Legitimidade; litisconsórcio necessário;
I - Face à previsão da lei – art. 30º CPC - para efeitos de aferir da legitimidade interessa apenas a relação jurídica controvertida com a configuração subjetiva que o autor (unilateralmente) lhe dá.
II - Apesar de a legitimidade constituir matéria de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso continua vinculado aos factos que as partes apresentaram nos autos e é com base nesses elementos que pode apreciar do pressuposto processual, em obediência ao princípio do dispositivo – art.5º/ CPC.
III - A preterição de litisconsórcio necessário passivo, com fundamento na alegação de um conjunto de factos novos - casamento e constituição da casa de morada de família - não podem ser atendidos pelo tribunal de recurso, quando o réu não os invocou em sua defesa na contestação.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Nas conclusões de recurso insurge-se o apelante contra a sentença por entender que se verifica uma situação de preterição de litisconsórcio necessário passivo, porque o réu encontra-se casado e o imóvel, objeto do litigio, constitui a casa de morada de família e o cônjuge do apelante não foi demandado na ação.
Mais defende que a legitimidade constitui uma exceção de conhecimento oficioso encontrando-se o tribunal de recurso em condições de poder apreciar a exceção.
Com efeito, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
A legitimidade processual constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, como decorre do disposto no art.577º/e), 578º CPC, 278º/1 d)/3 CPC. Sobre a matéria da exceção não recaiu qualquer decisão no tribunal de 1ª instância que se limitou a proceder à apreciação tabelar da mesma e por isso, o tribunal de recurso está em condições de conhecer da exceção – art. 595º/1 a)/3 CPC.
Apesar de a exceção constituir matéria de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso continua vinculado aos factos que as partes apresentaram nos autos e é com base nesses elementos que pode apreciar do pressuposto processual, em obediência ao princípio do dispositivo – art.5º/ CPC.
Prevê o art. 30º, n.ºs. 1 e 2 do C.P.C. que o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer, exprimindo-se tal interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
No art. 30º/3 CPC determina-se que na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
Determina o art. 33º/1 CPC que se, porém, a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade.
Prevê o art.34º/1 CPC que devem ser propostas por ambos os cônjuges, ou por um deles com consentimento do outro, as ações de que possa resultar a perda ou a oneração de bens que só por ambos possam ser alienados ou a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos, incluindo as ações que tenham por objeto, direta ou indiretamente, a casa de morada de família.
A legitimidade constitui um pressuposto processual que se exprime através da titularidade do interesse em litígio, sendo parte legítima como réu quem tiver interesse direto em contradizer. Não basta “um interesse indireto, reflexo ou derivado” [ANTUNES VARELA et al Manual de Processo Civil [2.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1985], pag.135].
Conforme resulta da lei, nada se dispondo em contrário, consideram-se titulares do interesse relevante para efeitos de legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor.
Para efeitos da legitimidade interessa apenas saber quem são os sujeitos da relação controvertida, pois saber se a relação existe, ou não, pertence ao mérito da ação.
Por outro lado, com a alteração introduzida no art. 26º/3 CPC com a reforma de 1995 ( DL 329-A/95 de 12 de dezembro ) e que permaneceu no Novo CPC (redação da Lei 41/2013 de 26 de junho), acolheu-se a tese subjetiva, defendida desde longa data pelo jurista Barbosa de Magalhães e posteriormente, por Palma Carlos segundo a qual têm legitimidade para a ação os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor.
Na tese objetiva defendia-se que para apuramento da legitimidade deve abstrair-se da efetiva existência do direito ou interesse material, cumprindo ao juiz averiguar se estão na causa os sujeitos da relação controvertida. Na tese subjetiva para aferir da legitimidade deve abstrair-se da efetiva titularidade.
Nesta corrente que obteve consagração legal, ao apuramento da legitimidade interessa apenas a consideração do pedido e da causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram a causa de pedir [Cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS ISABEL ALEXANDRE, Vol. I, 3ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2014, pag. 71-72].
Face à previsão da lei para efeitos de aferir da legitimidade interessa apenas a relação jurídica controvertida com a configuração subjetiva que o autor (unilateralmente) lhe dá.
A falta do pressuposto processual fica circunscrita, usando as palavras do Professor ANTUNES VARELA:”[…]aos casos (raros) de divergência entre as pessoas identificadas pelo autor como adversários da sua pretensão e as pessoas efetivamente ingressadas em juízo, e os casos (não menos raros) em que da própria petição transpareça a conclusão de que o autor chama a juízo pessoas, que não são os sujeitos da relação controvertida” [ANTUNES VARELA et al Manual de Processo Civil, ob. cit., pag. 148].
