Declarações de parte;
suspensão da audiência final*
I. A parte pode, ao abrigo do disposto no art. 466º, nº1 do CPCivil, requerer a prestação das suas declarações no decurso da audiência de julgamento, até ao início das alegações orais, mas tem o ónus de estar presente para as mesmas poderem ser prestadas sem necessidade de suspensão e adiamento da audiência.
II. Admite-se, como exceção a esta regra, que o mandatário possa requerer a prestação de declarações de parte sem a presença desta no tribunal nos casos de comprovada impossibilidade de comparência.
III. Verificada tal impossibilidade, o juiz deve suspender a audiência designando para a sua continuação uma nova data na qual tal diligência de prova possa ser realizada.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
As declarações de parte, introduzidas pelo CPC de 2013, permitindo o nº1 do art. 466º do CPC que as partes possam requerer a sua prestação até ao início das alegações orais em 1ª instância, têm suscitado algumas dificuldades na sua compatibilização com o referido princípio da continuidade da audiência, surgindo várias posições:
- Uma mais restritiva que, atendendo ao referido princípio da continuidade e inadiabilidade da audiência, defende que as declarações de parte só podem ser requeridas estando a parte presente no tribunal disponível para prestá-las, não podendo o mandatário requerer a prestação de declarações de parte do seu constituinte, solicitando a suspensão dos trabalhos e a designação de nova sessão da audiência final para assim conseguir a sua comparência – Nesta linha, veja-se PAULO RAMOS FARIA e ANA LUÍSA LOUREIRO, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil – os artigos da reforma, Volume I, Almedina, Coimbra, 2013, pág. 365]; Carolina Braga da Costa Henriques Martins, em Declarações de Parte, Universidade de Coimbra, 2015, pág. 37, referindo: “A parte requerente deve estar presente, não só para manifestar a sua concordância para que o mandatário proceda ao pedido, como para atender ao princípio da inadiabilidade da audiência prestando as suas declarações assim que deferido o requerimento.” E também NETO, Abílio, Novo Código de Processo Civil Anotado, 2ª edição revista e ampliada, Ediforum, Lisboa, 2014, pág. 535, posição que foi igualmente seguida no AC. da R.P.de 25.03.2019; Proc. 13083/16.2T8PRT-A.P1, relatado por Rui Penha.
- Outra mais ampla, segundo a qual o requerimento pode ser formulado pelo mandatário da parte, ainda que a própria parte não esteja presente, suspendendo-se para o efeito a audiência de julgamento. Neste sentido, João Correia, Paulo Pimenta e Sérgio Castanheira, em Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código de Processo Civil de 2013, 2013, págs. 57-58, os quais referem “o direito à prova e o interesse da descoberta da verdade material impõem que a única condição seja a formulação do requerimento antes do início das alegações orais e já não que a parte esteja em condições de depor de imediato”.
Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, em Código de Processo Civil Anotado, 4º ed. vol 2º, pág. 309, assinalam que a necessidade de respeitar o princípio da igualdade pode levar à suspensão da audiência quando a parte não está presente e o mandatário requer a sua audição.
Sopesando os interesses em confronto, afigura-se-nos que, tendo em conta o princípio da continuidade da audiência, como regra, deve ser exigível a presença da parte no tribunal quando é formulado o requerimento de prestação das suas declarações. Porém, nos casos de justificada impossibilidade de comparência é de admitir que o mandatário possa requerer as declarações na ausência da parte e seja suspensa a audiência e designada nova sessão para a sua prestação.
Defendendo esta via intermédia, veja-se Ruy Drummond Smith, em A prova por declarações da parte, Universidade Autónoma de Lisboa, 2017, págs. 49-50, “se as partes têm ciência do seu ônus probatório e do momento processual oportuno para a produção de tal prova, entendemos que a ausência da parte requerente na audiência final (art. 456º/1 do CPC Português) importa na renúncia tácita a tal prerrogativa. Assim, advogamos que, nessa hipótese, o requerimento deverá ser indeferido (…)”. Acrescentando, porém, que “Tal não deverá ocorrer, todavia, se a ausência for devidamente justificada (art. 140º do CPC Português).”
