Taxa de justiça;
taxa de justiça remanescente; dispensa
1. O sumário de RL 7/7/2022 (9677/15.1T8LSB.L1-2) é o seguinte:
I.− O n.º 8 do art.º 6.º do RCP (dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente quando o processo termine antes de concluída a fase de instrução) não se aplica a recursos.
II.− O regime decorrente do disposto no art.º 6.º n.º 7 do RCP, conjugado com o disposto no art.º 31.º do RCP, nos termos do qual se nega à parte o direito de requerer a dispensa ou a redução da taxa de justiça remanescente, na sequência da notificação da conta de custas, é materialmente constitucional.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Na conta reclamada entendeu-se que pelo recurso de revista, interposto pela requerente do acórdão proferido pela Relação em 10.11.2016 (cfr. n.ºs 14 e 15 do Relatório), era devida, ao abrigo da Tabela I-B do RCP, taxa de justiça no valor de € 109 446,00. Pelo que, tendo a recorrente pago, aquando da interposição do recurso, taxa de justiça no valor de € 816,00, estava em dívida o montante de € 108 630,00. Na conta mencionou-se a decisão do STJ quanto a custas, constante a fls 1333 do apenso de recurso (cfr. n.º 17 do Relatório). E na informação prestada pela secretaria na sequência da reclamação apresentada, exarou-se que “a taxa de justiça é devida pelo impulso processual, conforme o disposto no art.º 6.º do Regulamento das Custas Processuais. Ora, assim sendo, afigura-se-nos que em ambos os recursos deverá ser considerado o remanescente da taxa de justiça, previsto no art.º 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais, já que o mesmo não foi dispensado.”
Na decisão recorrida concordou-se com a secretaria.
A apelante defende que não há lugar a tributação correspondente ao recurso de revista, porque não chegou a haver recurso, uma vez que ele não foi admitido. Admite, porém (agora, em sede de apelação, que não em sede de reclamação da conta), que a tramitação ocorrida constitui um incidente, devendo ser tributado como tal.
Paralelamente, à semelhança do alegado na reclamação da conta, a apelante invoca, como fundamento para a desoneração do pagamento de taxa de justiça remanescente, o disposto no art.º 14.º, n.º 9, do RCP, na redação introduzida pela Lei n.º 27/2019, de 28.3, e o disposto no art.º 6.º n.º 8 do RCP, na redação introduzida pelo Dec.-Lei n.º 86/2018, de 29.10.
Vejamos os três argumentos.
Como é sabido, a taxa de justiça é o montante legalmente devido por um sujeito processual em virtude de um determinado ato ou impulso processual (artigos 529.º n.º 2 e 530.º n.º 1 do CPC; art.º 6.º n.º 1 do RCP).
A taxa de justiça deve ser paga no momento do respetivo impulso processual, em uma ou duas prestações (artigos 13.º e 14.º do RCP), por meio de autoliquidação da parte.
Nos recursos, a taxa de justiça é fixada nos termos da tabela I-B (art.º 6.º n.º 2 do RCP) e é paga pelo recorrente, numa única prestação, com a apresentação da respetiva alegação (art.º 7.º n.º 2 do RCP).
Uma vez que o valor tributário do recurso excedia € 275 000,00, o recorrente pagou apenas o correspondente a esse limite, no valor de € 816,00, nos termos do art.º 6.º n.º 7 do RCP.
Desde logo se conclui que o enquadramento tributário dos recursos se faz na tabela I-B, que não na tabela II, que se aplica, nomeadamente, aos incidentes (art.º 7.º n.º 4 do RCP).
A apelante destrinça entre uma fase de “interposição do recurso”, que na apelação está prevista nos artigos 644.º a 651.º do CPC e que na revista se contém nos artigos 671.º e 678.º e uma fase de “julgamento do recurso”, que na apelação é versada nos artigos 652.º a 670.º e na revista está prevista nos artigos 679.º a 685.º. Segundo a recorrente esta destrinça teria efeitos ao nível da tributação. Apenas haveria recurso, para efeitos de taxa de justiça, se este fosse admitido a julgamento.
