Reconvenção;
elemento de conexão*
1. O sumário RG 15/6/2022 (182/20.5T8CBT.G1) é o seguinte:
I - O pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação quando se verifica uma identidade, total ou parcial, de ambas as causas de pedir, a da ação e da reconvenção.
II - Por seu turno, o facto jurídico que serve de sustentação à defesa envolve essencialmente a matéria de exceção, tratando-se, pois, de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor fazendo nascer uma questão prejudicial relativamente à causa principal.
III - Formulando o autor o pedido de declaração de ineficácia de um contrato, não é admissível reconvenção na qual o réu pede que o autor lhe pague uma indemnização por danos causados pela propositura da ação, uma vez que aquela não se funda (nem sequer parcialmente) na mesma causa de pedir.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"O fundamento da ação consiste na ineficácia do contrato de arrendamento por não terem sido observadas as formalidades legais.
A defesa apresentada pela Ré consiste, inversamente, na validade do contrato de arrendamento, por ter obedecido a todos os requisitos de forma.
Ora, não vem alegada qualquer factualidade que permita concluir que o pedido tem na base o fundamento da ação (ineficácia do contrato de arrendamento), pois nada se refere quanto ao facto de os prejuízos resultarem da ineficácia do contrato, imputável culposamente à Autora. Na verdade, a Ré não descreve as razões jurídicas resultantes da ineficácia do contrato que a levam a entender que tem direito à indemnização solicitada.
Assim, formulando o autor o pedido de declaração de ineficácia de um contrato, não é admissível reconvenção na qual o réu pede que o autor lhe pague uma indemnização por danos causados pela propositura da ação, uma vez que aquela não se funda (nem sequer parcialmente) na mesma causa de pedir.
Por outro lado, o pedido de indemnização civil também não pode ter na base a defesa da Ré no sentido da validade do contrato de arrendamento. A Ré não alega que os danos sofridos advêm de o contrato de arrendamento ser válido, nem tal seria compreensível (atendendo ao próprio teor da sentença homologatória proferida no procedimento cautelar apenso a estes autos).
A parte não pode invocar a validade de um contrato e, em simultâneo, exigir uma indemnização pelos danos resultantes da ineficácia do contrato. Ou o contrato é válido ou é ineficaz; as duas situações, a título principal, e invocadas pela mesma parte são incompatíveis.
Assentando a defesa na validade do contrato, um pedido de indemnização pelos danos resultantes de uma eventual procedência da ação, teria imperativamente de ser deduzido de forma subsidiária, sob pena de se verificar uma contradição com a própria defesa apresentada.
Ademais, a este propósito sempre se dirá, na esteira do acórdão da Relação do Porto de 22.10.2019 (---), que só o fundamento factual/jurídico da ação e da defesa podem conduzir à reconvenção, em consequência lógica, a causa de pedir, quer da ação, quer da reconvenção, tem de existir à data da propositura da ação. Por isso mesmo, da forma concreta como o autor articula os factos da presente ação não se podia deduzir o concreto pedido reconvencional, pois não nos encontramos perante idêntica causa de pedir; de forma idêntica, está também vedada a dedução de pedido reconvencional se a defesa invoca que o Autor promove alegação atentatória do seu bom nome, com efeitos junto das entidades de crédito.
Tem a jurisprudência entendido que os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos com a propositura de uma ação devem integrar pedido de indemnização com base em litigância de má fé, sem excluir a possibilidade de dedução de ação própria ( Neste sentido, o acórdão do STJ de 22.05.2003, disponível em www.dgsi.pt e o acórdão da da Relação do Porto de 16.10.86, CJ.IV/236.)."
*3. [Comentário] O caso analisado no acórdão é o seguinte: o autor -- que antes tinha obtido uma providência cautelar contra a ré com fundamento na ineficácia do contrato de arrendamento rural -- pede agora o reconhecimento dessa ineficácia; o réu sustenta a validade do contrato e deduz, através de reconvenção, um pedido indemnizatório, alegando que "o pedido reconvencional emerg[e] do facto jurídico que serve de fundamento à acção, ou seja, a alegada ineficácia do contrato de arrendamento que tem como objecto os prédios rústicos, que a Recorrente afecta à prossecução da sua actividade comercial, e as consequências nocivas que a eventual declaração de ineficácia do contrato de arredamento irá representar para a Recorrente".
O que a ré poderia ter feito era deduzir o pedido reconvencional com fundamento na sua defesa, ou seja, com fundamento na validade do contrato de arrendamento (art. 266.º, n.º 2, al. a) 2.ª parte, CPC) e, em consequência, com base na caducidade da providência cautelar que então decorreria da improcedência da acção principal (art. 373.º, n.º 1, al. c), CPC). O que então se poderia discutir era se a reconvenção pode ser utilizada para pedir a indemnização referida no art. 374.º, n.º 1, CPC. Em teoria, tal não parece impossível.
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