Neste quadro legal TEIXEIRA DE SOUSA defende a supressão do” pressuposto da legitimidade processual, porque inútil e redundante em face da apreciação de mérito, a não ser nos casos de legitimidade indireta ( substituição processual ) ou de tutela de interesses coletivos ou difusos” [JOSÉ LEBRE DE FREITAS ∙ ISABEL ALEXANDRE, Vol. I, 3ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2014, pag. 73].
Retomando o caso concreto, à luz do que se deixou exposto, somos levados a concluir que o apelante, réu D…, tem legitimidade para a ação, por ter interesse direto em contradizer a pretensão do autor, atendendo à forma como o autor configurou a relação controvertida.
O autor atribui apenas ao réu a participação no acordo simulatório, identificando-o como solteiro e juntou os documentos que comprovam os atos praticados nos quais o réu aparece sempre identificado como solteiro, como decorre da escritura pública celebrada em 08 de agosto de 2008. Para além disso, alegou, como facto integrado no acordo simulatório, que o réu nunca habitou no imóvel a que se reportam os autos, o qual se julgou provado, por acordo, por falta de contestação e que consta do ponto 18 dos factos provados.
Tal como o autor estruturou a sua pretensão apenas o réu tinha e tem interesse em contradizer os fundamentos da ação e por isso é parte legítima.
O apelante invoca a preterição de litisconsórcio necessário passivo, com fundamento na alegação de um conjunto de factos novos – casamento e constituição da casa de morada de família - e que não podem ser atendidos pelo tribunal de recurso.
O recurso consiste no pedido de reponderação sobre certa decisão judicial, apresentada a um órgão judiciariamente superior ou por razões especiais que a lei permite fazer valer[9]. O recurso ordinário (que nos importa analisar para a situação presente) não é uma nova instância, mas uma mera fase (eventualmente) daquela em que a decisão foi proferida.
O recurso é uma mera fase do mesmo processo e reporta-se à mesma relação jurídica processual ou instância [...]. Dentro desta orientação tem a nossa jurisprudência [...] repetidamente afirmado que os recursos visam modificar decisões e não criar soluções sobre matéria nova.
O tribunal de recurso vai reponderar a decisão tal como foi proferida.
Os recursos destinam-se em regra a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, apenas se excetuando: o caso da verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC); a existência de questão de conhecimento oficioso; a alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes (artigo 272º do CPC); e a mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada.
Verifica-se que os factos e novos argumentos que o apelante vem introduzir nas conclusões do recurso não podem ser considerados, pois constituem factos novos e controvertidos, por se encontrarem em manifesta oposição com os fundamentos da ação, a alegar em sede de contestação, para fundamentar a matéria da exceção.
Entendemos, assim, que não tem aplicação à concreta situação o decidido no Ac. Rel. Lisboa de 06 de março de 2014 [Ac. Rel. Lisboa 06 de março de 2014, Proc. 281/12.7TBPTS.L1-6, www.dgsi.pt], citado pelo apelante, pois no citado aresto estava em causa a apreciação de uma mera questão de direito relacionada com a demanda da herança ilíquida e indivisa na ação.
Conclui-se, assim, nos termos do art. 627º CPC que nenhuma relevância merece, nesta sede, os factos novos que o apelante vem alegar e bem assim, os novos fundamentos de sustentação da sua defesa, pois os mesmos não foram considerados na decisão objeto de recurso e não são de conhecimento oficioso, sendo certo que ao tribunal de recurso apenas cumpre reapreciar as matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal “a quo“ ficando por isso vedado a apreciação de novos fundamentos de sustentação do pedido (matéria não anteriormente alegada). Tal como o juiz da 1ª instância, em sede de recurso, o tribunal “ad quem“ está limitado pelo pedido e seus fundamentos e pela defesa tal como configurados na ação, motivo pelo qual está impedido de conhecer do objeto do recurso nesta parte."
3. [Comentário] A decisão tomada no acórdão pode parecer demasiado formal, mas a verdade é que está totalmente correcta (considerando, naturalmente, os actuais parâmetros do direito positivo).