E neste sentido foi decidido no acórdão desta Relação de 14.10.2021 Proc. 7072/18.0T8VNF-B.G1, relatado por Afonso Cabral de Andrade e no acórdão da Relação de Lisboa de 22.02.2018, proc. 15056/16.6T8LSB.L1-6, relatado por António Santos, assim sumariado:
«I - Da conjugação dos artºs 650º, nº4, 651º, 654º e 656º, nº2, todos do CPC, imperioso é concluir que, o CPC, no que concerne à audiência de discussão e julgamento, estabelece por um lado um princípio básico ou regra geral, qual seja o da respectiva continuidade, mas, excepcionalmente, admite já em concretas e típicas situações, a possibilidade, quer da respectiva interrupção, quer do seu adiamento.II - A falta, justificada, da parte que haja requerido a prestação de declarações sobre factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento directo, deve consubstanciar fundamento para a interrupção da audiência, pois que, estando impossibilitada de comparecer, e, consequentemente de exercer um direito que lhe assiste [ cfr. nº1, do artº 466º, do CPC], não se descortina existir fundamento pertinente que obste à interrupção da audiência tendo em vista possibilitar-lhe a prestação de declarações de parte já requeridas e deferidas.III - De resto, não se descortina existir fundamento legal que permita distinguir [em termos discriminatórios e desiguais] a prova por depoimento de parte da prova por declarações de parte, a ponto de, permitindo o primeiro a interrupção da audiência para que seja prestado, já as segundas o não permitiriam.IV - No seguimento do referido em 4.1 a 4.3., e ao não interromper a audiência de modo a possibilitar a sua continuação em nova data de forma a possibilitar a prestação do meio de prova pela autora requerido (prova por declarações de parte), em última análise incorreu o tribunal a quo na prática de irregularidade que, porque tem evidente influência no exame e decisão da causa, consubstancia o cometimento de uma nulidade (cfr. art.º 195º, n.º1, do CPC).»
Aqui chegados analisemos o caso que nos ocupa.
O Tribunal a quo seguiu a posição mais restrita, pois, mesmo reconhecendo que o A. estava impedido de comparecer, impedimento esse comprovado com a junção da declaração de isolamento profilático, decidiu que não tendo as declarações sido anteriormente requeridas tal não era motivo de adiamento da audiência, acrescentando ainda que face à prova já produzida e adquirida, tal meio de prova não se revelava necessário para a descoberta da verdade.
Como já dissemos, entendemos que nas situações de justificada impossibilidade de comparência da parte, é de admitir que o mandatário possa requerer as declarações de parte na sua ausência e que a audiência de julgamento seja suspensa, designando-se nova sessão para a sua prestação. E, salvo o devido respeito por diversa posição, permitindo o nº 1 do art. 466º do CPC que as partes requeiram as suas declarações até ao início das alegações orais, não podem as mesmas ser indeferidas com o fundamento de que podiam ter sido requeridas anteriormente, pois é legítimo que as partes aguardem a produção da restante prova para aferirem da necessidade ou conveniência de prestarem declarações.
Por outro lado, o mandatário do A., no requerimento de 13.1.2022, juntou a declaração de isolamento profilático referente ao A., referindo que se revelava necessária a presença deste para tomada de declarações de parte, requerendo que por esse motivo fosse dada sem efeito a data designada para a continuação da audiência. Portanto, o A. comunicou antecipadamente o seu impedimento e, ainda que de forma implícita, requereu a prestação das suas declarações. [...]
Destarte, sendo as declarações de parte requeridas pelo A. admissíveis face às referidas normas de direito probatório processual, o despacho que as indeferiu não pode subsistir, sem prejuízo da valoração que uma vez produzidas compete ao Tribunal a quo fazer à luz do direito probatório material aplicável.
Assim sendo, não tendo suspendido a audiência e aprazado a sua continuação em nova data, de forma a possibilitar a prestação das declarações de parte requeridas pelo A., incorreu o Tribunal “a quo” na prática de irregularidade que pode ter influência no exame e decisão da causa, o que consubstancia o cometimento de uma nulidade (cf. art. 195º, n.º 1 do CPC).
Em síntese, a apelação do A. mostra-se fundada e deve proceder, impondo-se a revogação do despacho recorrido – bem como a anulação dos termos processuais subsequentes e que dele dependam absolutamente, incluindo a sentença final (art. 195º, n.º 2 do CPC) –, devendo o Tribunal “a quo” admitir as declarações de parte tempestivamente requeridas pelo A. e designar data para continuação da audiência, de forma a permitir a prestação das mesmas."
*3. [Comentário] O decidido no acórdão mostra que a melhor solução quanto à necessidade ou desnecessidade de a parte que requer a prestação de declarações estar presente na audiência final é mesmo não haver nenhuma solução a priori (seja ela ampla ou restrita).
*3. [Comentário] O decidido no acórdão mostra que a melhor solução quanto à necessidade ou desnecessidade de a parte que requer a prestação de declarações estar presente na audiência final é mesmo não haver nenhuma solução a priori (seja ela ampla ou restrita).
Importa ter bem presente o que se está em causa: o que se discute não é quando é que a parte pode pedir a prestação de declarações (isso está resolvido no art. 466.º, n.º 1, CPC), mas antes se a parte tem de estar presente na audiência final para que possa prestar as suas declarações sem necessidade de qualquer alteração à programação dessa audiência.
Não parece que possa ser dada uma resposta taxativa a esta pergunta. Só em função da situação concreta se pode determinar se há motivos para prolongar a audiência final ou se o requerimento da parte deve ser indeferido, atendendo a que a falta da sua comparência não é justificada e, por isso, não é exigível a suspensão da audiência e a realização de uma sessão para a prestação das suas declarações.
MTS
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