"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



20/10/2022

Jurisprudência 2022 (48)


Assembleia de condóminos;
deliberação; impugnação; legitimidade passiva*


1. O sumário de RP 25/1/2022 (6263/21.0T8PRT-A.P1é o seguinte:

Correndo acção contra um condomínio, representado pelo respectivo administrador, para anulação de uma deliberação de assembleia de condóminos, não podem os condóminos que a votaram intervir na acção a título principal, ao lado do próprio Condomínio.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC - é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso.

No caso, a questão a decidir consiste em saber se uma acção de anulação de uma deliberação de assembleia de condóminos deve ser intentada contra o condomínio, representado pelo respectivo administrador, ou se, contrariamente, deve ser intentada contra os condóminos que votaram a deliberação a fim de, nesta hipótese, e correndo a acção contra o condomínio, decidir se podem os condóminos ali participar através de incidente de intervenção principal espontânea, excluindo da causa o condomínio, por ilegitimidade.

Verifica-se, assim, que o problema não está puramente em decidir da legitimidade passiva numa acção de anulação de deliberações de uma assembleia de condóminos. No caso, questão subsequente será a de saber se, admitindo a sua legitimidade para o efeito, poderão os condóminos intervir na acção que corra contra o condomínio, como acontece no caso sub judice.

Quer a decisão recorrida, quer o recurso dos intervenientes rejeitados, quer a resposta dos autores/recorridos demonstram um conhecimento completo quanto à controvérsia instalada na doutrina e na jurisprudência acerca da primeira questão.

A decisão recorrida sustentou a necessidade de uma interpretação actualística do nº 6 do art. 1433º do C. Civil, para concluir que a legitimidade passiva neste tipo de acções cabe ao condomínio, representado pelo administrador, daí inferindo a ilegitimidade dos condóminos requerentes da sua intervenção principal, ora apelantes, com o consequentemente indeferimento da sua intervenção. Na presente apelação, impugna-se esta solução.

Sendo por demais conhecidos os argumentos a favor de uma e outra tese, e tendo dois dos membros deste colectivo subscrito acórdão recente sobre a questão, aliás em sentido diverso da decisão recorrida, desnecessário se torna voltar a escalpelizar as razões de uma ou outra solução, restando reproduzir aqui a solução então determinada, que nenhuma razão leva a que seja alterada para o caso presente.

Assim, em 8/6/2021, no proc. nº 1849/20.3T8MTS.P1, relatado pelo Juiz Desembargador Igreja Matos, decidiu-se:

“Assim, de acordo com o artigo 12º, alínea e) do Código de Processo Civil, a personalidade judiciária estende-se ao condomínio, embora circunscrita às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador. E isto porque tal norma remete diretamente para o artigo 1437º do Código Civil e também para o artigo 1436º que discrimina as diversas funções que competem ao administrador, nas quais se inclui apenas a execução das deliberações da assembleia (alínea h), do artigo 1436º do Código Civil). Finalmente, o nº 6, do artigo 1433º do Código Civil prevê que a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito [...].

Não valerá muito a pena descrever as posições opostas sobre esta matéria quer da doutrina quer da jurisprudência; tal tarefa de investigação e recolha encontra-se presente já em vários arestos jurisprudenciais facilmente acessíveis nas bases de dados jurisprudenciais.

Por todos, elenque-se o Acórdão desta Relação do Porto, já citado na sentença apelada, presente no processso nº 232/16.0T8MTS.P1, de 13 de fevereiro de 2017.

Nela pode ler-se: “Os recorrentes pugnam pela revogação da decisão recorrida sustentando que a legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos compete ao condomínio e não aos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação impugnada. (...) A questão decidenda tem dividido a jurisprudência dos tribunais superiores, embora a que provém do Supremo Tribunal de Justiça seja maioritária no sentido da decisão recorrida. A doutrina também se apresenta dividida e, nalguns casos, com algumas ambiguidades, embora pareça dominante a que se pronuncia no sentido sustentado pelos recorrentes.”

Depois, citam-se, com explicitação dos mesmos, quinze arestos, nove no sentido defendido pela decisão recorrida e seis em sentido contrário, ao passo que na doutrina citam-se igualmente diversos autores com posições díspares. Nomeadamente, alude-se a Abrantes Geraldes, o qual afirma pertencer a legitimidade passiva aos condóminos que tenham aprovado a deliberação, conforme resulta do art. 1433.º, n.º 6, do CC, e elencam-se autores que defendem esta mesma tese como Miguel Mesquita, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre e ainda, embora “com alguma ambiguidade”, Lopes do Rego.