O problema, no caso destes autos, é que o recurso foi admitido no Tribunal da Relação e deu entrada no STJ onde seguiu tramitação que, na linha do apontado pelo apelante, se integra já na fase processual de julgamento. Na sequência dessa tramitação a Exm.ª Relatora entendeu pôr-lhe termo, por entender que o recurso não era admissível (por considerar que entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento não ocorria contradição relevante) julgando-o findo, nos termos da al. h) do n.º 1 do art.º 652.º (segundo o qual compete ao relator, nomeadamente “Julgar extinta a instância por causa diversa do julgamento ou julgar findo o recurso, por não haver que conhecer do seu objeto”). E, assim julgando e decidindo, na mesma decisão houve pronúncia quanto a custas: “Custas pela recorrente”.
Dúvidas não há que a espécie processual sub judice não se configurou, nem foi configurada como tal na decisão do STJ que lhe pôs termo, como incidente … mas sim como recurso.
Pelo que, nesta perspetiva, a conta elaborada não merece censura, ao reclamar da recorrente o remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art.º 6.º do RCP.
Porém, a apelante também aventa, como se disse, a aplicação ao caso da previsão do art.º 14.º, n.º 9, do RCP, na redação introduzida pela Lei n.º 27/2019, de 28.3.
Vejamos.
Como se sabe, a filosofia subjacente ao RCP é a de que os sujeitos processuais deverão pagar taxa de justiça pelo serviço de prestação de justiça que desencadeiem, independentemente do sucesso ou insucesso da tutela judicial pretendida, ou seja, independentemente do seu decaimento ou vencimento no processo respetivo. O vencedor deverá reclamar do vencido aquilo que ele, tutelado, suportou a título de taxa de justiça (além de outros elementos das custas).
Na versão inicial do RCP, nas tabelas I-A, I-B e I-C previa-se um limite máximo para o valor da taxa de justiça exigível.
Com este sistema, segundo consta no Preâmbulo do Dec.-Lei n.º 34/2008, “o valor da taxa de justiça não é fixado com base numa mera correspondência face ao valor da acção.” Partindo da constatação de que “o valor da acção não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial”, procurou-se “um aperfeiçoamento da correspectividade da taxa de justiça”, estabelecendo-se “um sistema misto que assenta no valor da acção, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correcção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa.” Assim, segundo o legislador, visou-se “adequar[-se] o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respectivos utilizadores.”
O Dec.-Lei n.º 52/2011, de 13.4, alterou, de forma significativa, as referidas tabelas. O legislador apresentou tais alterações pela seguinte forma: “…as tabelas, anexas ao Regulamento das Custas Processuais, são alteradas no sentido de prever algumas situações que estavam omissas. Constatou-se que a taxa de justiça nalguns casos não estava adequada à complexidade da causa, pelo que se prevê um aumento progressivo da taxa de justiça a partir do último escalão da tabela, embora os valores se mantenham muito inferiores aos do regime anterior ao do Regulamento.”
Assim, as tabelas (I-A, I-B e I-C) deixaram de prever um montante máximo da taxa de justiça. A tabela I-A, por exemplo, passou a ter, como escalão mais elevado expressamente previsto, o correspondente aos processos com valor de € 250 000,01 a € 275 000,00, a que caberá a taxa de justiça equivalente a 16 UC e, para além daquele valor de € 275 000,00, ao valor da taxa de justiça acrescerá, “a final”, 3 UC por cada € 25 000,00 ou fração. Ou seja, por exemplo, aquando da propositura da ação o autor, numa ação com valor superior a € 275 000,00, autoliquidará taxa de justiça correspondente a 16 UC, e a final pagará o correspondente ao remanescente.
