"[...] aduzem as Recorrentes que o Aresto em crise fez uma aplicação errada das normas substantivas e processuais à factualidade dada como provada, manifestando-se tal erro, a final, numa posição manifestamente insustentável do ponto de vista científico-lógico, pois, in casu, não obstante o Tribunal a quo ter dado como provado que a recorrida deixou caducar a providência cautelar e que a sua execução “provocou alarido nas instalações da empresa do A e foi do conhecimento imediato da vizinhança e de, pelo menos, 2 clientes que se encontravam presentes e que causou humilhação ao A” entendeu não atribuir qualquer indemnização aos Recorrentes, não obstante estarem reunidos os pressupostos para o efeito, nem, in extremis, caso se deparasse com falta de elementos nos autos que permitissem apurar concretamente os danos sofridos, relegar a liquidação da indemnização para competente incidente de liquidação de sentença, embora não devesse descurar o recurso à equidade, como pode fazer o Tribunal ad quem. Acrescentam ainda que a interpretação efectuada do artigo 483º do CCivil é inconstitucional, por violar justa e conjugadamente o próprio, o artigo 72.º do mesmo diploma legal e o artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa, já que a todo o dano deverá corresponder uma justa indemnização, por não ser consentâneo com o princípio do Estado de Direito, o qual foi, assim, também violado pela decisão.
A este propósito considerou-se na decisão impugnada:
«Se há fundamento para condenar a Ré a indemnizar os AA por danos patrimoniais e não patrimoniais causados pela execução da providência cautelar, ainda que apenas no que se vier a liquidar, como pediam na petição.
O art. 374° n.°1 do CPC, que corresponde com idêntica redação ao anterior 390° n.°l do mesmo diploma, estipula: «Se a providência for considerada injustificada ou vier a caducar por facto imputável ao requerente, responde este pelos danos culposamente causados ao requerido, quando não tenha agido com a prudência normal.».
Estamos perante uma norma que cria uma fonte de responsabilização do requerente por danos que a sua conduta determine na esfera da parte contrária, mas que apenas serve de fundamento a que, noutra ação, o lesado alegue e prove os factos de que depende a concessão desse direito.
Para que ocorra responsabilidade com base neste normativo, torna-se necessário provar os factos geradores da responsabilidade civil:
Injustificação ou caducidade da providência;
Imputação ao requerente;
Actuação do requerente fora das regras de prudência normal;
Danos determinados pela providência requerida;
Nexo de causalidade entre a conduta da requerente e tais danos (cf. neste sentido Abrantes Geraldes, Temas de Reforma do Processo Civil, 1998, vol. III, pág.268)
Quanto a esta pretensão dos AA está provado sob o n.° 28, que a Ré deduziu um procedimento cautelar que correu termos nas Varas Cíveis …., para entrega de documentos que deixou caducar.
Por outro lado, atenta a decisão do recurso da matéria de facto, apenas se julgou provado, que a realização da diligência decretada no procedimento cautelar, provocou alarido nas instalações da empresa do A e foi do conhecimento imediato da vizinhança e de, pelo menos, dois clientes que se encontravam presentes nas instalações e que causou humilhação ao A.
Pode ainda ser considerado o que consta do requerimento inicial desse procedimento cautelar cuja cópia está junta a fls. 723 a 741 dos autos, a cópia da oposição que a Requerida (aqui A) apresentou ao procedimento cautelar a fls. 482 a 498 a ainda a fls. 837 consta a cópia do despacho datado de 16.11.2011, que declarou a caducidade do referido procedimento cautelar, por não ter a Requerente (ora Ré) proposto a respectiva ação principal.
Assim sendo, esta factualidade apenas permite considerar verificados os dois primeiros pressupostos, ou seja, caducidade do procedimento, imputável à requerente, ora Ré.
Não é sequer suficiente para o terceiro pressuposto, ou seja que a Ré, requerente do procedimento cautelar atuou com dolo ou culpa, o que implicava que se provasse que a factualidade determinante do decretamento da providência não correspondia à verdade.