Importa não confundir matéria de conhecimento oficioso com poderes inquisitórios do tribunal (cf., por exemplo, Rosenberg/Schwab/Gottwald, Zivilprozessrecht, 17.ª ed. (2010), 407; Stein/Jonas/Jacoby (2014) § 56 5). A matéria é de conhecimento oficioso quando o tribunal pode conhecer dela mesmo que as partes não solicitem ao tribunal a sua apreciação. O conhecimento oficioso não é incompatível com o princípio dispositivo e não atribui ao tribunal nenhuns poderes inquisitórios sobre matéria não alegada (ou não atempadamente alegada) pelas partes.
Da conjugação da oficiosidade do conhecimento com o princípio dispositivo resulta que o tribunal pode (e deve) conhecer por sua iniciativa de determinada matéria, apesar de estar vinculado aos factos alegados pelas partes. Dito de outro modo: a qualificação de uma matéria como sendo de conhecimento oficioso não significa que o tribunal deva procurar investigar matéria não alegada pelas partes para poder conhecer ex officio dessa matéria. Por exemplo: a incompetência absoluta é, em geral, de conhecimento oficioso (cf. art. 97.º, n.º 1, CPC); mas, se das alegações das partes não resultar a incompetência absoluta do tribunal, esse conhecimento oficioso não implica que o tribunal deva investigar se algum facto não alegado pelas partes determina essa incompetência.
Assim, a circunstância de a generalidade dos pressupostos processuais e das excepções dilatórias ser de conhecimento oficioso (cf. art. 578.º CPC) não implica que o tribunal deva (ou possa) tomar em consideração, por sua iniciativa, matéria não alegada (ou não atempadamente alegada) pelas partes. Repete-se: conhecimento oficioso não significa substituição dos ónus das partes por poderes do tribunal.
Há que ressalvar os poderes inquisitórios do tribunal em matéria de prova quanto a factos com relevância para a apreciação dos pressupostos processuais (cf. art. 411.º CPC). Mas estes poderes integram o regime geral para a prova de quaisquer factos relevantes para a apreciação de qualquer matéria de direito, seja ela material ou processual. Não há, por isso, nenhum regime específico para a apreciação dos pressupostos processuais.
Não se ignora que, no caso sub iudice, a circunstância de ter sido demandado apenas um dos cônjuges afecta o outro cônjuge (que é um terceiro perante a acção), em especial quanto a aspectos patrimoniais. Mas este aspecto releva apenas nas relações internas entre os cônjuges, não podendo o cônjuge não demandado nada opor ao demandante que venha a obter ganho de causa, tanto mais que esse cônjuge podia ter intervindo espontaneamente na acção com fundamento na preterição de litisconsórcio necessário (cf. 311.º CPC).
MTS
"Nas conclusões de recurso insurge-se o apelante contra a sentença por entender que se verifica uma situação de preterição de litisconsórcio necessário passivo, porque o réu encontra-se casado e o imóvel, objeto do litigio, constitui a casa de morada de família e o cônjuge do apelante não foi demandado na ação.
Mais defende que a legitimidade constitui uma exceção de conhecimento oficioso encontrando-se o tribunal de recurso em condições de poder apreciar a exceção.
Com efeito, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
A legitimidade processual constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, como decorre do disposto no art.577º/e), 578º CPC, 278º/1 d)/3 CPC. Sobre a matéria da exceção não recaiu qualquer decisão no tribunal de 1ª instância que se limitou a proceder à apreciação tabelar da mesma e por isso, o tribunal de recurso está em condições de conhecer da exceção – art. 595º/1 a)/3 CPC.
Apesar de a exceção constituir matéria de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso continua vinculado aos factos que as partes apresentaram nos autos e é com base nesses elementos que pode apreciar do pressuposto processual, em obediência ao princípio do dispositivo – art.5º/ CPC.
Prevê o art. 30º, n.ºs. 1 e 2 do C.P.C. que o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer, exprimindo-se tal interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
No art. 30º/3 CPC determina-se que na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
Determina o art. 33º/1 CPC que se, porém, a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade.
Prevê o art.34º/1 CPC que devem ser propostas por ambos os cônjuges, ou por um deles com consentimento do outro, as ações de que possa resultar a perda ou a oneração de bens que só por ambos possam ser alienados ou a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos, incluindo as ações que tenham por objeto, direta ou indiretamente, a casa de morada de família.
A legitimidade constitui um pressuposto processual que se exprime através da titularidade do interesse em litígio, sendo parte legítima como réu quem tiver interesse direto em contradizer. Não basta “um interesse indireto, reflexo ou derivado” [ANTUNES VARELA et al Manual de Processo Civil [2.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1985], pag.135].
