a) Um primeiro prazo de 5 anos, que é absoluto e que em circunstância alguma – salvo quando envolver matéria relacionada com os direitos de personalidade - pode ser excedido, contando-se a partir da data do trânsito em julgado da decisão revidenda.
b) E um segundo prazo, mais curto, de 60 dias, que funciona dentro daquele, e cujo início de contagem depende do fundamento de revisão que for invocado.
A segunda questão tem, no fundo, a ver com o saber se verificam ou não, desde logo, ou seja, ab initio, motivos legais que impedem o prosseguimento o recurso de revisão e que conduzem à sua rejeição de imediata, ou seja, seja, ao seu indeferimento liminar.
O tribunal a quo entendeu que sim, ao contrário do entendimento perfilhado pela recorrente (cuja razões de discordância constam das conclusões do seu recurso que atrás se deixaram transcritas).
Apreciemos.
Encontramo-nos perante um recurso extraordinário de revisão de sentença (neste caso de um acórdão da Relação proferido, em 11/02/2018, no âmbito do processo/ação nº. 99/..., acima melhor identificado) que a recorrente instaurou/interpôs. [...]
O recurso de revisão interpõe-se por meio de requerimento, no tribunal onde foi proferida a decisão revidenda onde se aleguem os fundamentos, taxativamente plasmados nas diversas alíneas do artº. 696º do atual CPC (que reproduz o artº. 771º do anterior CPC, na redação que foi dada pelo DL nº. 303/2007, de 24/08) constituindo entendimento prevalecente que a sua apreciação deverá ser feita à luz da norma vigente no momento em que foi proferida a decisão revidenda.
Recurso esse que dever ser interposto dentro dos prazos plasmados no artº. 697º do CPC, onde se estabelecem dois prazos: um prazo absoluto de 5 anos sobre o trânsito em julgado da decisão (revidenda) - excluindo-se dele quando estão em causa direitos de personalidade -, e um prazo relativo de 60 dias, que se contem dentro daquele e que se inicia consoante os fundamentos invocados,
Na verdade, e como decorre da leitura de tal preceito legal, estabelece-se um primeiro prazo limite de 5 anos, contado da data em que transitou em julgado a sentença revidenda, que não pode, em caso algum, ser excedido – salvo tratando-se de matéria que diga respeito a direitos de personalidade -, funcionando depois dentro desse prazo um outro, mais curto, de 60 dias, cujo início de contagem, para a interposição do recurso, depende do fundamento invocado para a revisão da sentença.
Muito embora a lei não o diga expressamente, constitui entendimento pacífico que estamos perante prazos de caducidade, que são de conhecimento oficioso, o que, decorre, por um lado, da natureza indisponível do direito que se pretende exercitar e, por outro, do facto de o artº. 699, nº. 1, do CPC determinar a aplicação do artº. 641º, que incumbe ao juiz apreciar a oportunidade do requerimento de interposição do recurso. (No sentido que se deixou exposto, vide, por todos, Abrantes Geraldes, in “Ob. cit., págs. 566 e 567” e Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, in “Ob. cit., págs. 862/863”).
Requerimento de recurso que deve ser, desde logo, indeferido, quando, além do mais (e naquilo que para aqui importa), se reconheça de imediato que não há motivo para a revisão requerida, ou seja, e por outras palavras, que o recurso não possa proceder (cfr. artº. 699º do CPC).
Posto isto, reportemo-nos ao caso que nos foi submetido a apreciação.
No caso do presente recurso invocou-se como fundamento do mesmo o previsto na al. b) do artº. 696º do CPC, e, grosso modo, mais concretamente por existência de falsidade do depoimento prestado pela “legal representante” da Ré (a administradora da Massa Insolvente acima identificada) no processo onde veio a ser proferida a decisão que ora se pretende rever e que foi determinante para essa decisão, e do qual teve conhecimento nas circunstâncias que aduz nas conclusões acima transcritas do seu requerimento do recurso.
Sobre esse fundamento dispõe-se naquele citado normativo legal (artº .696º, al. b)) que:
«A decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão quando:
a) (…)
b) – Se verifique a falsidade do documento ou acto judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objecto de discussão no processo em que foi proferida. »
Esse fundamento respeita à chamada “formação do material instrutório” e a sua procedência depende da verificação cumulativa de três requisitos: (i) A alegação de falsidade de documento ou ato judicial, depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros; (ii) O nexo de causalidade entre a falsidade e a decisão a rever, ou seja, que o ato/depoimento falso tenha “determinado a decisão a rever”; (iii) A matéria da falsidade não tenha sido objeto de discussão no próprio processo.