De qualquer forma, a questão é irrelevante, pois a factualidade provada não permite de qualquer forma considerar que a A C, sofreu danos passíveis de ser indemnizados, com fundamento no citado art. 374° n.°l do CPC.
Ao contrário do que sustentam os Apelantes, os eventuais danos causados pela execução do procedimento cautelar de apreensão de documentos, nunca podem ser integrar o conceito de factos notórios, legalmente definidos, nos termos do art. 412 n.° 1 do CPC, como aqueles que são do conhecimento geral.
O conhecimento geral a que se refere este preceito que corresponde ao anterior 514° do CPC, é o conhecimento por parte da grande maioria dos cidadãos do país, que possam considerar-se regularmente informados, isto é, com acesso aos normais meios de informação (cf. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, vol. III, pág.76).
Ora, o conhecimento da diligência de apreensão dos documentos propriamente dita, não é em si um facto notório, por estar limitado e localizado, às pessoas da vizinhança, não constando dos autos que tenha sido noticiado a nível nacional ou sequer local.
Por maioria de razão, as consequências dessa apreensão, decretada provisoriamente num processo de natureza cível, tem de ser concretizada e provada, não constituindo sequer presunção natural, que vai provocar perda de clientela ou criar dificuldade no acesso ao crédito bancário.
De referir ainda que no procedimento cautelar a Requerida foi apenas a ora A. C Lda, que tem personalidade judiciária distinta, do seu sócio-gerente e, por isso, quem tinha legitimidade processual e substantiva, para peticionar a indemnização pela caducidade da providencia era apenas a sociedade e não o A.
De resto, a humilhação sofrida pelo A com a diligência de apreensão, consubstancia incómodo que não atinge gravidade suficiente para merecer a tutela do direito, como exige o art. 495° n.° 1 do CC.
Improcede, pois, a pretensão dos Apelantes quanto a terem direito a uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais causados pela execução da providência cautelar.».
Dispõe o artigo 374º, nº1 do CPCivil que «Se a providência (…) vier a caducar por facto imputável ao requerente, responde este pelos danos culposamente causados ao requerido, quando não tenha agido com a prudência normal.», contendo este normativo um afloramento da responsabilidade extra contratual.
Sem embargo de constituir um direito fundamental de qualquer cidadão, o recurso aos Tribunais a fim de defenderem os seus direitos, o que se mostra consignado constitucionalmente, no artigo 20º, nº1 da CRPortuguesa, se a via jurisdicional encetada se vier a mostrar que foi usada em manifesto abuso do direito, poderá fazer incorrer o impetrante na correspondente responsabilidade pelos prejuízos que infundadamente vier a causar à outra parte, maxime, por via de um procedimento cautelar que se venha a deixar caducar pela não instauração atempada da respectiva acção principal, cfr Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre O Novo Processo Civil, 253/255; Rita Lynce de Faria, A Função Instrumental da Tutela Cautelar Não Específicada, 240/256.
Alegaram os Autores, aqui Recorrentes, que a Ré/Recorrida instaurou uma providência cautelar para entrega de documentos, a qual veio a ser deferida e realizada, tendo-lhe causado danos materiais e morais que computou em € 25.000.
A materialidade factual a ter em conta para a resolução desta questão é a que resulta dos pontos 28. E 28.A., que aqui se convocam:
«28. A Ré deduziu um procedimento cautelar que correu termos nas Varas Cíveis …, tendo-lhe correspondido o processo n° 556/11.2TVPRT, da 1ª Vara, 1a Secção, para entrega de documentos que deixou caducar.
28.A. A realização da diligência decretada no procedimento cautelar, provocou alarido nas instalações da empresa do A e foi do conhecimento imediato da vizinhança e de, pelo menos, dois clientes que se encontravam presentes nas instalações da A e causou humilhação ao A. (facto aditado pelo tribunal da relação)».
A responsabilização do Requerente de uma providência cautelar dos danos que vier a causar ao Requerido da mesma por a ter deixado caducar, dependerá da alegação e prova por este, em acção subsequente a intentar contra aqueloutro, dos pressupostos integrantes da responsabilidade civil, aludidos no artigo 483º, nº1 do CCivil, para onde nos remete a letra e o espírito do artigo 374º, nº1 do CPCivil.