Por sua vez, a decisão mais recente deste nosso Tribunal da Relação sobre este dissídio que nos foi possível recensear, podendo existir outras, data de 26 de outubro de 2020, processo nº 902/19.0T8PFR.P1, detalhando-se no respetivo sumário que “em ação de impugnação de deliberação de assembleia dos condóminos instaurada ao abrigo do disposto no artigo 1433º nº 1 do CC e adotando uma interpretação atualista do nº 6 deste mesmo artigo, é o condomínio representado pelo seu administrador ou pessoa que a assembleia designar quem deve ser demandado.”

Este manifesto conflito entre duas posições antagónicas relativamente a uma orientação que nega a legitimidade processual passiva do condomínio com uma outra que a atesta surge-nos igualmente retratado no Acórdão da Relação de Lisboa de 7 de Março de 2019, processo nº 26294/17.4T8LSB.L1-2, em que a decisão foi inclusivamente tomada por maioria, com um voto de vencido no coletivo de juízes.

Diremos, numa síntese possível, que se defrontam, no essencial, duas teses: uma que, em nome de uma maior agilização processual, atribui a legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos ao condomínio, representado pelo administrador, “pois que se a este cabe executar as deliberações da assembleia de condóminos (artigo 1436º, alínea h), do Código Civil), por igualdade de razão, cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio” (citamos o acórdão desta Relação de 2017) com uma outra, mais atreita à letra da lei, e que Miguel Teixeira de Sousa resumiu no seu blog em publicação muito recente, de Maio deste ano, disponível neste link (https://blogippc.blogspot.com/2021/05/jurisprudencia-2020-209.html), na qual entendeu discordar da orientação dos citados acórdãos desta Relação, em particular o de 26 de Outubro de 2020. Neste sentido, o Autor escreve: “Salvo o devido respeito, o acórdão (aludindo ao de 26.10.2020) - e a orientação que a ele está subjacente -- padece de um equívoco. Para se justificar uma "interpretação actualista" do art. 1433.º, n.º 6, CC é necessário que tenha havido alguma mudança legislativa que imponha que, onde nesse preceito se lê "condóminos", se deva ler "condomínio". Ora, a única alteração legislativa que se verificou foi a atribuição de personalidade judiciária ao condomínio através do disposto no art. 12.º, al. e), CPC. Isso sucedeu, no entanto, não de forma irrestrita, mas apenas "relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador". Qualquer que seja o sentido que se atribua a esta expressão, é claro que: - A acção de impugnação de uma deliberação da assembleia de condóminos não é uma acção respeitante aos poderes do administrador, dado que o art. 1436.º CC não atribui ao administrador nenhuns poderes para a impugnação de deliberações sociais, nem, muito menos, para ser demandado na acção de impugnação de uma deliberação social; - A acção de impugnação de uma deliberação da assembleia de condóminos não é uma acção respeitante às relações entre o condomínio e o administrador, pelo que, nesta base, também não pode ser reconhecida personalidade judiciária (nem legitimidade processual) ao condomínio.

Em suma: qualquer que seja a interpretação que se faça do disposto no art. 12.º, al. e), CPC (sendo certo que a interpretação aceitável é a segunda), nenhuma delas permite atribuir personalidade judiciária ao condomínio numa acção de impugnação de uma deliberação social.”

Para além desta opção pela vertente legalmente mais consentânea com a redação do artigo 1436º, nº6 do Código Civil que estabelece serem estas ações propostas “contra os condóminos” e não contra o condomínio ou quem o administra, parece-nos que se perfilam outras três ordens de razões a tender nesta mesma direção.

Um primeiro motivo decorre da própria natureza deste tipo de litígios. Na verdade, o que se pretende pôr em causa é a posição, individualmente assumida, por aqueles que votaram favoravelmente a deliberação que se pretende impugnar; ora, estes são os condóminos e só estes - nada concerne ao condomínio no seu todo ou ao seu administrador, enquanto tal. Resulta claro que tal voto surge no contexto do exercício da livre autonomia privada em função de interesses concretos e específicos de cada condómino em nada subsumíveis aos interesses coletivos do condomínio. Estão sempre em causa litígios entre condóminos, no caso até apenas dois, um que votou favoravelmente uma determinada deliberação e outro que se opõe a esta. A circunstância de estarmos perante um único condómino demandado torna ainda mais impressivo o argumento ora expendido.