Como primeiro fundamento do indeferimento liminar, aduziu o tribunal a quo o facto de, da factualidade alegada no requerimento inicial, não constar que a invocada falsidade do aludido depoimento se mostrar atestada por qualquer (prévia) decisão judicial transitada em julgada, o que, desde logo, hipoteca a possibilidade de concluir se a referida depoente/declarante faltou à verdade (sobre os factos a que alude a recorrente), e daí considerar que aquela factualidade alegada não preenche o citado normativo legal (al. b) do artº. 696º).
Mas será assim?
Ou seja, será que a invocada falsidade de depoimento deve estar previamente atestada/declarada por decisão judicial para que o fundamento previsto na al. b) do citado artº. 696º possa ser preenchido e conduzir ao êxito da pretensão do(a) recorrente?
Entendemos que não, e pelo seguinte:
No artº. 771º do anterior CPC de 61 (na redação que lhe foi dada pelo artº. 1º do DL nº. 329-A/95 de 12/12, no âmbito da chamada Reforma de 95), sobre os fundamentos do recurso de revisão, dispunha-se nos seguintes termos:
« A decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão nos seguintes casos:
a) (…)
b) Quando se apresente sentença já transitada que tenha verificado a falsidade de documento ou acto judicial, de depoimento ou declarações de peritos, que possam em qualquer dos casos ter determinado a decisão a rever. A falsidade de documento ou acto judicial não é, todavia, fundamento de revisão, se a matéria tiver sido discutida no processo em que foi proferida a decisão a rever; » [...]
Donde resultava, de tal normativo, a expressa exigência de que o requerimento de interposição do recurso de revisão com o fundamento previsto na citada al. b) fosse instruído/acompanhado de certidão de sentença, transitada em julgado – proferida em qualquer processo, fosse de natureza civil ou criminal -, que tenha declarado/afirmado/verificado a falsidade de documento, do ato judicial, do depoimento ou das declarações que se alegue ter determinado o sentido da decisão a rever, a não ser que, no que concerne aos documentos ou atos judiciais (que aqui não estão em causa), a matéria (relativa à sua falsidade) tivesse já sido discutida no processo em que foi proferida a decisão que se pretendia rever.
Porém, com a redação posteriormente introduzida ao referido normativo legal pelo DL nº. 38/2003, de 08/03, tal requisito deixou de ser exigível nos recursos de revisão tendo por base tal fundamento de falsidade.
Na verdade, essa exigência deixou, com o aludido Dec.-Lei, de fazer da parte da citada al. b) do artº. 771º, como se pode observar do texto que passou a ter:
«A decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão nos seguintes casos:
« a) (…)
b) Quando se verifique a falsidade do documento ou acto judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever. A falsidade de documento ou acto judicial não é, todavia, fundamento de revisão, se a matéria tiver sido discutida no processo em que foi proferida a decisão a rever; »
Inexigibilidade essa que continuou a manter-se na redação dada depois ao citado artº. 771º, pelo Dec.- Lei nº. 303/07, de 24/08, ao preceituar- se:
«A decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão quando:
a) (…)
b) – Se verifique a falsidade do documento ou acto judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objecto de discussão no processo em que foi proferida. »
Redação esta que depois se transpôs na integra para o acima também transcrito artº. 696º al. b) do nCPC, o que bem demonstra, a nosso ver, a real intenção de legislador de não constituir exigência legal que a falsidade que se invoca – nomeadamente dos depoimentos, e tendo em conta o caso sub judice –, como fundamento da decisão a rever, tenha sido previamente declarada/atestada em outro processo judicial, num claro sinal de opção de que essa discussão devesse ter lugar no âmbito do próprio processo/recurso de revisão.
