"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



12/01/2018

Jurisprudência (768)


Competência material;
Fundo de Resolução


1. O sumário de RL 14/9/2017 (3250-16.4T8ALM-A.L1-8) é o seguinte:

– O Fundo de Resolução, que tem por objecto principal a prestação de apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adoptadas pelo Banco de Portugal, foi criado pelo Decreto-Lei nº 31-A/2012, de 10 de Fevereiro, no âmbito da revisão do regime de saneamento e liquidação das instituições de crédito e sociedades financeiras.
 
– O Fundo é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira (artº 2º nº 1 da Portaria nº 420/2012, de 21 de Dezembro, que aprovou o Regulamento do Fundo de Resolução).
 
– Por se tratar de uma pessoa colectiva de direito público, criada para prosseguir atribuições públicas, são aplicáveis ao Fundo de Resolução as leis do contencioso administrativo, mormente quando estejam em causa actos ou responsabilidades de gestão pública, praticados e regulados por normas de direito administrativo.
 
– A acção destinada a efectivar a responsabilidade civil extracontratual de uma pessoa colectiva de direito público, é regulada no Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, nos termos da qual «correspondem ao exercício da função administrativa as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo” (artº 1º nº 2).
 
– A responsabilidade que se imputa ao Fundo de Resolução é fundada em normas de direito administrativo, na sua actividade ou qualidade de sujeito de direito administrativo, não numa eventual actividade ou qualidade de sujeito de direito privado, de direito comercial. 
 
– Efectivamente, o Fundo de Resolução vem demandado nesta acção apenas por ser o “único accionista” do Novo Banco, sem que, porém, se invoque na petição inicial qualquer disposição legal em que se fundamente a tese dessa responsabilidade do Fundo, como seu “único accionista”, pelas eventuais obrigações daquele banco.
 
– Até porque essa suposta qualidade de accionista único do Novo Banco, é uma qualidade que assiste ao Fundo de Resolução enquanto pessoa colectiva de direito público, e que lhe advém de normas e de actos de direito administrativo.
 
– Advém-lhe do artº 145º-G/4 do RGICSF, ao abrigo do qual “o capital social do banco de transição é realizado pelo Fundo de Resolução com recurso aos seus fundos”. 
 
– E advém-lhe do artº 4º dos Estatutos do Novo Banco, segundo o qual, o capital social do Novo Banco, SA é de quatro mil e novecentos milhões de euros, sendo, nos termos da lei, totalmente detido pelo Fundo de Resolução.
 
– A qualidade em que o Fundo de Resolução aqui intervém só pode ser aferida com base nas relações jurídico-administrativas existentes entre ele e o Novo Banco, porque foi ao abrigo do citado artº 145ºG/4 e dos artºs 153-B a 153-U do RGICSF, e não de normas de direito comercial, que essa regulação se estabeleceu e é regulada.
 
2. Na fundamentação do acórdão escreve-se o seguinte:
 
"O Fundo de Resolução, que tem por objecto principal a prestação de apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adoptadas pelo Banco de Portugal, foi criado pelo Decreto-Lei nº 31-A/2012, de 10 de Fevereiro, no âmbito da revisão do regime de saneamento e liquidação das instituições de crédito e sociedades financeiras.

Aquele diploma aditou ao RGICSF, aprovado pelo DL nº 298/92, de 31 de Dezembro, o artigo 153-B, sob a epígrafe “Criação e Natureza do Fundo de Resolução” veio estabelecer que: 

1 - É criado o Fundo de Resolução, adiante designado por Fundo, pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira.

2 - O Fundo tem sede em Lisboa e funciona junto do Banco de Portugal.

3 - O Fundo rege-se pelo presente diploma, pelos seus regulamentos“.
 
E o artigo 153º-C quanto ao “Objecto do Fundo de Resolução” estabelece que: “O Fundo tem por objecto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adoptadas pelo Banco de Portugal e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam conferidas pela lei no âmbito da execução de tais medidas”

A Portaria nº 420/2012, de 21 de Dezembro aprovou o Regulamento do Fundo de Resolução e no artº 2º (natureza e objecto) prevê expressamente que:

“1 – O Fundo é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira.

2 – O Fundo tem por objecto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adoptadas pelo Banco de Portugal e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam conferidas pela lei no âmbito da execução de tais medidas”.

Por se tratar de uma pessoa colectiva de direito público, criada para prosseguir atribuições públicas, são aplicáveis ao Fundo de Resolução as leis do contencioso administrativo, mormente quando estejam em causa actos ou responsabilidades de gestão pública, praticados e regulados por normas de direito administrativo.

A Lei nº 58/2011, de 28 de Novembro, autorizou o Governo a proceder à revisão do regime aplicável ao saneamento e liquidação das instituições de crédito sujeitas à supervisão do Banco de Portugal.