Ou seja, a questão da impugnação das deliberações é uma questão entre condóminos e a discrepância entre a posição destes decorre das posições individuais de cada um deles – por isso, a legitimidade para impugnar e para defender a deliberação sempre deve radicar nos próprios condóminos.

Uma segunda ordem de razões assume uma natureza conceptual.

A legitimidade processual não se confunde com a personalidade judiciária, sendo, manifestamente, distintos os pressupostos em que assentam os institutos respetivos.

A atribuição de personalidade judiciária ao condomínio através do disposto no art. 12.º, al. e) do CPC não confere, necessariamente, a este a possibilidade de se assumir como parte em todas as ações que envolvam a assembleia de condóminos. Como vimos acima e sublinha Miguel Teixeira de Sousa, isso acontece apenas “relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador” e nessas não se elenca a presente ação. Neste sentido, perfilhamos a solução propugnada por Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (CPC Anotado, Vol. 2.º, 3.ª edição, pág. 122), a propósito do artigo 383º do CPC relativamente à legitimidade processual ativa e passiva no pedido de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos, situação em tudo similar à deste tipo de ações de impugnação, em sede principal, das deliberações desta assembleia. Neste mesmo sentido, escrevem os autores: “tem legitimidade para requerer a suspensão quem a tem para propor a ação de anulação: qualquer condómino que não tenha aprovado a deliberação (art. 1433-1 CC). A suspensão há de ser pedida contra os restantes condóminos, representados pelo administrador ou por pessoa que a assembleia designe para o efeito (n.º 2 e art. 1433-6 CC). Na falta desta designação, é, pois, citado para o procedimento cautelar o administrador do condomínio.”

Haverá, portanto, que distinguir entre aquele a quem cabe a legitimidade passiva quer na suspensão das deliberações da assembleia quer, como no nosso caso, na ação de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos - a nosso ver, cabe aos condóminos – com aquele a quem possa caber, depois, a sua representação, eventualmente ao administrador.

A alínea e) do art. 12.º do CPC diz respeito à personalidade judiciária e à extensão da mesma; mas o que está em causa, no nosso caso, entronca noutro âmbito distinto, restrito, relativo à legitimidade processual. Ora, nos termos do n.º 3 do art. 30.º do CPC a determinação da legitimidade deve ser aferida em função da titularidade da relação material controvertida e, como vimos, apenas aos condóminos, e não ao condomínio, essa titularidade pode ser imputada tendo em conta, justamente, a controvérsia subjacente a esta relação material.

A legitimidade passiva na ação de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos cabe a cada um dos condóminos e, dentro destes, apenas àqueles que votaram favoravelmente as deliberações, na medida em que são os únicos que reúnem interesse em contradizer no âmbito da relação material controvertida.

Estes considerandos remetem-nos para um argumento final, concernente à própria substância do conflito, já acima aflorado e que igualmente nos parece ponderoso: a intervenção do condomínio, representado em juízo pelo administrador, vincula, responsabiliza todos os condóminos ou, pelo menos, todos aqueles que não tenham intentado, do lado ativo, as ações de impugnação ou anulação; deste modo, como consequência dessa responsabilização que se repercute, nomeadamente, em sede de instância executiva de sentença proferida contra o condomínio, “os respetivos condóminos podem ser igualmente demandados na medida dos limites dos valores de cada uma da(s) fracção(es) autónomas respetivas” (citamos acórdão por nós relatado em 24 de Janeiro de 2017, processo nº7496/07.8YYPRT-B.P1).

Sucede que esta responsabilização dos condóminos, apenas atribuível caso reconheçamos legitimidade processual passiva ao condomínio, não fará, salvo melhor opinião, qualquer sentido relativamente àqueles condóminos que, não tendo sequer aprovado a deliberação, se arriscam a ser chamados a responsabilizar-se, em caso de improcedência da posição assumida pelo condomínio que pugnou pela validade da deliberação em causa (v.g. através do pagamento de custas, incluindo as de parte, ou do pagamento de honorários judiciais).

Em síntese conclusiva: considerando o teor da norma legal aplicável (artigo 1433.º, n.º 6 do Código Civil) que, mal ou bem, impõe que esta ação seja intentada contra o(s) condóminos; considerando a natureza deste tipo de ações que diz respeito aos interesses particulares de cada condómino, conflituantes entre si, e não a um qualquer interesse comum do condomínio; considerando estar em causa uma questão de legitimidade processual e não uma extensão da personalidade judiciária concedida ao condomínio, aliás afastada na lei, e considerando, finalmente, que não faria sentido impor, neste tipo de ações, uma responsabilização indireta ou mediata aos condóminos por força de uma intervenção processual autónoma do condomínio, entendemos dever perfilhar a posição defendida no recurso deduzido quanto à legitimidade processual passiva do condómino demandado.”