No mesmo sentido, aponta Abrantes Geraldes (in “Ob. cit., pág. 558”), quando, a esse propósito, e em comentário ao citado artº. 696º do CPC, afirma que “Ao contrário do que emergia da primitiva a redação do preceito, não se torna necessário instruir o requerimento com qualquer sentença confirmativa da falsidade, tendo-se optado por integrar a discussão dos factos pertinentes no âmbito da revisão.” (sublinhado e negrito nossos). (No mesmo sentido, vide, entre outros, Amâncio Ferreira, in “Ob. cit., pág. 339” e Ac. do STJ de 13/12/2017, proc. nº. 2178/04, disponível em www.dgsi.pt, e em sentido contrário, cfr., entre outros, o Ac. do STJ de 14/07/2016, proc. nº. 241/10.2TVLSB.L1-A.S1, disponível em www.dgsi.pt.).
E perante o que se deixou exposto, falece o primeiro fundamento/argumento a aduzido pelo tribunal a quo para indeferir liminarmente o requerimento do recurso extraordinário de revisão.
Porém, o tribunal a quo erigiu ainda outro fundamento para indeferir liminarmente o requerimento de interposição do recurso de revisão: caducidade do direito de o fazer.
Na verdade, entendeu também que essa caducidade ocorreu por já ter decorrido o prazo de 60 dias previsto no nº. 2 do citado artº. 697º do CPC, quando a ora recorrente interpôs o aludido recurso de revisão.
Caducidade essa que o tribunal a quo fundamentou nos seguintes termos que se deixam transcritos:
«(…) Com efeito, tendo o requerimento do recurso extraordinário de revisão sido apresentado em 26/3/2021, e aí afirmando a recorrente ter tomado conhecimento da referida falsidade das declarações prestadas em 28/1/2016 através da declaração constante do requerimento apresentado no seu PER em 20/11/2019, mais alegando que foi com tal conduta declarativa que a referida CC preencheu todos os elementos do crime de falsidade de depoimento, levando a recorrente a apresentar a correspondente participação criminal em 5/8/2020, impõe-se a conclusão de que, pelo menos em 5/8/2020, a recorrente havia tomado conhecimento da imputada falsidade de depoimento. Pelo que quando em 26/3/2021 apresentou o requerimento do recurso extraordinário de revisão, há muito se havia esgotado o referido prazo de 60 dias, contado da referida data de 5/8/2020.
Ou, dito de outra forma, mesmo admitindo que o facto fundante da revisão não é a existência de decisão proferida em acção autónoma e prévia que aprecie (e declare) a falsidade do depoimento, mas tão só a específica materialidade fáctica de onde se pode concluir pela verificação da falsidade em questão, então tal materialidade corresponde, segundo o alegado pela recorrente, à actuação de 20/11/2019 da depoente, e que em 5/8/2020 confessadamente a recorrente já conhecia (pois que denunciou criminalmente a mesma), sendo irrelevante, para este fim (da verificação da caducidade do direito da recorrente), o conhecimento subsequente da actuação de 4/3/2021. Aliás, a afirmação da recorrente de que a verificação judicial das falsas declarações, "como têm entendido os Tribunais Superiores certamente que resulta da condenação pelo correspondente crime, mas não se esgota aí e pode, como no caso sujeito, resultar de certidão emanada por virtude de decisão judicial proferida no processo próprio, para esses fins", carece de todo e qualquer fundamento, desde logo porque a referida certidão onde se comprova a actuação de 4/3/2021 não corresponde a qualquer "verificação judicial (dada a natureza, conteúdo e origem do documento) das falsas declarações", mas apenas e tão só à certificação da resposta a um pedido de prestação de informações formulado no processo de insolvência da recorrida, fora da tramitação própria daquele tipo de processo. E, nessa medida, essa actuação processual não tem a relevância factual e funcional que a recorrente lhe pretende atribuir, designadamente para fazer desconsiderar o conhecimento anterior da materialidade fáctica relevante para a verificação da falsidade em questão.
O que faz concluir que, ainda que por esta via da afirmação da desnecessidade de existência de decisão proferida em acção autónoma e prévia que aprecie (e declare) a falsidade do depoimento, sempre haveria igualmente que rejeitar liminarmente o requerimento em apreço, através do conhecimento oficioso da caducidade do direito da recorrente a lançar mão do recurso extraordinário de revisão.»
Posto isto, diremos que nos revemos inteiramente nos argumentos esgrimidos pelo tribunal a quo para chegar à conclusão sobre a caducidade do direito da recorrente interpor o sobredito recurso de revisão, e nessa medida nos remetemos para a referida fundamentação e respetiva decisão."
[MTS]