Responsabilidade civil;
"perda de chance"; ónus da prova
1. O sumário de RP 13/1/2022 (22174/15.6T8PRT.P2) é o seguinte:
I - Nos casos de “perda de chance” processual importa fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, no sentido de apurar qual a solução jurídica que mais provavelmente seria proferida no tribunal da acção em que a parte que a invoca alega ter ficado prejudicada.
II - O ónus de prova de tal probabilidade impende sobre o lesado, como facto constitutivo que é da obrigação de indemnizar (art.º 342.º, n.º 1, do CC).
III - No caso dos autos e para efeitos de indemnização por “perda de chance” processual, recai sobre o Autor o ónus de provar a probabilidade de sucesso da acção de impugnação do despedimento instaurada em seu nome pelo Réu, na qualidade de advogado, mas que acabou por ser julgada improcedente em virtude da procedência da excepção da prescrição e que ao réu dos autos é imputável.
IV - Apesar disso, não se pode também ignorar que na mesma acção de natureza laboral, era sobre a entidade patronal que recaía o ónus de provar os factos integrativos da justa causa do despedimento, cabendo ao trabalhador produzir a contraprova desses factos, nos termos do artigo 346.º do CC.
V - Deste modo, cabia ao Autor da presente acção demonstrar a alta probabilidade da sua entidade patronal não conseguir produzir a referida prova.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Como bem se afirma na decisão recorrida, na presente acção as Autoras fundamentam os seus pedidos e desde logo “na circunstância de ter havido violação do dever profissional de zelo e diligência por parte do Réu, advogado, na execução de um contrato de prestação de serviços, na modalidade de mandato, o que o faz incorrer em responsabilidade civil contratual.”
Sem necessidade de as voltar aqui a reproduzir, temos como válidas e pertinentes todas as considerações que na sentença recorrida tratam do enquadramento no nosso direito substantivo e estatutário dos referidos pedidos, a saber os artigos 798º e seguintes, 342º, 265º, 1157º, 487º, nº2 e 563º, todos do Código Civil e 92º, nº1 e 95º, nº1, alíneas a) e b) do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei nº15/2005 de 26/01).
Aplicando tais regras ao caso concreto e aos factos que resultaram provados o que importa salientar é o seguinte:
Comprovou-se que no exercício do mandato que lhe foi atribuído, o Réu instaurou, em 17/5/2012, uma acção de impugnação judicial de despedimento contra os EE…, S.A., processo que correu termos na secção única do Tribunal de Trabalho de …, sob o n.º 427/12….
Tal decisão de intentar o identificado processo de impugnação, como aliás refere o Tribunal “a quo”, não se revelava em concreto, juridicamente insustentável.
E isto não obstante a hipótese de nestes casos ser possível ao trabalhador, opor-se ao despedimento através da apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, nos termos do art.º 387.º, n.º 2 do Código do Trabalho, (aprovado pelo DL. n.º7/2009, de 12/02).
No entanto, ficou igualmente provado que a referida acção de impugnação judicial de despedimento deu entrada em juízo já depois de transcorrido o prazo de 60 dias estabelecido no art.º 387.º, n.º 2, do Código do Trabalho, para impugnar o despedimento (cf. o decidido na sentença de 8/10/2012, na qual foi julgada procedente a excepção de caducidade invocada por EE…, S.A., e absolvido esta mesma empresa do pedido, sentença que veio a ser confirmada pelo Tribunal desta Relação do Porto, por Acórdão de 6/1/2014, já transitado em julgado).
Tem razão a Sr.ª Juiz “a quo” quando salienta que a apresentação da petição inicial dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito constituía uma diligência a que o Réu estava obrigado, por força da relação que estabeleceu com a celebração do contrato de mandato forense, resultando claro que a apresentação tardia daquele articulado, a omissão da diligência que lhe era exigível.
Tudo porque terminando o referido prazo de 60 dias no dia 6/5/2012, e verificando-se que o falecido pai das Autoras tinha outorgado procuração a favor do Réu no dia 29/3/2012, tinha este último ao seu dispor de tempo mais do que suficiente para instaurar a identificada.
Por outro lado, não colhe a alegação do Réu (cf. o art.º 14.º da contestação), de que três dias após a caducidade da acção, em 10/5/2012, recebeu do Sindicato cópia da taxa de justiça paga pelo falecido autor, nessa data.
