"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



13/04/2015

Jurisprudência (116)


Reconhecimento da dívida; pagamento voluntário; 
erro do devedor; acção rescisória


I. O sumário de RL 17/3/2015 (5681/10.4.TBSXL.L1-1) é o seguinte:

1. A actuação dos réus/executados no âmbito de uma acção executiva, que tem por base uma sentença pendente de recurso, com efeito devolutivo, ao procederem ao pagamento judicial voluntário da quantia em que foram condenados, antes da prolação do acórdão que veio a revogar aquela sentença e determinou o prosseguimento dos autos, traduz, objectivamente, o reconhecimento (definitivo) da dívida exequenda.

2. O tribunal de 1.ª instância, ao apreciar, após a prolação daquele acórdão, a repercussão na lide daquele pagamento efectuado pelos réus aos autores, não desrespeitou o caso julgado formado pelo referido acórdão, pois que conheceu de uma questão que não foi objecto de recurso e também não foi oficiosamente apreciada pelo tribunal superior. 

3. A ter existido da parte dos réus/executados uma situação de erro quanto à existência da dívida, poderão os mesmos instaurar acção de restituição do indevido (enriquecimento sem causa), demonstrando aí o seu erro e a inexistência de causa da obrigação.

4. Essa alegação não obsta, porém, a que se tivessem produzido os efeitos substantivos do facto: pagamento voluntário da quantia exequenda.

5. Esse pagamento voluntário da quantia exequenda e das custas da execução, produziu automaticamente a extinção da execução, como, de resto, se previa no art. 919.º, n.º 1, do CPC antigo, arrastando, forçosamente, o termo da instância executiva antes da decisão do recurso da sentença dada à execução.

6. Em face do pagamento voluntário da quantia peticionada nos autos, a pretensão deduzida pelos autores mostra-se satisfeita, tendo, por isso, a lide ficado sem objecto, tornando inútil o prosseguimento do processo.


II. O acórdão da RL chama a atenção por duas questões que nele são tratadas. Uma delas é a que se prende com a atribuição de competência ao tribunal de 1.ª instância -- e não ao tribunal de 2.ª instância que tinha apreciado um recurso interposto no processo -- para extinguir a instância após o pagamento voluntário da dívida exequenda. A solução não merece nenhum reparo.

A outra questão prende-se com a relevância do erro sobre o pagamento que foi invocado pelos executados. Sobre esta questão importa fazer as seguintes observações:

-- O pagamento (extrajudicial) da dívida exequenda não é um acto processual, mas é um acto que produz efeitos no processo (extinção da instância), ou seja, é um acto duplo; neste sentido, ao contrário do que sucede para os actos que são apenas actos processuais, esse acto pode ser impugnado com fundamento em falta e em vícios da vontade;

-- Isto não significa que o erro no pagamento possa ser apreciado no próprio processo em que o pagamento produz a extinção da instância e, menos ainda (como parece ter sucedido no caso concreto), nas alegações de um recurso interposto nesse processo; o lugar paralelo da invalidade da confissão (do pedido), desistência ou transacção mostra que é assim. essa invalidade só pode ser conhecida no recurso extraordinário de revisão (cf. art. 696.º, al. d), CPC); não sendo admissível a interposição deste recurso extraordinário com fundamento em erro sobre o pagamento que serviu de fundamento à extinção da instância, há que invocá-lo, com fundamento no princípio de que a todo o direito corresponde uma acção (cf. art. 2.º, n.º 2, CPC), numa acção autónoma.

Esta acção é necessariamente uma acção rescisória do caso julgado, o que significa que as possibilidades de rescindir um caso julgado são mais amplas do que aquelas que fundamentam o recurso extraordinário de revisão (cf. art. 696.º CPC). Se os fundamentos deste recurso deveriam ser alargados de modo a abranger também as situações de invalidade (substantiva) de actos processuais (duplos), é questão que agora importa referir, mas não resolver. Apenas há que acrescentar que a circunstância de o recurso extraordinário de revisão estar sujeito a determinados prazos (cf. art. 697.º CPC) torna indesejável que certos fundamentos de rescisão do caso julgado devam ser feitos valer em acção autónoma não sujeita a esses mesmos prazos.

MTS