Como se referiu supra, nenhuma razão encontramos para divergir do que então se decidiu, pelo que aqui se conclui, quanto a este tipo de acções, pela legitimidade passiva dos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação impugnada, na medida em que são os únicos que reúnem interesse em contradizer, no âmbito da relação material controvertida.

Note-se, porém, que esta conclusão que agora se enuncia não se destina a decidir sobre a legitimidade passiva nesta causa, mas apenas a servir de pressuposto para a apreciação da possibilidade de os ora apelantes intervirem nestes mesmos autos a título principal, por via do incidente de intervenção espontânea que deduziram. Com efeito, se se concluísse pela sua ilegitimidade, prejudicado estaria a viabilidade do incidente.

Dada a nossa opção pela solução diversa, cumpre discutir se, com tal pressuposto, deve ser admitida a respectiva intervenção. Porém, isso jamais habilitará este tribunal de recurso a decidir da legitimidade passiva do próprio réu condomínio, pois uma tal decisão do tribunal recorrido, ainda que implícita no indeferimento do incidente de intervenção, não está agora em causa.

Os ora apelantes assentaram a sua intervenção no disposto no art. 311º e 314º do CPC, intervindo por articulado próprio, designadamente por contestação oferecida à petição dos autores.

Esse art. 311º e o 312º do CPC dispõe o seguinte:

Artigo 311.º -Estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objeto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32.º, 33.º e 34.º.

Artigo 312.º - O interveniente principal faz valer um direito próprio, paralelo ao do autor ou do réu, apresentando o seu próprio articulado ou aderindo aos apresentados pela parte com quem se associa.

Diferentemente da hipótese prevista nestas normas, no caso dos autos não há um direito que seja da titularidade do condomínio, que esta entidade tenda a defender/exercer, a par do qual se possa identificar outro ou uma série de outros, paralelos, titulados por cada um dos condóminos.

Por um lado, como se sabe, o condomínio não tem personalidade jurídica, não sendo titular de direitos e obrigações. Como se explica no proc. nº 78/17.8T8VGS.P1, em acórdão deste TRP de 25/10/2018, “O condomínio não dispõe de personalidade jurídica não podendo por isso ser titular de direitos. Ao atribuir personalidade judiciária ao condomínio o legislador confere-lhe a possibilidade de ser parte em juízo, mas apenas nas acções que se integrem no âmbito das funções e dos poderes do administrador do condomínio e só nestas, como decorre do art.º 1437.º do C.Civil.” Mais se esclarece no acórdão do TRL de 28-09-2021 (proc. nº 4337/21. 7T8LSB.L1-7, em dgsi.pt) que o condomínio constitui um “centro autónomo de imputação de efeitos jurídicos não sendo dotado de personalidade jurídica (e) carece para actuar em juízo de estar representado pelo administrador, tal como decorre do estabelecido no artigo 26º do Código de Processo Civil, em conjugação com o artigo 1437º, do Código Civil.” Assim “A representação em juízo das entidades ou massas que não gozam de personalidade jurídica é solucionada nos termos do artigo 12º, do actual Código de Processo Civil, por via da extensão de personalidade judiciária expressa no tocante ao Condomínio na sua al) e) “o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem nos poderes do administrador;”.

Por outro lado, estando o condomínio em juízo representado pelo administrador, em termos que o tribunal a quo considerou adequados quanto ao pressuposto da legitimidade (pelo menos para efeitos de decisão do presente incidente de intervenção de terceiros), o(s) direito(s) que ali aparecem a ser defendidos ou exercidos sob representação do administrador, designadamente os referentes à defesa da regularidade da deliberação cuja anulação é pedida pelos autores, são precisamente aqueles cuja titularidade se sedia na esfera jurídica dos condóminos que votaram essa deliberação.

Por conseguinte, por essas duas ordens de razões, é impossível subsumir a situação dos requerentes ao regime da intervenção principal, tal como definido nas regras acima citadas: os condóminos requerentes não se apresentam a exercer um direito próprio paralelo ao do réu condomínio, que, juntamente com este, possa ser alvo de uma decisão de mérito. E isso porquanto o direito exercido pelo condomínio réu, representado pelo administrador, é simplesmente o correspondente à agregação dos direitos dos vários condóminos, para cujo exercício, em juízo, o legislador lhe conferiu personalidade judiciária.