Assim e estando tal facto documentado nos autos, deve, no entanto, entender-se que tal circunstância se afigura irrelevante, já que cabia ao Réu, na sequência da celebração do contrato de mandato, com a outorga de procuração a seu favor, preparar o processo para o mesmo dar entrada em tribunal com todos os elementos necessários ao seu prosseguimento, aqui cabendo a emissão atempada do respectivo DUC.
Também não colhe a alegação (cf. art.º 22º da contestação) segundo a qual o falecido autor não agiu com diligência, porquanto não subscreveu o formulário previsto nos artigos 98.º-C e 98.º-D do DL. 295/2009, de 13 de Outubro.
Ou seja, merece acolhimento a ideia de que celebrado o contrato de mandato com a outorga de procuração forense a favor do Réu, não competia ao Autor subscrever aquele formulário e proceder à sua entrega junto do tribunal competente, a não ser que tivesse sido instruído pelo Réu para o efeito (circunstância que o Réu não provou).
Na sentença recorrida defende-se a tese de que não cabia ao Tribunal “a quo” sindicar a decisão proferida no supra identificado processo laboral e salienta-se que nada foi alegado pelo Réu no sentido de demonstrar que foi ajustada e sustentada a opção pela instauração de uma acção tendente a considerar ilícito o despedimento, para além do prazo de 60 dias previsto no art.º 387.º, n.º 2, do Código do Trabalho, “explorando os prazos diferentes do Código do Trabalho e o regime Disciplinar dos EE…, de vertente administrativa”.
Mais ainda que ficou por provar pelo Réu que tal procedimento tinha assenta na jurisprudência e na doutrina e que por isso não se traduzia em qualquer violação de qualquer dos seus deveres contratuais, nomeadamente os deveres de zelo e diligência.
Ora nenhum reparo nos merece tal entendimento de quem decidiu em 1ª instância.
Acresce que foi o próprio Réu que na sua contestação (cf. art.º 16º) alegou estar ciente da possibilidade de vir a ser declarada a caducidade da acção de impugnação do despedimento, mas que ainda assim decidiu avançar com a propositura da mesma.
Sabe-se ainda que durante os cerca de três anos que decorreram entre a entrada da referida acção em juízo e a prolação do acórdão do Tribunal Constitucional, o Réu nunca informou o falecido autor dos factos relatados nos pontos 13 e 14 da matéria de facto provada, o que também não fez posteriormente.
Deve aceitar-se que cabia ao Réu demonstrar que a sua conduta omissiva não decorreu de culpa sua, ilidindo a presunção que sobre si impendia (cf. o art.º 799º, nº1 do CPC), o que não soube fazer.
Tem, pois, razão a Sr.ª Juiz “a quo” ao concluir, no caso concreto, pela violação do disposto nos artigos 92º, nº2 e 95.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Estatuto da Ordem dos Advogados, na redacção então em vigor.
Em suma, perante o comportamento omissivo do Réu acabado de identificar, o falecido Autor viu ser-lhe definitivamente coarctado o seu direito de ver apreciado pelo Tribunal de Trabalho, a ilicitude do despedimento contra si promovido pela sua entidade patronal, os EE…, S.A.
Como todos sabemos, é com base nesta realidade que as Autoras querem ser ressarcidas dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo seu falecido pai.
Tudo isto tendo por base a alegação de que sendo declarado ilícito o seu despedimento lhe seria conferido o direito a uma indemnização pelos danos causados, patrimoniais e não patrimoniais, e à reintegração na empresa, salvo se optasse por uma indemnização por antiguidade, sem prejuízo do direito ao recebimento das retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença que decretasse o despedimento (cf. o disposto nos artigos 389.º, nº1, 390º, nº1 e 391º, nº1, todos do Código do Trabalho).
Está visto que as Autoras, com base no direito à reintegração na empresa entidade patronal, pedem a condenação do Réu no pagamento da quantia de €344.937,60 (€64.800,00 + €3.905,60 + €119.232,00 + €132.000,00 + €25.000,00), a título de danos patrimoniais, presentes e futuros, e não patrimoniais, acrescida de juros, contados desde a data de entrada da presente acção em juízo, à taxa legal de 4%, calculados sobre a importância de €89.800,00 (€64.800,00 + €25.000,00), até efectivo pagamento.
