimonial que, como se depreende do citado artigo 1689.º, está especialmente afectada à satisfação das dívidas conjugais e que, por isso, goza de certo grau de autonomia, e se a respectiva titularidade pertence aos cônjuges-ou, decretado o divórcio, aos ex-cônjuges-ocorre perguntar qual a natureza dessa massa: compropriedade ou património colectivo.


O entendimento dominante é o de que o património conjugal constitui uma propriedade colectiva que pertence em comum aos cônjuges mas sem se repartir entre eles por quotas ideais, como acontece na compropriedade.


Com efeito, nesta última, o direito de cada um dos comproprietários exprime-se por uma quota qualitativamente igual às demais mas que pode ser quantitativamente diferente (artigos 1403,° nº 1 e 2 e 1408.° CCivil).


Diversamente, na comunhão conjugal, o direito dos respectivos membros não incide directamente sobre cada um dos elementos que constitui o património, mas sobre todo ele, concebido como um todo unitário; logo, a qualquer daqueles membros, individualmente considerados, não pertencem direitos específicos (designadamente uma quota) sobre cada um dois bens que integram o património global, não lhes sendo lícito, por conseguinte dispor desses bens ou onerá-los [Cfr. Pires de Lima-A. Varela, Código Civil Anotado, vol. III, 1984, p. 347. ss.].


Na comunhão conjugal há, pois, uma comunhão sem quotas: os respectivos titulares são sujeitos de um único direito e de um direito uno que não comporta a sua divisão nem mesmo ideal. [...]


Fica, pois, claro que a indivisão típica da compropriedade não se confunde com a comunhão, típica do património comum conjugal.


Após a extinção do casamento, os bens comuns do casal conservam-se como propriedade ou património colectivo até ocorrer a sua divisão e partilha–judicial ou extrajudicial.


Portanto, não é a simples extinção do vínculo conjugal que automaticamente opera a alteração do regime de bens, legal ou contratualmente fixado para o casamento. A retroacção dos efeitos patrimoniais do divórcio (artigo 1789.º, nºs 1 e 2 do CCivil) não implica que o regime dos bens deixe de ser o da comunhão, se foi esse o adoptado, para passar ao da propriedade em comum, enquanto se não tiver procedido à partilha.


O regime prescrito nos ditos normativos (artigo 1789.º do CCivil) tem a ver com as relações entre os cônjuges e os respectivos e correlativos direitos/obrigações que não com terceiros. Só a partilha põe termo à comunhão podendo, ou não, dar lugar à compropriedade. Enquanto aquela não ocorrer, o regime legal de bens mantém a imutabilidade que lhe é natural, podendo terceiros valer-se das normas legais que o pressupõem.


Aqui chegados, dúvidas não existem de que, o arresto e a penhora obedecem a regimes jurídicos diferentes, sem embargo de apresentarem algumas semelhanças quer nos efeitos de garantia quer na forma da sua efectivação.


Enquanto a penhora é uma providência que consiste na apreensão judicial de bens que os retira da disponibilidade material do seu proprietário-devedor, para serem objecto de execução destinada a dar realização efectiva ao direito do credor-exequente, o arresto, acto preventivo e conservatório, tem uma função puramente cautelar, visando, também, a apreensão judicial de bens, mas para salvaguarda do receio da perda de garantia patrimonial do credor, em virtude de o devedor tornar ou poder tornar difícil a realização coactiva do seu crédito.


Os requisitos do arresto e os seus efeitos estão determinados no Código Civil - cfr. artigo 619.º e sgs.; o modo de o realizar e a sua tramitação estão previstos no CPCivil - cfr. artigos 391.º e segs. e há-de incidir apenas sobre bens do devedor, pois são estes que, em princípio, garantem o cumprimento da obrigação - cfr. artigo 601.º, do CCivil e 391.º, nº 1 do CPCivil.


As disposições da penhora são aplicáveis ao arresto em tudo que não contrariem os termos dos artigos 391.º e segs. do CPCivil, sendo-lhe extensivos, na parte aplicável, os demais preceitos - nº 2 do artigo 622.º do CCivil - a partir da sua conversão nesta–artigo 762.º do CPCivil.


