Prova plena;
valor probatório; ilisão
1. O sumário de RP 3/7/2017 (674/14.5TBVCD.P1) é o seguinte:
I - Pretendendo o recorrente provar, com base exclusivamente em prova pessoal, um facto contrário ao que resulta de um documento com força probatória plena, com total atropelo das exigências legais relativas à forma do negócio e ainda também das regras relativas à vinculação das sociedades comerciais (veja-se o artigo 260º, nº 4, do Código das Sociedades Comerciais), deve indeferir-se a reapreciação desse segmento da decisão da matéria de facto, com base nessa prova.
II - Não questionando o recorrente o acordo das partes relativamente a certa matéria, nem resultando a existência de erro do tribunal recorrido quanto à ocorrência desse acordo, é de indeferir a reapreciação com base em prova pessoal desse segmento de facto plenamente provado com base no acordo das partes.
III - Excetuando o caso da verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil), da existência de questão de conhecimento oficioso, da alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes (artigo 264º do Código de Processo Civil) ou da mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada, os recursos destinam-se à reponderação de questões que hajam sido colocadas e apreciadas pelo tribunal recorrido, não se destinando ao conhecimento de questões novas.
IV - A admissão pelos réus na contestação de factos em contradição com a prova documental legalmente necessária para a comprovação da existência e validade de certo contrato, é inoperante, por força do disposto no nº 2 do artigo 574º do Código de Processo Civil.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"O contrato-promessa de compra e venda de imóvel, tal como o contrato de compra e venda são negócios formais, embora se tenha assistido desde há alguns anos a uma menor exigência da forma legal da compra e venda, admitindo-se a sua celebração por simples documento particular autenticado (vejam-se os artigos 410º, nº 2 e 875º, ambos do Código Civil, este último na redação introduzida pelo decreto-lei nº 116/2008, de 04 de julho). Trata-se de exigências formais ad substantiam, pois que contendem com a validade dos negócios em apreço e não tão-só com a sua prova (veja-se o nº 2, do artigo 364º do Código Civil).
De acordo com o previsto no nº 1, do artigo 393º do Código Civil, se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal, não sendo também admitida a prova por confissão, pois para tanto a lei exige certa prova documental (veja-se o artigo 354º, alínea a), do Código Civil). Importa sublinhar que as limitações à produção de prova testemunhal também se aplicam à prova por presunções judiciais, ex vi artigo 351º do Código Civil.
De igual modo, não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena (artigo 393º, nº 2, do Código Civil).
Porém, as regras dos nºs 1 e 2, do artigo 393º do Código Civil, não são aplicáveis à simples interpretação do contexto do documento (artigo 393º, nº 3, do Código Civil).
Além disso, por força do nº 1, do artigo 394º do Código Civil, é inadmissível a prova testemunhal, se tiver por objeto quaisquer convenções contrárias ou adicionais [Esta limitação probatória incide sobre as estipulações verbais acessórias que se possam considerar válidas (vejam-se os artigos 221º e 222º, ambos do Código Civil e o Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa 2014, página 891, anotação IV; em sede de trabalhos preparatórios, já o Sr. Professor Vaz Serra fazia esta distinção, como se vê da leitura do que escreveu in Provas (Direito Probatório Material), separata do Boletim do Ministério da Justiça, Lisboa 1962, páginas 534 e 535, nº 133)] ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373º a 379º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas, quer sejam posteriores.
Esta proibição de produção de prova testemunhal aplica-se ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocado pelos simuladores, não sendo aplicável a terceiros (nºs 2 e 3, do artigo 394º do Código Civil).
A doutrina [Vejam-se: Provas (Direito Probatório Material) separata do Boletim do Ministério da Justiça, Lisboa 1962, Adriano Paes da Silva Vaz Serra, páginas 574 a 588, escrito produzido em sede de trabalhos preparatórios do atual Código Civil; Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa 2014, páginas 891 e 892, anotações VII e VIII] e a jurisprudência [Vejam-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 22 de maio de 2012, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Fonseca Ramos no processo nº 82/04-6TCFUN-A.L1.S2; de 09 de julho de 2014, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Paulo Sá, no processo nº 28252/10.0T2SNT.L1.S1; de 15 de abril de 2015, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Pires da Rosa, no processo nº 28247/10.4T2SNT-A-L1.S1 [...]] têm flexibilizado a previsão do nº 1, do artigo 394º, do Código Civil, admitindo a produção de prova testemunhal nos casos aí previstos, pelo menos sempre que exista um começo de prova por escrito.
No caso em apreço, o recorrente pretende, em primeiro lugar, provar por meio de prova pessoal que o contrato-promessa no qual foram outorgantes os autores e o recorrente, foi outorgado por este último em representação da sociedade comercial “F..., Lda.”.
Anote-se que nunca esta factualidade foi alegada nos articulados, nem foi incluída nos temas de prova, apenas tendo sido alegada a transmissão da posição contratual de quem prometeu comprar para a sociedade F..., matéria que também não foi incluída nos temas de prova e isso bastaria para determinar a improcedência da reapreciação desta matéria, porque exorbitante do objeto do processo.
Não obstante, sempre se dirá algo mais.
Salvo melhor opinião, com aquela pretensão, o recorrente pretende demonstrar que foi outro sujeito que se obrigou no contrato-promessa como promitente comprador [...], sem que no texto do contrato exista ou se colha um mínimo que indicie a possibilidade do aqui recorrente ter agido enquanto representante legal da aludida sociedade.
Na nossa perspetiva, o que o recorrente pretende provar com base em prova pessoal [...] é um facto contrário ao que resulta de um documento com força probatória plena, com total atropelo das exigências legais relativas à forma do negócio e ainda também das regras relativas à vinculação das sociedades comerciais (veja-se o artigo 260º, nº 4, do Código das Sociedades Comerciais).
Admitir a prova que o recorrente oferece para prova da referida factualidade é admitir a prova por prova pessoal de um facto que não se reveste da forma legalmente prescrita, ou seja, a vinculação da sociedade comercial “F..., Lda.”, na qualidade de promitente compradora e contra o que resulta de um documento particular cuja autenticidade formal não foi questionada pelas partes e sem que do mesmo documento resulte algum elemento que permita duvidar sobre a identidade da pessoa que se vinculou como promitente comprador.
Assim, por estas razões indefere-se a reapreciação do ponto 1 dos fundamentos de facto, com base na prova pessoal oferecida pelo recorrente, mantendo-se nesta parte intocada a decisão impugnada."
[MTS]