Caso tal pretensão não seja atendida, pedem as mesmas Autoras e agora com base no direito à indemnização por antiguidade, o pagamento da quantia de €151.383,92 (€54.432,00 + €3.280,70 + €60.264,00 + €8.407,22 + €25.000,00), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros, contados da data de entrada da presente acção em juízo, à taxa legal de 4%, calculados sobre a importância de €139.696,00 (€54.432,00 + €60.264,00 + €25.000,00), até efectivo pagamento.
Pedem em qualquer dos casos, o pagamento das despesas totais com mandatário judicial, decorrentes do presente processo, a liquidar em execução de sentença (alínea C) da petição inicial).
Impõe desde já dizer que bem decidiu o Tribunal “a quo”, quando considerou que este último pedido teria que improceder, já que existe um meio próprio para o ressarcimento das despesas com mandatário judicial, decorrentes do processo, previsto no Regulamento das Custas Processuais, ao qual as Autoras poderão recorrer, em sede de custas de parte.
E decidiu igualmente de forma acertada quando julgou improcedentes os pedidos formulados nas alíneas A) e B) da petição inicial, considerando que os mesmos assentam numa demonstração não possível, qual seja a da procedência da pretensão do falecido autor, na hipótese da respectiva acção laboral para impugnação do despedimento, ter dado entrada em juízo no prazo legalmente estabelecido para o efeito.
Transcrevendo o que na sentença e a tal propósito fixou consignado, “há que ter em consideração que o processo judicial é sempre um processo de natureza incerta e de resultado aleatório, sendo impossível provar qual o resultado do processo em que se verificou o incumprimento, ou cumprimento defeituoso do contrato de mandato.”
Resta pois o pedido formulado na alínea D) da petição inicial.
A propósito desta questão e com todo o respeito que se impõe, iremos transcrever aqui e antes do mais o que ficou exarado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido nos autos em 30 de Maio de 2019 (cf. fls. 723 e seguintes):
“No que respeita agora à pretensão indemnizatória fundada em perda de chance processual, tal como foi considerado pelas instâncias, trata-se duma pretensão destinada a obter o ressarcimento de um dano aferível em função da probabilidade consistente e séria de quem, não obtendo ganho de causa por motivo imputável ao respectivo mandatário forense, o pudesse obter, não fora a ocorrência de tal motivo.
A possibilidade desse tipo de pretensão encontra suporte doutrinário e jurisprudencial, mormente no quadro actual da jurisprudência deste Supremo Tribunal.Não obstante as divergências quanto à caracterização ou não da perda de chance como dano autónomo, não vemos que exista obstáculo a que essa perda de chance ou de oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, impossibilitada definitivamente por um ato ilícito, não possa ser qualificada como um dano em si, posto que sustentado num juízo de probabilidade tido por suficiente em função dos indícios factualmente provados [...]Assim, desde que se prove, desse modo indiciário, a consistência de tal vantagem ou prejuízo, ainda que de feição hipotética mas não puramente abstrata, terá de se reconhecer que ela constitui uma posição favorável na esfera jurídica do lesado, cuja perda definitiva se traduz num dano certo contemporâneo do próprio evento lesivo.É certo que se poderá colocar a questão de saber se, em tais casos, estamos ainda em sede de identificação do dano ou já no plano do estabelecimento do seu nexo de causalidade, sabido como é que a definição da chance perdida terá de ser feita sempre na perspectiva do resultado final para que tende.De todo o modo, uma coisa será, em primeira linha, identificar a própria perda de chance com consistência suficiente, em função do resultado final hipotético definitivamente perdido, para ser qualificada como dano emergente e certo, outra algo diferente será depois imputar essa perda à conduta lesiva, segundo as regras da causalidade adequada. Embora se reconheça que essa dicotomia seja discutível, se concentrarmos o juízo de probabilidade na aferição da consistência necessária à identificação do dano, já o estabelecimento do seu nexo de causalidade com a conduta ilícita se revela facilitado.Nesse conspecto, o juízo de probabilidade sobre a consistência da perda de chance deve “ser encarado com grandes cautelas e apenas nas situações em que a privação da probabilidade de obtenção de uma vantagem se