"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



27/10/2022

Jurisprudência 2022 (53)


Taxa sancionatória excepcional;
âmbito de aplicação


1. O sumário de STJ 2/2/2022 (103/06.8TBMNC-E.G1.S1) é o seguinte:

I - A figura da taxa de justiça sancionatória excepcional prevista no art. 531.º do CPC tem a ver com a dedução de pretensões (substantivas ou processuais), incidentes ou recursos manifestamente improcedentes, revelando, de forma clara e inequívoca, o frontal desrespeito pelas regras de prudência ou diligência que eram exigíveis à parte, dando por isso azo a uma actividade judiciária perfeitamente inútil, com prejuízo para a utilização desnecessária dos (limitados) meios do sistema judicial e absoluto desperdício de tempo, sem que seja verdadeiramente prosseguido qualquer desígnio sério e minimamente entendível e/ou atendível.

II - Justifica-se a aplicação da taxa de justiça sancionatória excepcional quando os inúmeros requerimentos, incidentes e pretensões apresentados pela parte, têm todos o mesmo denominador comum: a total e absoluta falta de cabimento e suporte legal para cada um deles, verificando-se uma lamentável situação de evidente abuso do direito de acção, exercido à revelia e contra as regras processuais a que era suposto obedecer, bem demonstrado pela uniformidade nas várias instâncias judiciais quanto ao invariável desatendimento do que é infundadamente pedido nos autos.

III - É precisamente para tentar pôr cobro a este tipo de anómala e patológica litigância que se encontra legalmente prevista a taxa de justiça sancionatória excepcional, ou seja, para desincentivar a utilização de expedientes processuais sem nenhum tipo de critério, nem razoabilidade mínima, obrigando o sistema judicial a gastar inutilmente o seu tempo e os seus meios com uma actividade completamente contraproducente e adversa ao respeito pelos comandos legais a que seria suposto encontrar-se estritamente vinculada.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.

1- Condenação em multa pela apresentação de documento com as alegações de recurso de apelação.

2 – Aplicação da taxa de justiça sancionatória excepcional.

Passemos à sua análise:

1- Condenação em multa pela apresentação de documento com as alegações de recurso de apelação.

Não se compreende a razão pela qual o recorrente entende não lhe ser aplicável a multa em que foi condenado pela apresentação de documento em momento em lhe estava processualmente vedada tal junção, nos precisos termos do artigo 651º e 425º, nº 1, do Código de Processo Civil.

Tal condenação em multa encontra-se cominada no artigo 443º, nº 1, do Código de Processo Civil, sendo incontornável a sua aplicação à situação sub judice.

Improcede a revista neste ponto.

2 – Aplicação da taxa de justiça sancionatória excepcional.

Dispõe o artigo 531º do Código de Processo Civil:

“Por decisão fundamentada do juiz, pode ser excepcionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a acção, oposição ou requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida”.

Esta figura tem a ver com a actividade da parte que consiste na dedução de pretensões (substantivas ou processuais), incidentes ou recursos manifestamente improcedentes, revelando, de forma clara e inequívoca, o seu frontal desrespeito pelas regras de prudência ou diligência que lhe eram exigíveis, dando por isso azo a uma actividade judiciária perfeitamente inútil, com prejuízo para a utilização desnecessária dos (limitados) meios do sistema judicial e absoluto desperdício de tempo, sem que seja verdadeiramente prosseguido qualquer desígnio sério e minimamente entendível e/ou atendível.

(Sobre esta matéria, vide Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa in “Código de Processo Civil Anotado. Volume I. Parte Geral e Processo de Declaração. Artigos 1º a 702º”. Almedina 2020, 2ª edição, a página 606; José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, Fevereiro de 2019, 4ª edição, a páginas 430 a 433; Paula Costa e Silva, in “A Litigância de Má Fé”, Coimbra Editora, Novembro de 2008, a páginas 633 a 634; Salvador da Costa in “Regulamento das Custas Processuais. Anotado e Comentado”, Almedina 2012, 4ª edição, a páginas 288 a 289; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Janeiro de 2022 (relatora Clara Sottomayor), proferido no processo nº 243/18.0T8PFR.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt.; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Março de 2021 (relator Acácio das Neves), proferido no processo nº 1387/17.1T8GRD.C2.S1, publicado in www.dgsi.pt; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Março de 2021 (relator Bernardo Domingos), proferido no processo nº 164/15.9T8VNF.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Dezembro de 2021 (relator Rijo Ferreira), proferido no processo nº 9296/18.0T8SNT.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt).

Do acórdão recorrido consta, com todo o rigor e detalhe, a clara demonstração da incontinência processual a que o recorrente se tem imparavelmente dedicado, respaldado no apoio judiciário que lhe foi concedido e pela pena activa do patrono oficioso que lhe foi nomeado.

No desenvolvimento absolutamente imoderado dessa actividade, são inúmeros os requerimentos, incidentes e pretensões apresentados, todos com o mesmo denominador comum: a total e absoluta falta de cabimento e suporte legal para cada um deles.

Ou seja, assistimos nestes autos a uma lamentável situação de evidente abuso do direito de acção, o qual tem sido exercido à revelia e contra as regras processuais a que era suposto obedecer, bem demonstrado pela uniformidade nas várias instâncias judiciais quanto ao invariável desatendimento do que é infundadamente pedido nos autos.

E é precisamente para tentar pôr cobro a este tipo de anómala e patológica litigância que se encontra prevista a taxa de justiça sancionatória excepcional.

Ou seja, a mesma visa desincentivar a utilização de expedientes processuais sem nenhum tipo de critério, nem razoabilidade mínima, obrigando o sistema judicial a gastar inutilmente o seu tempo e os seus meios com uma actividade completamente contraproducente e adversa ao respeito pelos comandos legais a que seria suposto encontrar-se estritamente vinculada.

Pelo que é absolutamente justificada a aplicação da taxa sancionatória excepcional que o acordão recorrido determinou e que, por isso mesmo, se mantém.

O que se decide, sem necessidade de outras considerações ou desenvolvimentos.

Improcede, assim, a revista.

[MTS]