A partir da conversão o arresto deixa de existir como tal, não lhe sendo mais aplicáveis as disposições próprias.


Na execução por dívida da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondem, em primeiro lugar, os bens próprios dele e só subsidiariamente a sua meação nos bens comuns do casal, conforme o disposto no n.º 1, do artigo 1696.º do CCivil.


Mas neste caso, a título provisório, podem ser penhorados bens comuns do casal, sendo o cônjuge do executado citado para, no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns - cfr. artigo 740.º, nº 1 do CPCivil.


Ora, no caso do arresto não há lugar a esta citação visto não estar prevista na lei em relação a ele, mas também por não ser possível fazer funcionar o mecanismo da separação de bens comuns do casal, por o arresto ser um mero procedimento cautelar, de natureza preventiva e conservatória, que esgota os seus efeitos na indisponibilidade dos bens sobre que incide, podendo acontecer que nem tenha seguimento qualquer acção executiva.


Significa, portanto, que a citação do cônjuge meeiro, para requerer a partilha, está fora do âmbito do nº 2 do artigo 391.º do CPCivil.


Na verdade, estamos numa fase anterior à da penhora, já que o arresto pode vir a ser convertido em penhora, mas também pode acontecer que o não seja- cfr. art 622.º, nº 2 do CCivil.


Se for convertido em penhora, ser-lhe-ão aplicáveis as disposições que a esta respeitam, justificando-se, então, a citação do cônjuge para os termos do artigo 740.º, nº 1 do CPCivil, podendo este deduzir oposição à penhora e exercer, nas fases posteriores à sua citação, todos os direitos que a lei processual confere ao executado.


Antes desta fase, a citação não se justifica, por não prevista na lei em relação ao arresto, nem ser possível fazer funcionar o mecanismo da separação de bens comuns do casal, já que nada há a partilhar na fase da providência cautelar que antecede a acção executiva, que até pode nem vir a ter lugar, isto é, a impor-se a citação do cônjuge do executado esta seria inócua, por ele não poder requerer a separação de bens pelas razões já apontadas.


Acresce que, a antiga moratória, agora suprimida pela nova redacção do n.º 1 do artigo 1696.º do CCivil, em nada afecta o que se deixou exposto, pois nele continua a estabelecer-se que pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondem os bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns, ressalvando o citado n.º 1 do artigo 740.º, nº 1.

*

Isto dito, torna-se evidente que, por um lado, constituindo os bens comuns uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação, a lei concede certo grau de autonomia, e que pertence aos dois cônjuges, mas em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são, os dois titulares de um único direito sobre ela, e não possuindo cada um dos cônjuges uma quota-parte sobre cada um dos bens que fazem parte do património comum, sendo titulares de um único direito, que não suporta divisão, nem mesmo ideal, não será admissível o arresto do “direito à meação” em cada um desses bens, por tal direito não existir, enquanto tal, no património de cada um dos cônjuges, assim como também não é admissível, pelas mesma razões, o arresto do quinhão do requerido na partilha que venha a ocorrer na sequência do divórcio.

Por outro lado, também não podem ser arrestados os bens comuns da recorrente e do recorrido, como aquela pretende, já que, como supra se referiu, o arresto apenas pode incidir sobre bens do devedor e, não obstante possam ser penhorados bens comuns do casal nos termos estatuídos no artigo 740.º, nº 1 do CPCivil e ao arresto sejam aplicáveis as disposições da penhora após a sua conversão, o certo é que no caso do arresto não há lugar à citação a que se refere o nº 1 do citado preceito 740.º visto não estar prevista na lei em relação a ele, mas também por não ser possível fazer funcionar o mecanismo da separação de bens comuns do casal, por o arresto ser um mero procedimento cautelar, de natureza preventiva e conservatória, que esgota os seus efeitos na indisponibilidade dos bens sobre que incide, podendo acontecer que nem tenha seguimento qualquer acção executiva."


[MTS]