possa caracterizar, com mais evidência, como um dano autónomo” […].Problemático será saber quais os índices de probabilidade para o reconhecimento da perda de chance como dano autónomo, ou seja, se a própria probabilidade de vantagem perdida pode ser reconhecida como juridicamente relevante, não obstante a impossibilidade de demonstração do respectivo resultado final.Assim, no campo da responsabilidade civil contratual por perda de chances processuais, em vez de se partir do princípio de que o sucesso de cada acção é, à partida, indemonstrável, parece mais curial ponderar, perante cada hipótese concreta, qual o grau de probabilidade segura desse sucesso, pois pode muito bem acontecer que o sucesso de determinada acção, à luz de um desenvolvimento normal e típico, possa ser perspectivado como uma ocorrência altamente demonstrável, à face da doutrina e jurisprudência então existentes.Nessa base, será de aceitar que uma vantagem perdida por decorrência de um evento lesivo, desde que consistente e séria, ou seja, com elevado índice de probabilidade, possa ser qualificada como um dano autónomo, não obstante a impossibilidade absoluta do resultado tido em vista.De resto, a jurisprudência do STJ tem vindo a admitir a relevância de situações pontuais, desde que a prova permita, com elevado grau de probabilidade, ou verosimilhança, concluir que o lesado obteria certo benefício não fora a chance perdida. Isto mais não é do que admitir afinal o dano por perda de chance na base de um juízo de probabilidade elevado e que só poderá ser aferido em cada caso concreto. O que parece discutível é se deve ser feito de forma categorial ou se em função da espécie do caso, como propendemos a admitir.Em suma, afigura-se razoável aceitar que a perda de chance se pode traduzir num dano autónomo existente à data da lesão e portanto qualificável como dano emergente, desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade suficiente, independente do resultado final frustrado.Demonstrada assim essa espécie de dano, questão diferente será já a avaliação do quantum indemnizatório devido, segundo o critério da teoria da diferença nos termos prescritos no artigo 566.º, n.º 2, do CC. Será também neste plano de avaliação que se poderá lançar mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do n.º 3 do mesmo normativo, o qual não pode, pois ser utilizado em sede de determinação da própria consistência da perda de chance.No caso de perda de chances processuais, como é a tratada nos presentes autos, a primeira questão está em saber se o hipotético sucesso do desfecho processual, decorrente do recurso que o R. deixou de interpor, assume um padrão de consistência e de seriedade que, face ao estado da doutrina e jurisprudência se revela suficientemente provável para o reconhecimento do dano.Para tanto, importa fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento” no sentido da solução jurídica altamente provável que o tribunal da ação em que a parte ficou prejudicada viesse a adoptar.A determinação da perda de chance processual por via do julgamento dentro do julgamento encontra-se bem espelhada, por exemplo, nos acórdãos do STJ, de 05/02/2013, proferido no processo n.º 488/09.4TBESP.P1.S1, de 14/03/2013, proferido no processo n.º 78/09.5TVLSB.L1.S1 e de 30/09/2014, proferido no processo n.º 739/09.5TVLSB.L2-A.DS1 […].Muito embora tal apreciação se inscreva, enquanto tal, em princípio, em sede de questão de facto, extravasando, nessa medida, os fundamentos do recurso de revista […], deve admitir-se que possa, ainda assim, envolver erros de direito sobre a apreciação da prova ou do quadro normativo aplicável, estes sim passíveis de serem sindicáveis em sede de revista.O ónus de prova de tal probabilidade impende sobre o lesado, como facto constitutivo que é da obrigação de indemnizar (art.º 342.º, n.º 1, do CC).”
Voltando ao caso concreto e ao que ficou dito na sentença recorrida, o que desde logo foi salientado é o seguinte:
Que a circunstância de ter sido julgada procedente a excepção peremptória da caducidade do direito de impugnar a sanção disciplinar de despedimento aplicada ao falecido autor, invocada pela entidade patronal, com a sua consequente absolvição do pedido, impediu o falecido Autor de ver apreciada a sua pretensão fazendo que o mesmo perdesse toda e qualquer expectativa de obter ganho de causa na acção, o que na tese das Autoras, se traduz no concreto numa “perda de chance” que deve ser tutelada.