Tal solução passou a determinar que em ações de valor muito elevado fossem cobradas taxas de justiça por vezes exorbitantes, sem qualquer correspondência com o serviço de administração de justiça prestado. Esse regime foi, por isso, qualificado de materialmente inconstitucional, por ofensa ao princípio da proporcionalidade (ou de proibição do excesso), decorrente do princípio do Estado de Direito (artigos 2.º e 18.º n.º 2, 2.ª parte, da CRP) e da tutela do direito de acesso à justiça (art.º 20.º da CRP) – cfr., v.g., acórdão do TC, n.º 421/2013, de 15.7.2013.
Consequentemente, a Lei n.º 7/2012, de 13.02, alterou o art.º 6.º do RCP, adicionando o atual n.º 7:
“Nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”
Simultaneamente, em coerência com o princípio de que a taxa de justiça é devida ao Estado independentemente do vencimento ou decaimento na causa, a Lei n.º 7/2012 acrescentou ao art.º 14.º do RCP um n.º 9, com a seguinte redação:
“9- Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efectuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo.”
Isto é, a parte que não fosse julgada (total ou parcialmente) responsável pelas custas deveria, na mesma, pagar a taxa de justiça remanescente que se mostrasse em falta e que correspondesse ao respetivo “impulso processual”. Depois, a parte poderia reclamar da parte contrária a taxa de justiça que pagara a mais (de acordo com a responsabilidade em custas que lhe fosse atribuída pela decisão final – artigos 527.º, 607.º n.º 6 do CPC), a título de custas de parte, até cinco dias após o trânsito em julgado da decisão condenatória (art.º 533.º n.º 1, n.º 2 alínea a) e n.º 3 do CPC; artigos 25.º n.º 1 e n.º 2, alíneas b) e e) e 26.º, n.ºs 1, 2 e 3 alínea a) do RCP, na redação introduzida pela Lei n.º 7/2012; atualmente, o prazo foi alargado para dez dias, nos termos das alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 86/2018, de 29.10).
Esta exigibilidade da taxa de justiça remanescente face a quem havia obtido ganho de causa no processo, sujeitando-o ao encargo de posteriormente diligenciar do vencido o respetivo reembolso mereceu do Tribunal Constitucional um juízo de desconformidade com a Constituição da República Portuguesa, por comprimir “excessivamente o direito fundamental de acesso à justiça, previsto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, impondo um ónus injustificado face ao interesse público em presença em violação do princípio da proporcionalidade decorrente do artigo 18.º, n.º 2º, da Constituição” (TC 615/2018, de 21.11.2018).
Foi na sequência de tal juízo de inconstitucionalidade que a Lei n.º 27/2019, de 28.3, alterou a redação do mencionado n.º 9 do art.º 14.º, o qual passou a ter a seguinte redação:
“Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final.”
No caso sub judice, a norma em causa (que reputamos ser imediatamente aplicável a todos os processos pendentes, nos termos previstos no art.º 11.º do Código Civil) beneficia não a requerente/apelante/vencida no recurso de revista, mas sim o 3.º requerido, que, tendo contra-alegado no recurso de revista, e como tal tendo pago € 816,00 de taxa de justiça, face ao novo regime não é chamado – como não foi - a pagar a taxa de justiça remanescente.
Assim, esta norma não é aplicável à apelante, não a dispensando do pagamento do referido acréscimo tributário.
Finalmente, cabe apreciar o terceiro argumento apresentado pela apelante. Segundo a apelante, ao caso deveria aplicar-se o disposto no art.º 6.º n.º 8 do RCP, na redação introduzida pelo Dec.-Lei n.º 86/2018, de 29.10.
A redação do aludido n.º 8, introduzido no art.º 6.º do RCP pelo Dec.-Lei n.º 86/2018, é a seguinte:
“8- Quando o processo termine antes de concluída a fase de instrução, não há lugar ao pagamento do remanescente.”