De resto, os próprios apelantes não deixaram de identificar este problema, sendo por isso que afirmam que a sua intervenção em juízo sempre haveria de acarretar um juízo de ilegitimidade relativo ao réu Condomínio. Ou seja, mesmo na sua tese, jamais poderiam estar em juízo em simultâneo com o Condomínio.

Acontece, porém, que no âmbito deste incidente e da decisão do presente recurso não está em causa o juízo de legitimidade passiva do Condomínio, na acção proposta pelos autores. O tribunal a quo, tanto quanto aqui se pode analisar, só o referiu como pressuposto do indeferimento do pedido de intervenção principal dos condóminos requerentes. E estes, não sendo parte na causa, não podem discutir a legitimidade das partes ali presentes.

Assim, não cabendo a este tribunal de recurso decidir sobre quem tem legitimidade passiva na acção, sem prejuízo de o considerar instrumentalmente para efeitos limitados à decisão deste incidente, só se pode concluir pelo não preenchimento dos pressupostos dos arts. 311º e 312º do CPC, no âmbito do pedido de intervenção principal dos ora apelantes.

Não sendo admissível a intervenção dos requerentes a título principal, a sua participação na causa só poderá ocorrer se, sendo a questão expressamente suscitada e decidida na causa, se vier a concluir ali pela ilegitimidade do Condomínio e pela legitimidade dos condóminos que votaram a decisão arguida de ilegal. Nesse caso, operar-se-ia eventualmente uma verdadeira substituição processual, através dos expedientes processuais adequados e, em qualquer caso, sob representação do administrador.

Sem prejuízo disso, numa outra vertente, para efeitos de participação na causa, sempre teriam eventualmente à sua disposição o instituto da assistência.

Vemos, pois, que embora com um fundamento não coincidente, não pode deixar de concordar-se com a decisão recorrida, que resta confirmar."


*3. [Comentário] a) O acórdão adere à única posição aceitável quanto à legitimidade nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos: essa legitimidade pertence aos condóminos que tenham votado a deliberação, representados pelo administrador ou por pessoa designada pela assembleia de condóminos (art. 1433.º, n.º 6, CC). 

No entanto -- e salvo o devido respeito -- não se pode aderir à posição de que, no recurso sub iudice, a RP estava impedida de controlar a legitimidade passiva na presente acção. Segundo se depreende, a única pronúncia do tribunal recorrido sobre a matéria é a de que a intervenção de terceiros que foi requerida não pode ser admitida, porque na acção foi demandado o condomínio. Ora, desta decisão não pode ser retirado nenhum caso julgado quanto à legitimidade passiva do condomínio. Aliás, a própria RP o reconhece: "O tribunal a quo, tanto quanto aqui se pode analisar, só [...] referiu [o juízo de legitimidade passiva do Condomínio] como pressuposto do indeferimento do pedido de intervenção principal dos condóminos requerentes".

Por esta razão não estava a RP impedida de considerar a ilegitimidade passiva do condomínio, dado que a ilegitimidade processual é uma excepção dilatória de conhecimento oficioso (art. 577.º, al. e), e 578.º CPC). 

b) Deixam-se três observações complementares:

-- Era frequente fazer apelo a uma interpretação actualista do disposto no art. 1433.º, n.º 6, CC para atribuir legitimidade passiva ao condomínio; o argumento perdeu qualquer justificação após a L 8/2022, de 10/1, ter introduzido alterações substanciais no regime do arrendamento urbano, mas ter deixado intocado aquele preceito;

-- O caso analisado no acórdão mostra, de forma muito clara, os inconvenientes da atribuição de legitimidade ao condomínio; com que justificação -- cabe perguntar -- se impede um condómino que votou uma certa deliberação na assembleia de condóminos de defender em juízo a sua legalidade?; 

-- Por fim, pode perguntar-se por que razão há-de caber ao condomínio -- isto é, ao conjunto dos condóminos -- a defesa dos interesses parcelares de quem aprovou uma certa deliberação na assembleia de condóminos; não é estranho que se imponha ao condomínio que tome parte a favor de quem entende que a deliberação é legal e contra quem considera que a deliberação é inválida?

Enfim, a orientação que atribui legitimidade ao condomínio para ser demandado na acção de impugnação da deliberação da assembleia de condóminos não só contraria a lei, como é doutrinariamente inaceitável.


MTS