Concretizando:
O que cabe ponderar é se a “perda de chance” ou de oportunidade de obter uma vantagem, ou de evitar um prejuízo, como é o caso, decorrente da instauração da acção de impugnação de despedimento já fora do prazo legalmente previsto para o efeito, se traduziu, para o falecido autor, num dano emergente.
Tudo isto porque existia uma probabilidade consistente e séria de obter ganho de causa, uma vez que fosse apreciada a sua pretensão.
Já vimos que entre os fundamentos que invocou no art.º 48.º e seguintes da petição inicial apresentada no Tribunal de Trabalho, o Autor alegou a prescrição dos factos de que vinha acusado pela sua entidade patronal, com base nas regras do art.º 329.º do Código do Trabalho.
Ora como bem se refere na sentença recorrida, a questão da prescrição do procedimento disciplinar instaurado contra o falecido autor, relativamente às infracções disciplinares alegadamente cometidas por aquele entre Novembro de 2008 e Março de 2010 foi já apreciada e decidida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido nos autos (cf. fls. 723 e seguintes), no sentido da prescrição do respectivo procedimento disciplinar em virtude do decurso do prazo de um ano estabelecido no art.º 329.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
A ser assim dúvidas não existem de que os respectivos factos não podiam nem podem ser considerados para efeitos de despedimento do falecido pai das Autoras.
Prosseguindo:
Para além do antes referido, resulta dos autos que no período a que alude a al. b) do artigo único da nota de culpa, relativo à situação em que o falecido autor foi colocado definitivamente em …, período esse que decorreu entre Março de 2010 e Novembro de 2011, estava em causa o direito ao pagamento do passe de transporte colectivo, que os EE… pagaram, no montante de €77/mês, no montante total de €1.540,00.
Na tese do falecido autor CC…, deve aplicar-se ao caso o disposto no art.º 53.º, n.º 3, al. b) do Acordo de Empresa de 2010, segundo o qual ”Não havendo lugar a mudança de domicílio e verificando-se um acréscimo de encargos com transporte entre o novo local de trabalho e o domicílio, a Empresa garante ao trabalhador, consoante o caso, uma das compensações seguintes: (…) b) Pagamento ao correspondente acréscimo de despesas de transporte”.
A ser assim e continuando a fazer a sua vida habitual em …, considera que teria direito ao pagamento do correspondente acréscimo de despesas de transporte, razão pela qual o que recebeu foram as quantias a que teria direito e não mais.
Segundo o Tribunal “a quo”, a prova produzida nos presentes autos mostra-se insuficiente para se poder concluir que o falecido Autor fazia a sua vida habitual em ….
Nenhum reparo nos merece tal entendimento, tendo também nós em conta que o que a tal propósito se provou foi apenas e só o que consta dos pontos 16), 17) e 18) da matéria provada, ficando nomeadamente por provar o que consta dos pontos 1) e 2) dos factos não provados.
Salienta-se ainda o facto de ter sido invocado na petição inicial apresentada no Tribunal de Trabalho, o disposto nas regras da Portaria n.º 348/87, de 28/04, aplicável aos trabalhadores admitidos até 18 de Maio de 1992 como era o seu caso, diploma esse aplicável ao caso por força da cláusula 20.ª do Acordo de Empresa de 2010, em cujo art.º 46.º se dispõe do seguinte modo: “Precedendo a decisão do conselho de administração, o Conselho Disciplinar emitirá o seu parecer nos seguintes casos: a) Se a pena proposta for expulsiva; (…)”, requisito que não tinha sido cumprido, no processo disciplinar em causa, o que no entender do Autor feria tal processo de nulidade, por falta de uma formalidade essencial.
Perante tal argumentação refere a Sr.ª Juiz “a quo” que a lei laboral não comina a falta de tal formalidade com a nulidade o processo disciplinar, salientando que a falta da mesma não constitui causa de invalidade do procedimento, à luz do disposto no art.º 382.º, n.º 2, do Código do Trabalho.
Faz-se ainda saber que o artigo 357.º, n.º 4, do mesmo diploma, determina que na decisão de despedimento por facto imputável ao trabalhador sejam ponderados os pareceres dos representantes dos trabalhadores, o que em seu entender não releva para o caso, por ter sido emitido Parecer da Comissão de Trabalhadores, o qual foi anexado à notificação da nota de culpa.
