"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



19/10/2022

Jurisprudência 2022 (47)


Nulidades de decisão;
baixa do processo; competência funcional*


1. O sumário de STJ 22/2/2022 (969/17.6T8AMT.P2.S1) é o seguinte:

O acórdão do tribunal da Relação que se pronuncia em conferência sobre as nulidades arguidas e imputadas a anterior acórdão que reapreciou a decisão de 1.ª instância, cujo recurso de revista não foi admitido em sede de reclamação deduzida ao abrigo do art. 643.º do CPC, após devolução processual (ordenado na decisão singular proferida no âmbito dessa reclamação) para o conhecimento e julgamento das nulidades não apreciadas antes da subida da revista ao STJ, constitui decisão definitiva e não admite recurso de revista (arts. 617.º, n.ºs 1, 5, 2.ª parte, 6, 1.ª parte, e 666.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"15. O acórdão agora recorrido resulta da apreciação por parte da Relação das nulidades arguidas pelos Recorrentes, relativas ao acórdão proferido pelo TRP em 13/10/2020, depois de não ter sido admitido o conhecimento do objecto da revista desse mesmo acórdão nos termos de Reclamação deduzida ao abrigo do art. 643º do CPC e ordenada (pela Decisão Singular proferida nessa impugnação junto do STJ) a devolução do processo à Relação para o julgamento dessas nulidades, uma vez (de acordo com o arts. 617º, 1, e 666º, 2) não conhecidas e apreciadas antes de subirem os autos ao STJ – nos termos do art. 617º, 5, ex vi arts. 666º, 1, 679º, e 666º, 2, do CPC.  

16. O art. 617º, 5, 2.ª parte, aplicável ao caso por força do art. 666º, 1, do CPC, determina: «(…) se não puder ser apreciado o objeto do recurso e houver que conhecer da questão da nulidade ou da reforma, compete ao juiz, após a baixa dos autos, apreciar as nulidades invocadas ou o pedido de reforma formulado (…).». Sendo certo que a apreciação de nulidades arguidas em relação ao acórdão primeiramente recorrido (o prolatado em 13/10/2020) constitui fundamento acessório e dependente da admissibilidade e conhecimento da revista interposta desse acórdão (arts. 615º, 4, 666º, 1, CPC) e, em concreto, não admitida (com trânsito).

Pelo que o acórdão agora recorrido, com data de 13/4/2021, foi proferido nos exactos termos da tramitação e legitimação processuais conferidas por tal normativo para julgar e decidir a improcedência das nulidades de decisão arguidas para o anterior acórdão que reapreciara em apelação decisão de 1.ª instância.

17. Por seu turno, a parte final do art. 617º, 5, 2ª parte, determina: «aplicando-se, com as devidas adaptações, o previsto no n.º 6» desse mesmo art. 617º.
Esse n.º 6 prescreve, na sua 1ª parte: «Arguida perante o juiz que proferiu a sentença alguma nulidade, nos termos da primeira parte do n.º 4 do artigo 615º, (…) por dela não caber recurso ordinárioo juiz profere decisão definitiva sobre a questão suscitada (…).»

18. O interposto recurso de revista excepcional (para a dupla conformidade decisória entre duas decisões das instâncias), enquanto modalidade (ainda que com pressupostos limitados) do recurso ordinário de revista (não sendo admissível pela referida “dupla conforme”), apenas se admite se o recurso de revista incidir sobre acórdão da Relação, proferido sobre decisão proferida na 1.ª instância, que possa ser enquadrado nas previsões recursivas do art. 671º (decisões finais e, se assim for de entender, decisões interlocutórias “velhas”), do CPC e/ou não seja obstaculizado por previsões legais de irrecorribilidade e definitividade decisória.

19. A aplicação ao caso do art. 617º, 6, 1ª parte, com as devidas adaptações (“é igualmente aplicável nos casos em que, tendo sido arguida nulidade ou pedida reforma da sentença, na pressuposição de que o processo admitia recurso, o tribunal superior acaba por decidir que não pode ser apreciado o objeto do recurso, com a inerente baixa dos autos” [ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/LUÍS PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil anotado, Vol. I, Parte geral e processo de declaração, Artigos 1.º a 702.º, Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 617º, pág. 741.]), não deixa dúvidas sobre a definitividade decisória do decidido pelo acórdão agora recorrido, restrito na sua decisão à apreciação das nulidades invocadas pelos Recorrentes, uma vez não admitida anteriormente a revista do acórdão a que se imputavam tais nulidades. Configura-se, por isso, uma decisão insusceptível de qualquer impugnação em sede de revista para o STJ sobre essa apreciação."


*3. [Comentário] A aplicação do disposto no art. 617.º, n.º 6 1.ª parte, CPC aos casos em que o processo baixa à Relação por o STJ não ter admitido o recurso é indiscutível, dado que a admissibilidade da revista excepcional é sempre decidida por este último tribunal.

O que o regime demonstra é que a aplicação do disposto no art. 615.º, n.º 4, CPC a um acórdão da Relação por força do disposto no art. 666.º, n.º 1, CPC nunca ocorre de imediato, sempre que a parte interponha uma revista excepcional. Trata-se, em última análise, de mais uma entorse no sistema recursal que é imposta pela (má) solução da dupla conforme.

MTS