Conforme resulta da lei, nada se dispondo em contrário, consideram-se titulares do interesse relevante para efeitos de legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor.
Para efeitos da legitimidade interessa apenas saber quem são os sujeitos da relação controvertida, pois saber se a relação existe, ou não, pertence ao mérito da ação.
Por outro lado, com a alteração introduzida no art. 26º/3 CPC com a reforma de 1995 ( DL 329-A/95 de 12 de dezembro ) e que permaneceu no Novo CPC (redação da Lei 41/2013 de 26 de junho), acolheu-se a tese subjetiva, defendida desde longa data pelo jurista Barbosa de Magalhães e posteriormente, por Palma Carlos segundo a qual têm legitimidade para a ação os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor.
Na tese objetiva defendia-se que para apuramento da legitimidade deve abstrair-se da efetiva existência do direito ou interesse material, cumprindo ao juiz averiguar se estão na causa os sujeitos da relação controvertida. Na tese subjetiva para aferir da legitimidade deve abstrair-se da efetiva titularidade.
Nesta corrente que obteve consagração legal, ao apuramento da legitimidade interessa apenas a consideração do pedido e da causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram a causa de pedir [Cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS ISABEL ALEXANDRE, Vol. I, 3ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2014, pag. 71-72].
Face à previsão da lei para efeitos de aferir da legitimidade interessa apenas a relação jurídica controvertida com a configuração subjetiva que o autor (unilateralmente) lhe dá.
A falta do pressuposto processual fica circunscrita, usando as palavras do Professor ANTUNES VARELA:”[…]aos casos (raros) de divergência entre as pessoas identificadas pelo autor como adversários da sua pretensão e as pessoas efetivamente ingressadas em juízo, e os casos (não menos raros) em que da própria petição transpareça a conclusão de que o autor chama a juízo pessoas, que não são os sujeitos da relação controvertida” [ANTUNES VARELA et al Manual de Processo Civil, ob. cit., pag. 148].
Neste quadro legal TEIXEIRA DE SOUSA defende a supressão do” pressuposto da legitimidade processual, porque inútil e redundante em face da apreciação de mérito, a não ser nos casos de legitimidade indireta ( substituição processual ) ou de tutela de interesses coletivos ou difusos” [JOSÉ LEBRE DE FREITAS ∙ ISABEL ALEXANDRE, Vol. I, 3ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2014, pag. 73].
Retomando o caso concreto, à luz do que se deixou exposto, somos levados a concluir que o apelante, réu D…, tem legitimidade para a ação, por ter interesse direto em contradizer a pretensão do autor, atendendo à forma como o autor configurou a relação controvertida.
O autor atribui apenas ao réu a participação no acordo simulatório, identificando-o como solteiro e juntou os documentos que comprovam os atos praticados nos quais o réu aparece sempre identificado como solteiro, como decorre da escritura pública celebrada em 08 de agosto de 2008. Para além disso, alegou, como facto integrado no acordo simulatório, que o réu nunca habitou no imóvel a que se reportam os autos, o qual se julgou provado, por acordo, por falta de contestação e que consta do ponto 18 dos factos provados.
Tal como o autor estruturou a sua pretensão apenas o réu tinha e tem interesse em contradizer os fundamentos da ação e por isso é parte legítima.
O apelante invoca a preterição de litisconsórcio necessário passivo, com fundamento na alegação de um conjunto de factos novos – casamento e constituição da casa de morada de família - e que não podem ser atendidos pelo tribunal de recurso.
O recurso consiste no pedido de reponderação sobre certa decisão judicial, apresentada a um órgão judiciariamente superior ou por razões especiais que a lei permite fazer valer[9]. O recurso ordinário (que nos importa analisar para a situação presente) não é uma nova instância, mas uma mera fase (eventualmente) daquela em que a decisão foi proferida.
O recurso é uma mera fase do mesmo processo e reporta-se à mesma relação jurídica processual ou instância [...]. Dentro desta orientação tem a nossa jurisprudência [...] repetidamente afirmado que os recursos visam modificar decisões e não criar soluções sobre matéria nova.
O tribunal de recurso vai reponderar a decisão tal como foi proferida.
Os recursos destinam-se em regra a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, apenas se excetuando: o caso da verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC); a existência de questão de conhecimento oficioso; a alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes (artigo 272º do CPC); e a mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada.