Na decisão recorrida é feita também referência ao facto de na nota de culpa ter sido referido que o falecido CC… actuou de forma livre, consciente e deliberada, bem sabendo que tal comportamento lhe estava vedado, e que ao actuar nos moldes descritos violou culposa e gravemente o dever de lealdade, a que está obrigado por força do contrato de trabalho, consignado na al. f), 1.ª parte do n.º 1 do art.º 128.º do Código do Trabalho, consubstanciando o comportamento doloso do mesmo infracção disciplinar que, pela sua gravidade e consequências, comprometiam de forma irreversível a subsistência da relação laboral, o que constitui causa de despedimento nos termos do n.º 1 do art.º 351.º do Código do Trabalho, aprovado pelo Decreto Lei nº 7/2009, de 12/02.
Verifica-se que segundo tal artigo, “Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.”
Importa recordar que na acção de impugnação de despedimento, o falecido Autor não deixou de alegar que não existiu qualquer impossibilidade de subsistência da relação de trabalho, uma vez que as eventuais diferenças nos abonos pagos poderiam ser objecto de correcção (cf. o art.º 96.º da petição inicial ali apresentada) e que acrescentou que a culpa e gravidade do seu comportamento teriam de ser apreciadas segundo o entendimento de “um bom pai de família” ou de “um empregado normal”, em face do caso concreto, segundo critérios de objectividade e razoabilidade, defendendo que tais critérios foram claramente afastados da decisão da entidade patronal impugnada.
Sabemos todos que a nota de culpa faz aplicação do Regulamento Disciplinar aprovado pela Portaria n.º 348/87, de 28 de Abril, a qual estabelece, no seu art.º 20.º, um conjunto de circunstâncias atenuantes.
Assim e segundo o seu nº1, “São atenuantes todos os factos ou circunstâncias atinentes ao agente ou à infracção de que resulte diminuição da responsabilidade do arguido”, prescrevendo o seu n.º 2, al. a), como circunstância atenuante especial, desde logo, o zelo e bom comportamento anteriormente evidenciados nos últimos dez anos de serviço.
Constata-se que no art.º 85.º da petição inicial apresentada no Tribunal de Trabalho, o ali Autor invoca a desproporcionalidade da sanção disciplinar de despedimento, invocando a sua colaboração dedicada e leal durante mais de 20 anos de serviço, sem qualquer sanção.
É consabido que as questões acabadas de enumerar acabaram por não ser apreciadas no Tribunal de Trabalho, por virtude da procedência da excepção peremptória da caducidade invocada por EE…, S.A., dando lugar à consequente absolvição desta empresa do pedido.
Segundo o Tribunal “a quo”, apesar disso, não se pode concluir que, a ter sido apreciada a pretensão manifestada pelo falecido autor junto do Tribunal de Trabalho, existia uma probabilidade real, consistente e séria de o seu despedimento poder vir a ser considerado ilícito e assim inválido o seu despedimento.
Impõe-se dizer que comungamos tal entendimento.
E isto por ser claro que cabia ao falecido autor CC…, alegar e provar, na presente acção, que, não fora a actuação omissiva do Réu dos autos, obteria ganho de causa.
Apesar disso, é essencial salientar aqui o que foi referido no sumário do já citado Acórdão do STJ de 30.05.2019 (cf. fls.723):
“I. No caso de perda de chances processuais, importa fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento” no sentido da solução jurídica altamente provável que o tribunal da acção em que a parte ficou prejudicada viesse a adoptar. [...]III. O ónus de prova de tal probabilidade impende sobre o lesado, como facto constitutivo que é da obrigação de indemnizar (art.º 342.º, n.º 1, do CC). [...]V. Para efeitos de indemnização por perda de chance processual, embora recaia sobre o autor o ónus de provar a probabilidade de sucesso da acção de impugnação do despedimento instaurada em seu nome pelo réu, na qualidade de advogado, mas que acabou por ser julgada improcedente em virtude da caducidade imputável a este réu, não se pode ignorar que, no âmbito daquela acção de impugnação, era sobre a entidade patronal que recaía o ónus de provar os factos integrativos da justa causa do despedimento, cabendo ao trabalhador produzir a contraprova desses factos, nos termos do artigo 346.º do CC.”
[MTS]