O Dec.-Lei n.º 86/2018 contém normas de direito transitório, inscritas no art.º 4º, de que se destacam as alíneas a), b) e d):
“a)-Relativamente aos processos pendentes, as alterações apenas se aplicam aos atos praticados a partir da entrada em vigor do presente decreto-lei, considerando -se válidos e eficazes todos os pagamentos e demais atos regularmente efetuados ao abrigo da legislação aplicável no momento da prática do ato, ainda que a aplicação do Regulamento das Custas Processuais, com a redação dada pelo presente decreto-lei, determine solução diferente;
b)-Todos os montantes cuja constituição da obrigação de pagamento ocorra após a entrada em vigor do presente decreto-lei, nomeadamente os relativos a taxas de justiça, a encargos, a multas ou a outras penalidades, são calculados nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais, com a redação dada pelo presente decreto-lei;
d)-Nos processos em que há lugar ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e o mesmo ainda não se tenha tornado exigível, o montante da prestação é fixado nos termos da redação que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pelo presente decreto-lei, ainda que tal determine um montante diverso do da primeira prestação”.
Destas normas se deduz que a obrigação de pagamento de taxa de justiça se regula pelo regime que estiver em vigor à data da sua exigibilidade. No caso do vencido em custas, a exigibilidade da taxa de justiça remanescente só surge com a notificação da conta de custas, pelo que a referida alteração legislativa deve ser levada em consideração aquando da elaboração da conta, na medida em que a lei já esteja em vigor.
In casu, a conta de custas foi elaborada em 17.10.2019, pelo que já se regeu por este diploma.
A apelante defende que este preceito (n.º 8 do art.º 6.º do RCP) é aplicável ao recurso de revista sub judice, na medida em que o processo terminou antes de qualquer fase correspondente à fase de instrução.
Este preceito visou aplicar, em sede de pagamento de taxa de justiça remanescente, a mesma solução que vigorava e vigora quanto ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, prevista nos artigos 13.º n.º 2 e 14.º n.º 2 do RCP (defendendo esta equiparação entre o regime da segunda prestação da taxa de justiça e o da taxa de justiça remanescente, veja-se o acórdão da Relação de Lisboa, de 21.01.2020, processo 12080/16.2T8LRS.L2-7, ponto IV-2, consultável, tal como todos aqueles que adiante se citarem, em www.dgsi.pt).
Nos processos mencionados nesses artigos, de que estão excluídos os recursos (desde logo, o art.º 13.º n.º 2 não menciona a tabela I-B), a segunda prestação de taxa de justiça deverá ser paga no prazo de 10 dias a contar da notificação para a audiência final (art.º 14.º n.º 2). Porém, nos termos do art.º 14.º-A, não há lugar ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, além de outros que estão mencionados no artigo, nos seguintes casos:
b)-Ações que não comportem citação do réu, oposição ou audiência de julgamento;
c)-Ações que terminem antes de oferecida a oposição ou em que, devido à sua falta, seja proferida sentença, ainda que precedida de alegações;
d)-Ações que terminem antes da designação da data da audiência final.
A atenuação do rigor tributário, justificado pela simplificação processual referida, é considerada tão só em processos que correm em primeira instância, como resulta da tramitação mencionada no preceito (note-se que, para efeitos tributários, considera-se processo autónomo cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso – art.º 1.º n.º 2 do RCP).
Também o n.º 8 do art.º 6.º do RCP tem em vista a tramitação dos processos em primeira instância, únicos em que há lugar à fase da instrução (Título V do Livro II do CPC). Deste preceito resulta que, além da dispensa de pagamento da segunda prestação, nos casos em que o processo termine antes da passagem à fase da discussão e julgamento será dispensado o pagamento da taxa de justiça remanescente. Trata-se de um incentivo ao termo precoce do processo - o que faz pouco (ou muito menos) sentido em sede de recurso.
Entende-se, pois, que o aludido preceito também não é aplicável à situação sub judice."
[MTS]
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