Verifica-se que os factos e novos argumentos que o apelante vem introduzir nas conclusões do recurso não podem ser considerados, pois constituem factos novos e controvertidos, por se encontrarem em manifesta oposição com os fundamentos da ação, a alegar em sede de contestação, para fundamentar a matéria da exceção.
Entendemos, assim, que não tem aplicação à concreta situação o decidido no Ac. Rel. Lisboa de 06 de março de 2014 [Ac. Rel. Lisboa 06 de março de 2014, Proc. 281/12.7TBPTS.L1-6, www.dgsi.pt], citado pelo apelante, pois no citado aresto estava em causa a apreciação de uma mera questão de direito relacionada com a demanda da herança ilíquida e indivisa na ação.
Conclui-se, assim, nos termos do art. 627º CPC que nenhuma relevância merece, nesta sede, os factos novos que o apelante vem alegar e bem assim, os novos fundamentos de sustentação da sua defesa, pois os mesmos não foram considerados na decisão objeto de recurso e não são de conhecimento oficioso, sendo certo que ao tribunal de recurso apenas cumpre reapreciar as matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal “a quo“ ficando por isso vedado a apreciação de novos fundamentos de sustentação do pedido (matéria não anteriormente alegada). Tal como o juiz da 1ª instância, em sede de recurso, o tribunal “ad quem“ está limitado pelo pedido e seus fundamentos e pela defesa tal como configurados na ação, motivo pelo qual está impedido de conhecer do objeto do recurso nesta parte."
3. [Comentário] A decisão tomada no acórdão pode parecer demasiado formal, mas a verdade é que está totalmente correcta (considerando, naturalmente, os actuais parâmetros do direito positivo).
Importa não confundir matéria de conhecimento oficioso com poderes inquisitórios do tribunal (cf., por exemplo, Rosenberg/Schwab/Gottwald, Zivilprozessrecht, 17.ª ed. (2010), 407; Stein/Jonas/Jacoby (2014) § 56 5). A matéria é de conhecimento oficioso quando o tribunal pode conhecer dela mesmo que as partes não solicitem ao tribunal a sua apreciação. O conhecimento oficioso não é incompatível com o princípio dispositivo e não atribui ao tribunal nenhuns poderes inquisitórios sobre matéria não alegada (ou não atempadamente alegada) pelas partes.
Da conjugação da oficiosidade do conhecimento com o princípio dispositivo resulta que o tribunal pode (e deve) conhecer por sua iniciativa de determinada matéria, apesar de estar vinculado aos factos alegados pelas partes. Dito de outro modo: a qualificação de uma matéria como sendo de conhecimento oficioso não significa que o tribunal deva procurar investigar matéria não alegada pelas partes para poder conhecer ex officio dessa matéria. Por exemplo: a incompetência absoluta é, em geral, de conhecimento oficioso (cf. art. 97.º, n.º 1, CPC); mas, se das alegações das partes não resultar a incompetência absoluta do tribunal, esse conhecimento oficioso não implica que o tribunal deva investigar se algum facto não alegado pelas partes determina essa incompetência.
Assim, a circunstância de a generalidade dos pressupostos processuais e das excepções dilatórias ser de conhecimento oficioso (cf. art. 578.º CPC) não implica que o tribunal deva (ou possa) tomar em consideração, por sua iniciativa, matéria não alegada (ou não atempadamente alegada) pelas partes. Repete-se: conhecimento oficioso não significa substituição dos ónus das partes por poderes do tribunal.
Há que ressalvar os poderes inquisitórios do tribunal em matéria de prova quanto a factos com relevância para a apreciação dos pressupostos processuais (cf. art. 411.º CPC). Mas estes poderes integram o regime geral para a prova de quaisquer factos relevantes para a apreciação de qualquer matéria de direito, seja ela material ou processual. Não há, por isso, nenhum regime específico para a apreciação dos pressupostos processuais.
Não se ignora que, no caso sub iudice, a circunstância de ter sido demandado apenas um dos cônjuges afecta o outro cônjuge (que é um terceiro perante a acção), em especial quanto a aspectos patrimoniais. Mas este aspecto releva apenas nas relações internas entre os cônjuges, não podendo o cônjuge não demandado nada opor ao demandante que venha a obter ganho de causa, tanto mais que esse cônjuge podia ter intervindo espontaneamente na acção com fundamento na preterição de litisconsórcio necessário (cf. 311.º CPC).
MTS