O princípio geral que rege a matéria da responsabilidade civil é o consignado no artigo 483° do Código Civil segundo o qual «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação», incumbindo ao lesado provar a culpa do autor da lesão, de acordo com o disposto no artigo 487º, nº1, do mesmo diploma legal.
Constituem pressupostos do dever de reparação resultante da responsabilidade civil por factos ilícitos: a existência de um facto voluntário do agente e não de um facto natural causador de danos; a ilicitude desse facto; a existência de um nexo de imputação do facto ao lesante; que da violação do direito subjectivo ou da lei resulte um dano; que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima de forma a poder concluir-se que este resulta daquela, cfr Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I Vol., 1986, 477/478.
Igualmente resulta, neste conspectu, do apuramento das responsabilidades que «É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa.».
Inexistindo aqui qualquer presunção legal de culpa adveniente da mera constatação fáctica de que o Recorrido deixou caducar a providência, incumbia aos Autores a alegação e prova da factualidade consubstanciadora do direito ao ressarcimento pelos danos produzidos que invocaram e aqui reiteram em sede de recurso, sendo aqui que está o nó górdio da problemática recursiva, pois a omissão por banda daquele em instaurar a acção principal da qual dependia a operância do processo cautelar, a se, não conduz a uma imputação automática da culpa ao requerente da medida provisória, sempre se acrescentando que da efectivação da mesma podem, ou não, resultar danos indemnizáveis, entendendo-se estes como os prejuízos (contabilizáveis) que efectivamente sejam causados.
A este propósito apurado ficou que a realização da diligência ordenada em sede cautelar provocou alarido nas instalações da empresa do Autor e foi do conhecimento imediato da vizinhança e de, pelo menos, dois clientes que se encontravam presentes nas instalações da Autora e causou humilhação ao Autor, situação esta que só por si apenas traduz uma consequência normal da situação havida, pois é natural que uma intervenção judicial, seja de que natureza for, provoque burburinho e cause embaraço.
Questão outra, é a de saber se a caducidade da providência foi devida a facto imputável ao Requerente da mesma, aqui Recorrido, o que manifestamente se não apurou, bem como se o alvoroço criado e a humilhação sofrida foram gratuitas, causando os alegados danos.
Se é verdade que o lesante está obrigado a indemnizar os danos decorrentes da lesão provocada, também é verdade que o lesado tem de alegar e provar a materialidade fáctica conducente ao direito que alega, nos termos do artigo 342º, nº1 do CCivil, o que no caso não aconteceu, inexistindo assim qualquer violação de qualquer direito pessoal dos Recorrentes constitucionalmente protegido, cfr inter alia os Ac STJ de 24 de Fevereiro de 2005 (Relator Abilio Vasconcelos), 17 de Junho de 2010 (Relator Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt.
Assim sendo, este non liquet da responsabilidade dos Recorrentes porque sobre eles recaía o ónus da prova dos factos consubstanciadores do direito alegado, faz soçobrar a pretensão pelos mesmos formulada."
*3. [Comentário] Não parece que se possa afirmar que se verifique um non liquet sobre se a caducidade da providência cautelar é imputável à requerente. Estando assente que esta requerente "deixou caducar" a providência cautelar por não ter proposto a acção principal, está necessariamente assente através de uma prova prima facie que a caducidade da providência lhe é imputável.
Para que assim não fosse, teria sido necessário que a requerente tivesse provado algum facto que tivesse demonstrado a impossibilidade de propor a acção principal no prazo legal. Não o tendo feito, há que concluir que, não se tendo apurado nada que tenha obstado à propositura da acção principal, a omissão desta propositura é necessariamente imputável à requerente.
Aliás, cabe perguntar que prova, além daquela que resulta da própria omissão da instauração da acção principal, seria exigível ao requerido para demonstrar que essa omissão era imputável ao requerente. É fácil concluir que exigir que o requerido demonstrasse que nada impedia a propositura dessa acção pelo requerente seria exigir-lhe uma verdadeira probatio diabolica.
MTS