É certo que foi requerida pela A., na sua p.i. a notificação dos RR. para juntarem “aos autos todos os documentos (e.g. cópias de cheques emitidos e pagos, transferências bancárias, etc) que estejam em seu poder relativos aos pagamentos efectuados no âmbito dos negócios que são objecto dos autos ou de quaisquer outros negócios imobiliários entre aqueles contraentes contemporâneos dos contratos sub judice” e ordenada a junção destes documentos em sede de despacho saneador, no prazo de 10 dias.
Os RR. não procederam à junção destes documentos e nada disseram. De igual modo a A. nada mais disse, nem suscitou perante o tribunal de primeira instância a questão que ora vem suscitar e o tribunal de primeira instância, nada mais determinou a este respeito.
Ora, a inversão do ónus da prova, prevista nos artºs 417 nº 2 do C.P.C. e 344 nº 2 do C.C., não decorre automaticamente do não cumprimento do dever de junção de documentos, alegadamente em poder da parte contrária. Exige-se para o efeito que uma das partes cause culposamente a impossibilidade de prova dos factos cujo ónus da prova incide sobre a outra (parte inicialmente onerada), por, como nos ensina Lebre de Freitas [LEBRE DE FREITAS, José, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Coimbra Editora, 2001, página 409.], “não ser possível consegui-la com outros meios de prova, já por a lei o impedir (…) já por concretamente não bastarem para tanto os outros meios produzidos”.
Não existindo esta impossibilidade, mas mera dificuldade na produção de prova, a consequência para a falta de colaboração, passará pelo sancionamento da parte faltosa nos termos do disposto artº 417 n.º 2, 1ª parte, do C.P.C. e pela livre apreciação da prova produzida, tendo em conta a dificuldade que o comportamento faltoso trouxe à parte onerada.[Neste sentido vide SALPICO, Nuno Alexandre do Rosário Jerónimo Pires, A inversão do ónus da prova devido a impossibilidade de prova culposamente causada (art.344º/2 CC), pág. 15, disponível online in https://sousaferro.pt/wp-content/uploads/2020/06/Invers%C3%A3o-por-impossibilidade-culposamente-causada-NUNO-SALPICO.pdf] [...]
De todo o modo, sempre se dirá que a conduta dos RR. que notificados, não procederam à junção dos aludidos documentos bancários comprovativos do pagamento do preço constante da escritura não impossibilitou a prova a cargo da A., que incidia sobre a simulação de preço da alienação com vista a impedir o exercício da preferência. Outros meios de prova, pericial e testemunhal foram produzidos sobre o valor destes imóveis, deles decorrendo não só que o preço dos terrenos era o preço do mercado e correspondia ao indicado na escritura, como que o preço acordado pela venda foi efectivamente o que foi comunicado à A. e constante da escritura celebrada (testemunha TT, da firma M..., contactado pelos proprietários para diligenciar pela venda)."
[MTS]