Na sequência dessa lei de autorização, foi publicado o DL nº 31-A/2012, de 10 de Fevereiro, que operou uma revisão profunda do regime de saneamento e liquidação de instituições de crédito constante do RGICSF, introduzindo uma nova abordagem de intervenção do Banco de Portugal, caracterizada por três fases de intervenção: intervenção correctiva, administração provisória e resolução.

De acordo com os artigos 139º e 140º do RGICSF, os pressupostos de aplicação destas três fases de intervenção dependem (i) da gravidade do risco ou grau de incumprimento, por parte de uma instituição de crédito, das regras legais e regulamentares que disciplinam a sua actividade, bem como (ii) da dimensão das respectivas consequências nos interesse dos depositantes ou na estabilidade do sistema financeiro.

Dentro destas balizas de actuação e sem qualquer relação de precedência, o Banco de Portugal, pautado pelos princípios gerais de adequação e proporcionalidade, pode adoptar ou combinar as medidas estabelecidas em cada fase de intervenção, ainda que de natureza diferente.

Este novo regime visa, na sua essência: (a) a prevenção, através do incremento dos poderes de supervisão do BP, traduzido em deveres de reporte de informação adicionais e sobretudo mais objectivos, de elaboração periódica de planos de contingência, de identificação e controlo do risco e de antecipação de medidas de resolução adequadas; (b) uma intervenção precoce, através da introdução de medidas de intervenção correctiva, de molde a permitir aos bancos a manutenção da sua actividade; e (c) a introdução de medidas de resolução administrativas ou extra-judiciais e de instrumentos de reestruturação ou dissolução controlada (tais como a alienação de activos ou a transferência parcial ou total da actividade para bancos de transição) de modo a assegurar depósitos e outros serviços essenciais, bem como a estabilidade do sistema financeiro[1].

As finalidades das medidas de resolução estão previstas no artigo 145º-A do RGICSF, segundo o qual:

O Banco de Portugal pode aplicar, relativamente às instituições de crédito com sede em Portugal, as medidas previstas no presente capítulo, com o objectivo de prosseguir qualquer das seguintes finalidades:

a) - Assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais;

b) - Acautelar o risco sistémico;

c) - Salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público;

d) - Salvaguardar a confiança dos depositantes.

Assim, o Banco de Portugal teve a possibilidade de “determinar a transferência, parcial ou total, de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de uma instituição de crédito para um ou mais bancos de transição para o efeito constituídos, com o objectivo de permitir a sua posterior alienação a outra instituição autorizada a desenvolver a actividade em causa” – artigo 145-G nº 1 do RGICSF.

Por outro lado, o Banco de Portugal selecciona os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão a transferir para o banco de transição no momento da sua constituição – artº 145º -H nº 1.

O artigo 145º-G (Transferência parcial ou total da actividade para bancos de transição) preceitua:

“1 - O Banco de Portugal pode determinar a transferência, parcial ou total, de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de uma instituição de crédito para um ou mais bancos de transição para o efeito constituídos, com o objectivo de permitir a sua posterior alienação a outra instituição autorizada a desenvolver a actividade em causa. [...]

4 - O capital social do banco de transição é realizado pelo Fundo de Resolução com recurso aos seus fundos”.

Foi ao abrigo deste regime que o Conselho de Administração do Banco de Portugal, por deliberação de 03 de Agosto de 2014, aplicou uma medida de resolução ao BES e, nessa sequência, determinou a constituição do Novo Banco, SA e aprovou os respectivos Estatutos – artº 145º-G nº 5 [...].

E determinou também a transferência de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, SA para o Novo Banco, SA – ponto 2 da referida deliberação [...]

Nos Estatutos do Novo Banco, SA, constantes do Anexo 1 à Deliberação de 3 de Agosto de 2014, dispõe-se no artigo 4º que “ o capital social do Novo Banco, SA é de quatro mil e novecentos milhões de euros, sendo, nos termos da lei, totalmente detido pelo Fundo de Resolução” [...]

Seguindo agora de perto o Acórdão da Relação de Lisboa de 30.03.2017[2] “inexiste qualquer relação jurídica entre o Fundo de Resolução e o autor a sustentar o pedido contra si formulado que é precisamente o decorrente do facto (jurídico-administrativo de resto) desta entidade ser a accionista única do N.B. Pelo que, a acção fundamenta-se, quanto a este réu, na responsabilidade civil extracontratual.

A acção destinada a efectivar a responsabilidade civil extracontratual de uma pessoa colectiva de direito público, é regulada no Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro.

Sucede que, a Lei nº 67/2007 de 31 de Dezembro, estabelece no artº 1º nº 2 que “correspondem ao exercício da função administrativa as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”.

Há pois, que, concluir necessariamente pela incompetência absoluta dos tribunais comuns para conhecer de questões relacionadas com a responsabilidade atribuída, em tais termos, ao Fundo de Resolução."
 
[MTS]